A RUA DAS ARTES

 A RUA DAS ARTES

As movimentações artísticas em Taubaté remontam séculos. Modalidades tão diversas e antigas quanto se pôde registrar.

Sobretudo a partir do século XIX, os anúncios de saraus, espetáculos teatrais e musicais e abertura de exposições, tornaram-se a cada dia mais comuns. O surgimento da imprensa deu um novo incremento e vigor ao movimento artístico.

Poetas e trovadores ampliaram seu espaço de divulgação, o surgimento dos teatros deu novo fôlego aos grupos dramáticos e musicais. E o advento da iluminação pública fez com que saraus e serenatas fossem incorporados ao cotidiano da cidade.

Surgiram em Taubaté infindáveis grupos dramáticos, sendo que entre o final do século XIX e início do XX, o mais popular foi o Grupo Malhado Rosa. No mesmo período, as rivais Banda dos Ursos e Banda dos Paraguaios dominavam a cidade com suas apresentações e suas históricas pancadarias. Os bailes festivos, primeiro nas mansões, depois em clubes, fizeram a cabeça de muitas gerações. Pintores renomados, como Clodomiro Amazonas e Georgina de Albuquerque expostos nas mais altas galerias. Foi um período fértil. Foram tantos os movimentos artísticos que nessas breves linhas não conseguiria enumerar.

Posso afirmar que esse período de grande fertilidade durou até meados dos anos 1930. Provável reflexo do enriquecimento financeiro advindo da produção cafeeira.

Cesídio Abrogi, um dos maiores escritores taubateanos do século XX
Cesídio Abrogi, um dos maiores escritores taubateanos do século XX

Os anos que se seguiram não foram menos importantes, tivemos grandiosos e expressivos movimentos artísticos e culturais na cidade, com destaque para as letras, com o surgimento de escritores, como Gentil de Camargo, Emilio Amadei Beringhs, Oswaldo Barbosa Guisard e a consagração de Cesídio Ambrogi. E movimentos como a Semana Monteiro Lobato e dos artistas do Largo do Pilar. Mas arrisco dizer que, ao menos em número, foi uma fase menos fértil que a anterior.

O século XXI aparenta ter retomado o que Taubaté experimentou há cerca de cem anos. Recebemos quase que diariamente notícias sobre apresentações artísticas, sobretudo nas ruas da cidade. Temos grupos grandiosos, como o Baque do Vale, dramaturgos de todos os tipos e qualidades e os grupos de preservação de tradições, como o inquestionável grupo de Moçambique do Parque Bandeirante, sob liderança do Mestre Paizinho.

Um grupo me desperta especial atenção, não apenas pela arte que fazem, mas pela proposta de trabalho que apresentam.  O Grupo Chorando na Feira tem se tornado imprescindível ao movimento cultural popular em Taubaté.

Não vou me ater ao histórico do grupo, que pode ser visto no vídeo abaixo e no formidável texto do jornalista Rodrigo Bustamente, no Jornal Contato.

O que penso ser mais importante nessa história toda é que o espaço de apresentação do grupo acabou tornando-se maior do que o próprio grupo. Quem vai na já tradicional roda de choro das sextas-feiras encontra uma manifestação cultural diversa. Antes dos mestres chorões se apresentarem, uma dupla de violeiros faz um esquenta para o público tocando suas músicas de raiz. Na maioria das vezes tocadas pela dupla Tamiro e Zé da Viola.

Detalhe da viola de Zé da Viola. Clique para ampliar
Detalhe da viola de Zé da Viola. Clique para ampliar

É cada vez mais comum que grupos diversos façam suas aparições naquele espaço cultural. O grupo de maracatu Baque do Vale já deu as caras por lá. Com seus tambores, conhecidos por atingir grandes picos decibéis, fizeram, literalmente, o chão tremer. O samba do Mistura e Manda. A Folia de Reis Estrela da Mantiqueira também já fez ali a sua adoração ao presépio. Mais recentemente, um evento intitulado “Esquenta mas não sai”, deu o pontapé inicial ao carnaval de marchinhas em Taubaté. Mas não é só de música que vive o espaço. O grupo Arte Raiz fez uma impressionante pintura ao vivo durante a apresentação dos chorões.

E vale a pena lembrar que não é só de choro que vivem os músicos. As valsas e serestas aparecem entre uma música e outra. É também uma tradição que os cantores, carinhosamente chamados de Canarinhos, cantem seus sambas e até boleros.

Jornalistas de TV, rádio e impressos são figuras comuns. Fotógrafos de todos os tipos e lugares também. Autoridades têm sido vistas com cada vez mais freqüência, sendo que até uma vereadora já emprestou sua voz para o grupo.

O mais surpreendente é que esse (apesar de não ser o único) é um movimento absolutamente espontâneo, sem a menor interferência dos poderes constituídos. Precisam lidar somente com o incômodo trânsito de automóveis, que está a cada dia mais reduzido, e com alguns vizinhos reclamões.

A maior obra dos músicos que se encontram na rua João Afonso não é necessariamente a música, mas o espaço de devoção espontânea e democrática às manifestações culturais.

Um dos freqüentadores da roda, de nome Ralf, que às vezes arrisca alguma música, certa vez me disse que aquela está virando a Rua das Artes. Então não sou o único a perceber que os chorões criaram um monstro, um monstro bom e que não pára de crescer.

E que aquela seja, de fato e permanentemente, a Rua das Artes.

Abaixo algumas fotos das apresentações.

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Angelo Rubim é professor de história e editor do Almanaque Urupês.

almanaqueurupes

1 Comment

  • muito legal! que a rua seja sempre nossa, do povo!

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