A arte de ser professor
Texto de Dafne Araceli Román
Professores acordam cedo e dormem tarde, movidos pela ideia fixa que podem mudar o mundo, de que podem fazer mais e melhor.
Vivemos contra o relógio, são provas para montar, notas para lançar, trabalhos para corrigir, ficamos o tempo todo pensando em o que poderíamos levar para sala de aula para deixar a nossa aula melhor, mais legal, mais divertida, tudo o que vemos que pode ser útil salvamos, guardamos e assim temos, diversas pastas em nossos micros com arquivos e mais arquivos… Alguns, por vezes, salvos duas, três ou quatro vezes, outros, esquecidos.
Sabemos bem das nossas dificuldades, dos desrespeitos, das injustiças, da falta de atenção e compreensão, mas professor que é professor não deixa de professorar só por causa de uma dificuldade aqui ou outra ali. Professor que é professor entende que, são crianças, nós também fomos.
Sou professora há onze anos, comecei dando aulas particulares para alguns amiguinhos da minha irmã e outros tantos amigos do meu pai, divulguei meu trabalho, fui para escolas de idiomas e logo comecei a faculdade, me enamorei, mas por vezes pensei em desistir, por vezes parei de lecionar… Sim, eu já fiquei um ano sem pisar em uma sala de aula sequer, já fiquei um ano sem receber nem um aluno particular, mas também, os traumas em sala de aula, acontecem… Já tomei “estojada”, “gizada”, ouvi xingos de pais bravos porque seu filho foi mal na prova… Já fiquei frustrada por não atingir 100% da sala. Já pensei o que estou fazendo? Dando aulas nunca vou ficar rica, mas, nada me tira a paixão de ensinar, seja em escola, seja particular, ensinar é amor, é paixão… E ensinar, estar em sala de aula não é tão ruim assim, os elogios que recebemos, por menores que sejam, são satisfatórios, existem pais conscientes que elogiam não ter dado aquela nota para o seu filho “preguiçoso”, outros que admiram a capacidade de criação e invenção que temos em sala de aula, outros que nunca que se fazem ver, nem por bem, nem por mal, e que falta fazem esses pais no meio educacional.
Acordar às 5:30 horas todos os dias, com sorriso no rosto, disposição de cavalo de corrida e cheia de amor para dar não é para qualquer um, mas para mim, SIM! Todos os dias quando o despertador toca, todo aquele sono, aquela preguiça de levantar da cama, some, some ao lembrar que em menos de duas horas estarei diante de trinta, quarenta ou talvez cem alunos, transmitindo conhecimento, transmitindo bom humor, some ao lembrar daqueles rostos lindos e pequenos ao darem um bom dia, some ao saber que estou lá para fazer a diferença. E por falar em bom humor, este deve ser um EPI essencial na vida do professor, porque aluno nenhum suporta docente de cara feia e cá entre nós, se for para fazer de qualquer jeito, com qualquer cara, melhor ficar em casa, lendo.
Não quero chegar a ser uma velha mal humorada, não sou destas, mas eu sei que sou chata, reclamona, exigente, ansiosa, organizada, porém, carrancuda, de cara feia, briguenta, mal humorada, isso não… E se o sou, que me desmintam (risos).
O professor trabalha todos os dias meu interior para não se abater com as coisas do cotidiano, torna-se uma pessoa capaz de dividir o profissional do pessoal e assim tudo fica mais leve, mais fácil, o bom humor não deve se deixar abalar por fatores externos, não podemos misturar as coisas e eu para não ter esses “problemas” adotei algumas palavras que as sigo a diário para não perder o amor e a paixão pelo que faço e pela vida, são estas: Determinação, Dedicação, Disciplina,Desprendimento, Doação, Força, Foco, Fé;
A determinação caminha junto com o foco, é o que me move , são os objetivos e as metas que quero atingir, e são tantas;
A dedicação é o quanto vou trabalhar para isso dar certo, toda conquista, toda batalha ganha depende mais de como e quanto você trabalhou do que de sorte;
A disciplina são os métodos, horários, regras, planos;
O desprendimento é estar sempre disposta a aprender o novo, absorver o conhecimento e as informações que muitos podem vir a me oferecer, é abrir mão do velho para deixar entrar o novo;
A doação é amor puro, o amor sublime, o que faço, faço por amor, por doação de mim mesma, gosto de transmitir conhecimentos, ver a evolução de quem está caminhando comigo;
A força é a coragem e a garra de levantar todos os dias e querer fazer melhor, querer fazer diferente é saber que hoje pode ser um dia difícil, mas que amanha com certeza será melhor,ou que talvez é só uma sala, só um aluno, vai passar;
A fé, a fé o que nos move todos os dias, é saber que alguém está cuidando por nós, alguém está nos segurando e nos dando forças todos os dias para que não nos deixemos abater pelas dificuldades que teremos pela frente;
Por vezes quando me perguntam “você só dá aulas?” fico com fogo por dentro, me tira do sério, vem à tona aquele lado Dafne que não quero ser, que trabalho para não deixar aparecer, dá vontade falar coisas horríveis, mas eu percebo e entendo, as pessoas que perguntam não conseguem compreender em sua magnitude o que é ser professor, para quem está de fora, para quem não vive com isso, não sabe como é a rotina de um professor, não sabe tudo o que tem para fazer e acha que é apenas pegar o livro, entrar em classe, pedir para abrir a página e sentar.
