AQUI, AGORA!: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DO VALE DO PARAÍBA
Benedetto Croce já dizia que toda história é uma história do presente. Ocorre que as inquietações que nos levam a pesquisar o passado são atuais. Por mais que tentemos respeitar as singularidades dos momentos históricos, evitando o sétimo pecado capital do historiador (o anacronismo), não há como não fugir do nosso tempo.
E o nosso tempo é um período multifacetado. Tão ambíguo que chega a ser irônico: se por um lado os avanços tecnológicos nos proporcionaram maior acesso á informação, por outro os índices de analfabetismo funcional são alarmantes. O desenvolvimento sustentável está na pauta das preocupações mundiais, mas continuamos abrindo buracos na camada de Ozônio e desmatando a Amazônia. São tantas transformações em tão pouco tempo que muitos ficam norteados.
Uma geração nasceu e cresceu com a internet – há quem a chame de Geração Y – dobrando sua vida em duas: uma real e outra virtual. Para eles isso já é perfeitamente natural. No entanto, nessa mesma geração muitos não se reconhecem e vão procurar referências no que veio antes. Estou falando dos indies, dos hipsters, enfim, dessa galera que adota um estilo retrô ou alternativo.
E que passado é esse? Será um passado realizado? Depende. Nem tudo eram flores na década de 60, por exemplo. Ao lado da contracultura havia a repressão e as desigualdades sociais. Por quê do saudosismo? É difícil dizer. Talvez eles não se identifiquem com o que está rolando aí, por uma série de motivos, como a educação familiar por exemplo.
E quanto á esse outro lado da moeda, a Geração Y propriamente dita? Ainda que uma parcela consiga utilizar a internet conscientemente, muitos ainda ficam maravilhados com a infinidade de atividades que ela pode oferecer. Recentemente, com as revoltas no Oriente Médio e com o escândalo do Wikileaks, tem se ressaltado o aspecto revolucionário das mídias sociais. Sou cético em relação ás revoltas “digitais”.
Primeiro, a maior parte da população virtual ainda está sob controle de grandes corporações como a Google ou o Facebook. Em segundo lugar, a maioria também está mais interessada em sua vida e a de seus amigos que propriamente uma ação coletiva. O que faz o jovem desconfiar da ação política é o niilismo (com a queda do Muro de Berlim, o pós-modernismo e a corrupção comendo solta quem quer ser militante hoje?) e a alienação. Não é qualquer alienação, mas uma alienação do eterno-presente, como nos fala o historiador José Honório Rodrigues. Como se ditadores árabes e greves de universidades federais existissem desde o tempo da Criação.
O que contribui para a naturalização do presente é a quantidade de informação que nos chega, deixando-nos desnorteados. Sabemos o que está acontecendo no Paraguai, mas temos noção de verdade do que significa aquela manobra política? Hoje, diferente de 30 anos atrás, o problema não é mais a falta de informação, mas a falta de interpretação. Nesse sentido, o historiador pode ser um personagem essencial na tentativa de fazer tudo o que está acontecendo hoje no mundo ganhar sentido. Ele pode revelar o que está por trás dos fatos. Ele pode nos apresentar os processos de que estamos fazendo parte.
Não só isso. O historiador pode nos conscientizar de uma identidade cultural também através do contato com nossa memória regional. Estamos vivendo um contexto de globalização onde ser caipira, por exemplo, é um meio de resistência á homogeneização cultural. Mas o que é ser caipira? Essa é uma pergunta que pode ser tanto respondida pelo sociólogo como o antropólogo ou o historiador.
Quem deseja uma historiografia nova deve levar em conta aspectos como a espacialidade (a região), a cultura, a subjetividade (aqui estamos falando desde opiniões pessoais até sentimentos) e a narrativa (afinal, a academia tem de dialogar com a comunidade e o estilo narrativo é o que faz a sua pesquisa “digestiva” para a população). No caso do Vale do Paraíba, esses pontos não deixam de ser necessários, mas há de se acrescentar também uma discussão maior sobre outros conceitos.
Conceitos que falem sobre a realidade da região hoje. Conceitos que podem ser encontrados há 60 anos atrás ou até mais em nossa história. Do que estou falando? Ora, a questão étnica é um assunto pouco estudado no Vale, que por mais que se proclame caipira hoje está mais para multicultural. A história social do trabalho também é um aspecto interessante: nesse sentido temos muitos estudos sobre a escravidão na região, mas como eles dialogam com outras formas históricas de trabalho, inclusive o que predomina hoje no nosso parque industrial? A história ambiental, que ainda está se construindo no Brasil, também tem muito a dizer sobre uma região que assistiu ao desgaste de sua terra pela cultural intensiva de café e cana. O que Pinheirinhos tem a dizer sobre nossa urbanização? E o descaso do poder público com o patrimônio histórico?
Enfim, a discussão histórica não se trata somente de reconstruir o passado (um feito em si impossível de ser realizado devido a complexidade da realidade, mas sempre almejado), mas de repensar o presente também. Ora, o Vale do Paraíba está na rota de projetos desenvolvimentistas como o Trem de Alta Velocidade e do Complexo Hidrelétrico Simplício no Paraíba do Sul. Ainda há de se mensurar o impacto da Copa do Mundo no Brasil e da crise econômica internacional em nosso setor industrial. Seja como for, a região será transformada radicalmente. A grande questão aqui é se utilizaremos nosso conhecimento para entender e participar dessas mudanças ou se nos faremos de “vaquinhas de presépio” diante do curso dos acontecimentos. Passado, presente e futuro do Vale do Paraíba está em nossas mãos.
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2 Comments
Seria legal se os parágrafos se iniciassem com um espaço. Com isso a gente visualiza melhor o texto e tem maior facilidade de leitura. O parágrafo não foi criado à toa.
Concordo, Válter Lopes. O problema é que o sistema não reconhece a tabulação e acaba comendo esse espaço.
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