A comunicação na Malhado Rosa
Por Angelo Rubim
Tem sido cada vez mais fácil enxergar as transformações no modo de viver e de se comportar do taubateano. Quem observa a cidade há ao menos 15 anos consegue com muita facilidade identificar que a nossa maneira de falar, de andar pela cidade, de se relacionar com as coisas da cidade mudou.
A Praça da Eletro* já foi muito movimentada, especialmente com os eventos noturno e a ocupação pelos skatistas no final de semana; a Praça Santa Teresinha nunca foi tão cheia como é hoje; o trânsito está muito além da capacidade da cidade; os novos taubateanos, ou seja, as pessoas que não nasceram aqui (como eu) mas que adotam e são adotados pela cidade se multiplicam a olhos vistos.
O crescimento populacional foi assustador nesse ainda jovem século.
Eu era criança quando cheguei à cidade e fui parar na Rua Malhado Rosa, no Areão, depois de ter passado um tempo na Flor do Vale. Vivia me perguntando a origem do nome da rua, coisa que só fui descobrir um bom tempo depois, com muita pesquisa. Já falamos sobre o patrono da rua aqui no Almanaque. A rua sem saída é cruzada pela rua 20 de Janeiro, que é uma data importante para o Vale do Paraíba, e a história desse dia está contada aqui.
Não sei como era em outras ruas, outros bairros, mas a Malhado Rosa tinha suas características que julgo únicas. E foi ela a rua que fez com que eu me apaixonasse por Taubaté.
Foi lá que aprendi a me comunicar. De família paulistana, aprendi a falar misturando dois sotaques. Numa mesma frase sou capaz de pronunciar um sonoro “cinnnquennnnta” e um notável “porrrrrta”. Sou um tipo de gente que tem sido mais comum a cada dia na nossa não mais tranquila Taubaté. Tem muito, mas muito, taubateano filho de paulistano, fluminense, cearense e tantos outros “anos” e “enses” por aí, que estão fazendo surgir novas formas de falar em cada rua da nossa cidade.
Levei anos para saber que o carrapato “porva” que a gente pegava quando ia buscar babu para as festas juninas é na verdade o popularmente conhecido carrapato “pólvora”. Além do sotaque e corruptelas de palavras, chama atenção a minha capacidade de retirar sílabas de nomes, coisa que aprendi lá na rua. Não sei qual era o problema, mas pronunciar um nome completo podia ser frustrante.
Os casos eram muitos. O Claudinei, um dos mais sociáveis dos nossos vizinhos, mais ou menos da minha idade, raramente ouvia seu nome ser pronunciado como se escreve, ele é, até hoje, o “Claunei”.
Uma figura que era marcante na rua, e que morreu recentemente, foi o Wanderley. Ele não era dos moradores mais antigos, chegou quando a gente já era crescido, mas rapidamente se integrou. Ele era o “Derley”.
O Israel é o “Rael”; o Amauri é “Mauri”; eu, pra quem não sabe, me chamo Angelo Raphael, lá na Malhado Rosa ninguém me chama pelo primeiro nome, e lá eu sou o “Fael” e em casa o “Rapha” e “Fafá”. Em frente a minha casa tinha o Rafael, esse com “F”, que também é “Fael”. Quando estávamos juntos na rua eu, por ser mais velho, era o “Faelzão” e ele o “Faelzinho”. Casado com a Iara, que comandava as brincadeiras da molecada da rua e era a promoter das festas que aconteciam por lá, tinha o Nill Greiser (se é que é assim a escrita), nunca perguntei, mas suponho que seja um nome alemão… Imagine a dificuldade em pronunciar esse nome. Ele era o “Greis”, “Greisão”, às vezes “Alemão”. Ele foi dono de um carrinho de lanches que, acho que para facilitar para quem não o conhecia, foi batizado de “Nill”, seu primeiro nome.
Lá na rua morava a Keren, que virou professora e foi lá pra Maringá. O pai dela se chama Jorge, mas por alguma razão o pessoal da rua o chama de “Dode” (com o “Do” agudo). Como ele, alguns dos nossos vizinhos não tiveram sílabas retiradas do nome, mas ganharam apelidos vão levá-los pelo resto da vida e já o incorporaram como nome próprio.
O “Quinho”, cuja origem do codinome é ainda desconhecido (acho que até pra ele), foi o meu melhor amigo de infância, ele se chama Jeferson e se tornou um daqueles saxofonistas que a gente até arrepia quando ouve.
Lá mora o “Tio”, que também tem o apelido de “Barata”, e eu nunca soube o seu verdadeiro nome. E, vindo de Catuçaba, numa das famílias mais antigas da rua, tinha o “Chapéu”.
Meu irmão, Carlos, já falecido, já chegou aqui com o apelido. Era o “Caco” e acho que nem todo mundo sabia o seu verdadeiro nome.
Sambista de primeira, excelente contador de causos e, provavelmente, a figura mais simpática da rua, era o “Pezão”, pai do Felipe, da Amanda e do Erick, mas que eu também nunca soube o seu nome verdadeiro.
Isso sem contar todos os costumes e as coisas boas e ruins que faziam parte do nosso cotidiano.
Hoje não sou mais morador da Malhado Rosa, estou em outro bairro e não conheço os meus vizinhos, não sei os seus nomes e nem o que fazem. E mais, me preparo para sair de onde estou e morar em outra rua, outro bairro, com novos desconhecidos. Percebo que é essa a forma que muitas pessoas se comportam no século 21. Os vizinhos têm menos contato e as famílias estão cada vez mais fechadas. Acho que pode ser efeito do crescimento populacional, algo que vi nos últimos tempos da Malhado Rosa, quando alguns vizinhos novos continuavam desconhecidos dos mais antigos.
Acho que as ruas em que os vizinhos todos se conhecem e se solidarizam de alguma maneira são lugares cada vez mais raros, um cenário que corre sério risco de desaparecer.
Sou um privilegiado por ser da Malhado Rosa, cada um dos meus vizinhos são parte da minha história e são os responsáveis por fazer de mim o taubateano que sou hoje.
Se alguém da rua ler isso, por favor, aceite o meu mais sincero agradecimento.
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*Caso você seja um novo taubateano (bem novo mesmo), Praça da Eletro é o nome popular da Praça Monsenhor Silva Barros, no Centro, onde tem o Fórum Criminal.
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Angelo Rubim é professor de história e editor do Almanaque Urupês.
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3 Comments
Lindo!
Lindo!
Eu não morei na Malhado Rosa, mas na rua paralela, a Carlos Adolpho Leonardo, (outro ilustre Taubateano), mas conheci muitas pessoas dessa rua. Na verdade eram ruas irmãs pois as duas não tinham saída, o que aproximava mais os moradores. Fizemos muitas festas juninas na rua e a enfeitávamos com painéis na época de Natal e nas copas. Meu dois filhos nasceram lá e tiveram uma infância muito boas. Hoje não moro mais na rua e não sei se aquela interação entre os moradores ainda é mantida.
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