O SEMINÁRIO SERÁFICO DOS CAPUCHINHOS EM TAUBATÉ E A ACEITAÇÃO DE RELIGIOSOS NEGROS NO FINAL DO SÉCULO XIX

 O SEMINÁRIO SERÁFICO DOS CAPUCHINHOS EM TAUBATÉ E A ACEITAÇÃO DE RELIGIOSOS NEGROS NO FINAL DO SÉCULO XIX

Continuando com as comemorações dos 120 anos da chegada dos frades capuchinhos em Taubaté e aproveitando a semana no qual comemoramos o dia da Consciência Negra (20/11), hoje abordaremos sobre a abertura do seminário Seráfico em Taubaté, que por sinal era uma das prioridades dos missionários ao se deslocarem para o Brasil e o embate para aceitação de religiosos negros.

Frei Bernardino de Lavalle, para colocar os planos dos missionários em prática, tratou de providenciar o necessário para a abertura do seminário, mesmo com divergências de opiniões dentro da Ordem no que se refere a entrada de brasileiros. Preferiam a entrada de descendentes de italianos, pois acreditavam que os brasileiros não tinham aptidão para a vida religiosa, por sua natureza indisciplinada. Mas, Frei Bernardino e Frei Félix de Lavalle não se conformaram com isso e decidiram enfrentar essas idéias opostas. Em uma reunião no dia 21 de abril de 1896, em que estavam presentes Frei Felix, Frei Bernardino e Frei Ricardo de Denno, foram tomadas as resoluções para a abertura do seminário.

Os primeiros seminaristas – Taubaté, 1897. Na fila de baixo: José de Siqueira, Jacinto de Oliveira, Caetano Alves, Ângelo Correr, José Forti, Francisco Toledo, José Cristofoletti. Na fileira de cima: Ricardo Bertazzini, José M. Pinheiro, João Torresan, Pedro de Oliveira, Prisciliano Frutuoso dos Santos, José Luiz da Costa e Isac Brunelli. Os primeiros seminaristas – Taubaté, 1897. Na fila de baixo: José de Siqueira, Jacinto de Oliveira, Caetano Alves, Ângelo Correr, José Forti, Francisco Toledo, José Cristofoletti. Na fileira de cima: Ricardo Bertazzini, José M. Pinheiro, João Torresan, Pedro de Oliveira, Prisciliano Frutuoso dos Santos, José Luiz da Costa e Isac Brunelli. Fonte: PROVÍNCIA DOS CAPUCHINHOS DE SÃO PAULO: 50 ANOS DE PROVÍNCIA, 2003, p. 10.

No dia 05 de julho de 1896, foi aberto o Seminário Seráfico, e no jornal Diário de Taubaté, tem-se a notícia, no qual a solenidade seria presidida pelo Arcebispo Dom José Pereira da Silva Barros e o discurso feito pelo vigário Nascimento Castro.

Realiza-se, hoje, a abertura solene do Colégio Seráfico de S. Francisco no Convento de Santa Clara, dirigido pelos virtuosos e dedicados Padres Capuchinhos.
A solenidade começará á 4 ½ horas da tarde e será presidida pelo exmo. Arcebispo de Darnis, com assistência de todo o clero da paróquia; fará um discurso análogo ao ato o revd. Vigário Nascimento Castro.
Abrindo este colégio, onde o ensino será distribuído gratuitamente á classe proletária, os modestos religiosos capuchinhos vão prestar relevantíssimo serviço a esta paróquia, pois que a educação moralizada é o fundamento d’uma vida honrada, o principio regulador da ordem social (Diário de Taubaté, 05 de julho de 1896, p.01).

 O Colégio do Bom Conselho doou ao seminário vários móveis, e a população da cidade os auxiliavam dando alimentos e outras necessidades.

O seminário funcionou na parte térrea do convento, enquanto construíam uma ala própria que foi inaugurada nos dias 13 a 15 de março de 1897, com muitas solenidades. O Jornal Diário de Taubaté, de 10 de março de 1897, publica o convite de Frei Félix aos taubateanos para participarem da solenidade de inauguração do novo edifício para o seminário, especialmente “todos os apreciadores da instrução da infância desvalida e muito especialmente todos os corações generosos, que com tão boa vontade concorreram para a construção do colégio” (Diário de Taubaté, 10 de março de 1897, p.02). Chamado primeiramente de Colégio Imaculado Coração de Maria, seria depois nomeado Colégio Seráfico São Fidélis.

