Com o título “O discreto fascínio da Arquivologia”, a profa. dra. Heloísa Liberalli Bellotto concedeu uma entrevista a Revista do Arquivo Público Mineiro (não sei a data, pois consegui o arquivo pela internet), e ao lê-la não poderia escolher título melhor para tratarmos sobre o assunto – ARQUIVOS.
Discreto, pois quando nos deparamos pela primeira vez com um arquivo, na maioria das vezes nada chama atenção de imediato. Temos que procurar, mexer, revirar, ler, ler e ler… Mas quando encontramos algum assunto de interesse, aquele documento tão procurado e que vai trazer novidades para a pesquisa tanto histórica, como jornalística, filológica, geográfica, entre outras áreas, nos dá uma sensação de missão cumprida, pois aquela procura incessante finalmente é finalizada para a concretização de alguma pesquisa. E isso passa a ser a primeira e muitas pesquisas feitas em arquivos, pois essa descoberta, na exploração desses “papéis velhos” se torna cada vez mais fascinante. E podemos notar em diversos textos aqui mesmo do Almanaque Urupês, onde grande parte das pesquisas é retirada de documentos armazenados nos arquivos.
Por isso é necessário trazer ao conhecimento de todos a importância da pesquisa em arquivos históricos. Sendo o objetivo de um arquivo, principalmente, organizar e preservar as fontes documentais, a fim de permitir que a informações contidas nele sejam postas a disposição dos pesquisadores, nada mais natural que pesquisas sejam realizadas neste local. Esses documentos, organizados em conjuntos nos arquivos nacionais, estaduais e municipais, independente de sua natureza, permitirão ao longo do tempo, ser instrumento de pesquisa que possibilitarão uma contribuição fundamental ao desenvolvimento científico, independentemente das áreas do conhecimento.
No Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho, situado na Divisão de Museus Patrimônio e Arquivo Histórico (DMPAH) em Taubaté, o acervo contém documentos cartoriais, incluindo inventários, testamentos, processos crimes, processos cíveis de diverso caráter. O documento mais antigo é um inventário de 1649, muito próximo da data de elevação da Vila de Taubaté, em 1645. Temos também livros de antigas administrações municipais, Atas da Câmara e alguns Arquivos Particulares. No acervo do Arquivo encontra-se também a Hemeroteca Antonio Mello Junior, composta por jornais em grande parte da cidade de Taubaté, com data a partir de 1861 e revistas nacionais e internacionais com data a partir de 1904. Essa documentação armazena dados inéditos para o conhecimento da história local e, inclusive, para maior conhecimento da história nacional. Em todo Arquivo brasileiro, assim como em Taubaté, são armazenados parte significativa do que somos hoje, guardando nosso passado.
Sabemos que Taubaté no período colonial era Cabeça de Capitania e foi morada e passagem dos bandeirantes que se dirigiam para o interior do Brasil para o reconhecimento das terras inexploradas, captura de índios e busca de ouro e, nesses documentos, são encontradas informações ainda originais desses momentos que possibilitam compreensão histórica mais abrangente, não somente regional, mas do Brasil. Podemos citar exemplos de inventários e testamentos de bandeirantes, onde há descrição de vestuários, utensílios da época, arrolamento de peças do gentio da terra capturadas, dívidas decorrentes de carregações para o sertão, entre muitas outras informações. Ainda no período colonial, existem Cartas de alforria de índios, escrituras de batismos, doações de sesmarias. A documentação engloba também o período do Brasil Império, onde podem ser estudadas e analisadas as características desta época, salientando o sistema escravocrata, inúmeros processos referentes á escravos africanos, (como cartas de alforria, Depósitos, Processos Crimes), o ciclo econômico do café (principalmente na região do Vale do Paraíba, com sua alta produção cafeeira), evidenciados nos arrolamentos de bens, e nos processos cíveis referentes a dívidas, além de muitos outros temas a serem explorados. Incluem ainda o período republicano, no qual Taubaté teve sua intensa participação política. Assim, o modus vivendi dos três períodos, social, político e econômico encontrados na História do Brasil, são expressos ao longo de todo o acervo do AHMFGF.
A documentação existente no Arquivo Histórico Municipal Félix Guisard Filho é de suma importância para a compreensão não somente da história local, mas da história brasileira e a disseminação de seus conteúdos são atitudes imprescindíveis para a preservação da cultura e história de uma determinada região como para todo um povo.
Voltando ao tema de nosso texto, este discreto fascínio dos arquivos, mostro uma citação de Jules Michelet, que se encontra no livro de Jean Glénisson, “Iniciação aos estudos Históricos”, que explica o ofício do pesquisador que sabe perceber informações relevantes onde outros somente vêem papéis velhos e empoeirados:
“Não tardei a dar-me conta de que, no silêncio aparente das galerias – escreve êle – havia um movimento, um murmúrio que não era a morte. Êstes papéis, êstes pergaminhos lá deixados durante tanto tempo, nada mais pediam do que voltar ao dia. Êstes papéis não são papéis, mas vida de homens, de províncias, de povos. Inicialmente as famílias e os feudos brasonados em sua poeira, reclamavam contra o esquecimento. […] Se quiséssemos prestar ouvidos a todos, como dizia o coveiro no campo de batalha, nenhum morto haveria. Todos viviam e falavam, cercavam o autor com um exército de cem línguas que faziam calar a voz da República e do Império. Docemente, senhores mortos, procedamos pela ordem, por favor.”
_____________
Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.
3 Comments
A semeadura é opcional: só semea quem quer. Mas, após a semeadura a COLHEITA é inevitável!!!!.
E, eu, ainda estou viva para ver a MINHA COLHEITA após mais de vinte anos de semeadura!!!!
É a GLÓRIA!!!!
Deus foi e é MARAVILHOSO comigo!!!!!
Não se esqueça, Lia, que de tanto semear, um dos frutos é esse Almanaque.
Como profissional da área não poderia deixar de cumprimentá-la Amanda Valéria de Oliveira Monteiro. Deixo aqui uma frase da minha grande Mestre: “Documentos são diariamente destruídos, nas diferentes instâncias governamentais ou nas instituições custodiadoras de tais, seja por desconhecimento de sua importância para posterior estudo crítico da sociedade que o produziu ou por falta de acondicionamento e preservação, este ainda o mais freqüente e usual no Brasil”. Heloisa Liberalli Bellotto – Arquivos Permanentes, SP, 1991.
Comments are closed.