Anthony Knivet e a região do vale do Paraíba
Por Giovanna Louise Nunes
O vale do rio Paraíba, como é conhecido nossa região, várias vezes, durante o processo de colonização do território e interiorização da metrópole, foi passagem para muitos aventureiros e viajantes. Os viajantes sejam, liderados por expedições governamentais, científicas ou mesmo particulares, descreveram a costa brasileira e as regiões por onde passavam com dados que nos possibilitam hoje um melhor estudo das relações entre o gentio e os portugueses, e também do cotidiano da colônia.
Na coluna desta semana, o estudo é sobre o corsário inglês Anthony Knivet, que esteve na região entre 1596 e 1597, verificando a utilização dos recursos naturais durante sua viagem do Rio de Janeiro até os sertões.
Anthony Knivet e a região do vale do Paraíba
O marinheiro de Cavendish viveu a serviço e submissão da família Correia de Sá por quase uma década. Foi durante esse período que Knivet adentrou os sertões e consequentemente passou pela região do vale do Rio Paraíba, sendo citadas várias vezes no relato, pelos caminhos indígenas da serra do Mar.
[…] Knivet embrenha-se pelo sertão, por lugares nunca antes pisados por um europeu, entrando em contato com tribos desconhecidas e negociando escravos que serão usados nos engenhos e em trabalhos domésticos. Suas entradas pelo interior do Brasil, seguindo rotas indígenas e caminhos desconhecidos, são viagens de exploração em busca de minas de ouro e pedras preciosas, que se incrementaram no governo de d. Francisco de Souza.[1]
A facilidade de adaptação e contato com os povos indígenas permitiu ao Knivet um relativo sucesso, como o apontado em suas crônicas e em outros documentos como o inventário realizado a pedido de Martim de Sá sobre despesas, no qual podemos verificar a seguinte passagem:
[…] O objetivo de Martim de Sá era a compra de escravos por missangas e ferramenta; mas, apesar de os Guaianazes serem muito dados a esse comércio, a ponto a ponto de venderem suas próprias mulheres e filhos, na ocasião encontravam-se em extrema escassês[2]. Por isso Martim de Sá resolveu enviar Knivet, com oito de seus escravos, aos Puris, gentio amigo dos contrafortes da Mantiqueira, cujo morubichaba acolheu muito bem o emissário e, depois de recebidas as dádivas de Martim de Sá, lhe entregou setenta escravos, fazendo-os acompanhar por trezentos frecheiros até à outra banda do Paraíba, rumo ao litoral [….].[3]
Ainda sobre o caminho dos Guaianazes, segundo o relato de Knivet havia sido prometido a ele um escravo para realizar trabalhos para o inglês quando retornando ao Rio de Janeiro. Mas o prometido não aconteceu. Continuou a cumprir suas entradas.
As sequencias de datas das entradas, seguem ainda com alguns espaços a serem preenchidos durante as análises dos documentos de viagem e cartoriais, como é o caso do solicitado pela família Sá (inventário). Isso aponta a um conflito de datas constante e de “versões”, como o artigo está preocupado com a verificação do caminho e da utilização do rio como transporte e alimentação para os viajantes, prevalecem às relações cruzamentos dos dados. Assim, as datas funcionam aqui como acessórias a análise, apenas como guia temporal dessas entradas paulistas.
Em 1593, em seu inventário, Martim de Sá descreve sua entrada no sertão ao lado de Knivet. Mas, suas expedições pela região ganham mais força dois anos depois, em 1595, por um fator pessoal. Após uma discussão com sua madrasta o jovem é enviado pelo pai a fazer o caminho dos Guaianases, que ia de Angra dos Reis à Cananéia (do Rio de Janeiro à região de São Paulo), com o intuito de apresamento indígena e reconhecimento local e de seu gentio. Nesse momento, o objetivo era o de retornar a Ilha Grande, onde estavam fixados, e após o contato com os Puris próximo a Mantiqueira, quarenta dias depois de dobrar o rio Paraíba, retornou a Ilha Grande.
No inventário mencionado de Sá, já é sem tempo relatada a escassez de indígenas, mesmo aqueles que eram ligados ao comércio escravo, chegando a vender seus filhos e mulheres, quando Knivet seguia viagem verificava que a disponibilidade de obter escravos cativos diminuía, por isso a incursão ao interior do território da colônia.
Na entrada de 14 de outubro de 1597, com a bandeira em regra, seguiram juntamente a Sá e Knivet, o também inglês Henrique Banaway, além de um capelão, muitos moradores e colonos do Rio de Janeiro. Nessa passagem Knivet comenta que partindo de Parati para o sertão, a oeste verificava um grande número de canoas a navegar entre as ilhas e a terra firme, o que leva à crença em um comércio entre os moradores do Rio de Janeiro com as cidades do litoral norte paulista e o vale do Paraíba.[4]
Isso tornava a região atrativa e propícia ao abastecimento servido de rota para as incursões, que desde 1560, vasculham com o intuito de fazer o reconhecimento da região e dos nativos, tornando o rio Paraíba importante durante os anos verificados na pesquisa e permitindo com isso o deslocamento não somente de brancos, mas também de outros indígenas para ocupar a região.
Esse processo fica mais intenso até 1640, principalmente na região onde seria formada a vila de Taubaté. E os muitos relatos de viajantes e bandeirantes que por vezes partindo da vila foram formar muitas cidades mineiras e nessas descrições falam do intenso fluxo de povoadores passando pela região.
Bibliografia
FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. A Construção do Brasil na literatura de viagem dos séculos XVI, XVII e XVIII – Antologia de textos – 1591 – 1808. Rio de Janeiro: José Olympio; São Paulo: Unesp, 2012
GARCIA, Rodolfo. Processo relativo às despesas que se fizerão no Rio de Janeiro por ordem de Martim de Sá, para defesa dos inimigos que inventavão cometer a cidade e porto (1628-1633). Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1937. Vol. LIX.
KNIVET, Anthony. As incríveis aventuras e estranhos infortúnios de Anthony Knivet (1591). Organização, introdução e notas: Sheila Moura Hue. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
LIMA, Leandro Santos de. Bandeirantismo Paulista: o avanço na colonização e exploração no interior do Brasil (Taubaté, 1645 a 1720). São Paulo: Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2011.
MARIOTTO, Lia Carolina Prado Alves. Em busca de um roteiro esquecido: o caminho entre as vilas de Parati e Taubaté. Filol. linguíst. port., n. 10-11, p. 317-344, 2008/2009.
[1] KNIVET, Anthony. Op. Cit. p. 20-21.
[2] SIC. Opção por utilizar a grafia da época, permanecendo como origina o documento e sem repetição do termo SIC para essa denominação.
[3] GARCIA, Rodolfo. Processo relativo às despesas que se fizerão no Rio de Janeiro por ordem de Martim de Sá, para defesa dos inimigos que inventavão cometer a cidade e porto (1628-1633). Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1937. Vol. LIX.
[4] GARCIA, Rodolfo. Processo relativo às despesas que se fizerão no Rio de Janeiro por ordem de Martim de Sá, para defesa dos inimigos que inventavão cometer a cidade e porto (1628-1633). Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1937. Vol. LIX.