Frei Serafim de Piracicaba. FONTE: Site da procasp: http://www.procasp.org.br/necrologio/70-procasp/necrologio/dezembro/417-02-12-1914-fr-serafim-de-piracicaba

                A princípio foram recepcionados 13 alunos, entre tiroleses, italianos (de nascimento ou origem familiar) e brasileiros e entre esses brasileiros, três negros. Para o final do século XIX, isso criou ainda mais divergências dentro da Ordem. Nos seminários brasileiros em geral, a discriminação racial era evidente. Poucos negros conseguiam entrar para o sacerdócio. “Embora não exista estatísticas sobre a ordenação de negros para a era pré Vaticano II, eles sem dúvida eram raros” (SERBIN, 2008, p.129).  Essa difícil aceitação fica evidente numa carta de 1899 em que frei Fernando relatou ao Ministro Geral a questão dos seminaristas negros, que naquele momento, já não eram mais três e sim dois. A carta é longa e nela o frei tentava justificar que continuar com os candidatos a padres negros ocasionaria muitos problemas para os frades. Vale salientar que esses meninos eram candidatos a padres, e que somente em 1900 iriam para o noviciado, por isso deveria receber a aceitação da Ordem.

[…] todos se admiram de que os dois tenham sido aceitos no seminário. Existe natural aversão aos negros e isso é difícil de se mudar. O padre branco incute maior respeito até aos negros. Pelo que consta, nenhuma congregação religiosa aqui existente (salesianos, jesuítas, redentoristas, lazaristas) aceitou ou aceita negros. […] Se nem os seminários brasileiros recebem negros, como podemos nós contrariar tal prática tão comum? O arcebispo do Rio declarou expressamente que não ordenaria negro no Brasil. Mas, o P. Comissário, em sua costumeira bondade acha que devemos acabar com o ódio de classe e de raças. Todos se admirariam vendo um padre negro. Como poderiam os superiores mandá-los entre as famílias nobres?[…] (BERTO, s.d., p.50).

                 Frei Bernardino, por sua vez, em uma carta de 30 de janeiro de 1900 ao Ministro Geral, defendeu os meninos, afirmando que “é exagero dizer que não gozam de estima. Há não poucos negros que pela piedade e costumes ilibados envergonham muitos brancos […] Todo o corpo docente do colégio seráfico foi favorável aos dois candidatos, recebendo-os ao noviciado” (BERTO, s.d., p.52). Mesmo sendo aceitos no noviciado em 4 de fevereiro de 1900 e recebendo os nomes religiosos, Pedro de Oliveira, o nome de frei Serafim de Piracicaba e José Pinheiro, o nome de frei Tomás de Taubaté, portanto, esse segundo era taubateano, foram investigados, porque a desconfiança e o preconceito eram grandes. O próprio provincial afirmou em outra carta de 1.º de novembro de 1900 que “nada pode dizer contra, pois ninguém se admiraria em ver frades negros, sendo que um terço dos brasileiros são mulatos ou negros” (BERTO, s.d., p.53).

Embora houvesse frades contra a entrada de negros no seminário, havia, tanto na missão brasileira como em Trento, defensores da prática de receber negros para serem futuros religiosos e padres, e com a aceitação da maioria, frei Serafim de Piracicaba pode posteriormente ser ordenado sacerdote a 31 de dezembro de 1905, se tornando o primeiro sacerdote capuchinho paulista.

Todo esse processo de aceitação de negros na Ordem dos frades Menores Capuchinhos nos leva a refletir que no mesmo após a Abolição, o preconceito e a humilhação contra os negros continuaram constantes, aqui exemplificadas no âmbito religioso, mas sabemos que esse tratamento era geral, sendo essas afirmações racistas defendidas entre a população, resultando na ininterrupta marginalização dos negros na sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Diário de Taubaté, n.º 266, p.01. 05 de julho de 1896.

Diário de Taubaté, n.º 453, p.02. 10 de março de 1897.

Província dos Capuchinhos de São Paulo: 50 anos de província. Piracicaba, SP: Centro Franciscano de Espiritualidade, 2003. Revista Comemorativa dos cinqüenta anos de elevação da Missão a Província.

BERTO, Nelson O.F.M. Cap. Documentos e Correspondências 1886 – 1946. Província dos Capuchinhos de São Paulo. Piracicaba – SP. Seminário Seráfico São Fidelis, s.d.

SERBIN, Kenneth P.. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja católica no Brasil. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

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Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.

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