Não é bem assim, dar aula exige muito mais, exigem as palavrinhas chaves que destaquei no parágrafo anterior e muito mais, o professor vive em constante estudo, vive em constante reciclagem, o professor não pode envelhecer, os alunos se renovam e você precisa se renovar, precisa saber o que está “rolando” por ai, o som da moda, a roupa da moda, a banda, as gírias, as novelinhas, você precisa saber que “violeta” é uma novelinha e as meninas estão doidas com essa novelinha e não apenas uma cor, você precisa saber de tudo um pouco, estar pronto para responder as diversas perguntas, estar pronto para dizer “não sei, vou procurar e na próxima aula falamos sobre isso” e também, estar pronto para se sair pela tangente quando não quiser responder aquilo que pode te deixar constrangido…
Dar aula exige ter criatividade, pulso firme, dar aulas exige amor, paixão. Você não pode fingir ser uma coisa e por fora ser outra, temos os nossos alunos nas redes sociais, eles acompanham os nossos passos, sabem o que fazemos, onde estivemos e com quem estivemos, se percebem uma foto nova no face, já vão logo perguntando se é namorado, se você sorri quando diz que não, já era, a sala toda vira e da risada e você meio sem graça, porque não é seu namorado, vira as costas e começa a escrever na lousa pedindo para prestar atenção porque o conteúdo é difícil, mas no fim da aula sempre tem aquele que comenta, “mas ele bonitinho viu prof.”, aí você meio sem graça diz, “ é sim, neh?! (risos)”
O professor pode não ganhar muito bem, não ter PLR gordinha, não ter reconhecimento absurdo, mas tem algo que é indiscutível, que garanto que todos os professores têm e adoram ter, é satisfação, satisfação em ver o aluno aprendendo, em ver o aluno reconhecendo e utilizando aquilo que você passou a ele. Quando chega um aluno a mim e diz, “Prof. falei com alguém em espanhol e me entendeu…” “mandei um e-mail em espanhol e me responderam…” entre outras frases que ouço com frequência, fico tão feliz, tão grata, satisfeita e orgulhosa de estar fazendo meu papel da melhor forma. Quando encontro antigos alunos na rua e com carinho se aproximam para me saudar, enche meu peito de flores e meus olhos irradiam alegria, não existe ato mais satisfatório ao encontrar um antigo aluno e ouvir “que saudade das suas aulas…” ou “volta, sentimos sua falta…”.
Dar aula não é contar piada, não é ser palhaço, mas quem dá aula sem humor (como disse no inicio) não está com nada, ensinar é uma forma de oração, é um mantra. Ensinar tem que ser como uma música agradável, que ao tocar os ouvidos dos alunos eles se encantem e se apaixonem pelo que você diz.
É preciso ser doce, saber dosar entre a rigidez e a sensibilidade, sentar no chão, dançar, cantar, rir, ler, escrever, fazer perguntas, deixar o aluno te ensinar, e quanto aprendemos com eles…
O professor de verdade não consegue sair da sala e se desligar daquele aluno que estava com o olhar baixo, daquele aluno que é bagunceiro, mas que hoje estava quieto, o professor se irrita com o aluno que fala a aula toda, que grita, que bagunça, mas quando este está distante, está quieto, o preocupa e vai atrás para saber o que houve,pergunta aos colegas se foi assim nas outras aulas ou apenas na dele.
O professor ouve as dúvidas, os medos, as vontades dos alunos, o professor compartilha causos, histórias, piadas… Você nem sempre está bem, tem os seus problemas também, fica doente e vai perceber que quando você é um professor que entra com o coração, com alma em sala de aula seus alunos perceberão e perguntarão o que está acontecendo e você não vai encher os ouvidos deles com os seus problemas, vai dizer que está tudo bem, mas depois, com certeza, algum vai te procurar no intervalo, na sala dos professores, nas redes sociais e preocupado vai querer saber mais, vai querer saber o que houve que hoje esteve apático em sala.
Os professores sempre querem tudo. Querem multiplicar o tempo, somar os esforços, dividir os problemas para solucioná-los. Querem analisar a química da realidade. Querem traçar o mapa de inusitados tesouros, querem guardar a inocência das crianças em potinhos.
Os olhos dos professores apaixonados brilham quando, no meio de uma explicação, percebem o sorriso do aluno que entendeu algo que ele mesmo, professor, não esperava explicar. O professor vibra quando um aluno vira no meio da explicação e lhe diz, estive vendo isso ontem e achei tão interessante.
A paixão é inexplicável, bem sei. Mas é também indisfarçável. O cansaço é indiscutível, o medo ao fracasso, à recusa é inevitável.
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Dafne Araceli Román é argentina, escritora, professora de Espanhol e Português com formação em Letras. [/colored_box]
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1 Comment
Parabéns para nós!
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