Um Lobato ainda desconhecido na terra de Lobato

 Um Lobato ainda desconhecido na terra de Lobato

Professores Marisa Lajolo e José Carlos Sebe chamam a atenção sobre a ausência de um espaço e de esforços locais para preservar a memória e a história sistêmica de Monteiro Lobato, um dos cinco autores mais publicados no Brasil para se contrapor aos estudos fatiados em contos infanto-juvenis e adultos, nacionalistas, Jeca Tatu, Vale do Paraíba

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Marisa Lajolo e José Carlos Sebe em palestra ocorrida na Unitau.

Se o autor de Reinações de Narizinho, Caçadas de Pedrinho, Urupês e outras dezenas de obras infantis e adultas fosse norte-americano, com certeza sua cidade natal teria, no mínimo, um memorial e um centro de pesquisa que, com
certeza, atrairiam turistas e estudiosos. Infelizmente, não é o que acontece com Taubaté, a Capital Nacional da Literatura Infantil, berço de José Bento Renato Monteiro Lobato (1882 – 1948).
Esse tema veio à tona na noite de terça-feira, 09, durante a palestra proferida pela professora Marisa Lajolo, da Unicamp, organizadora de duas obras primas: Monteiro Lobato Livro a Livro – Obra Infantil e Obra Adulta. O primeiro ganhou o Prêmio Jabuti e o segundo foi recentemente lançado.
Pouco antes da palestra, reportagens do Jornal CONTATO e do Almanaque Urupês fizeram um jogo rápido com Lajolo e o professor e nosso colaborador José Carlos Sebe Bom Meihy. O objetivo dessa conversa informal era tentar entender a mudança que teria ocorrido na opinião de Sebe a respeito do escritor.
Antes, porém, Lajolo fez algumas revelações curiosas sobre a origem do Fundo Monteiro Lobato (FML) da Unicamp, constituído de livros, documentos textuais (correspondência, documentos familiares, originais, documentos de trabalho), e visuais (fotografias, pinturas e desenhos), recortes de jornal e alguns objetos.
A professora contou que, por uma obra do acaso, uma de suas orientandas descobriu em Santos uma família que possuía um acervo de livros da primeira edição de Monteiro Lobato.
Lajolo obteve recursos junto a instituições de pesquisa para adquiri-lo. Em outro episódio sobre lotes de cartas pessoais, as famílias cederam gratuitamente porque queriam apenas que o acervo ficasse sob os cuidados
de alguma instituição confiável.
Outro movimento muito importante foi o convencimento da família de Monteiro Lobato.
Traçou e cumpriu rigorosamente a estratégia traçada para atrair para a Unicamp todo acervo sobre o escritor que deveria ir para a USP: Promoveu um jantar em Campinas com a presença da família de Monteiro Lobato e autoridades
acadêmicas. Durante o evento, sugeriu que na Unicamp o escritor taubateano sempre seria a principal estrela enquanto na USP essa estrela era e continuaria a ser Mário de Andrade.
O argumento surtiu efeito. Assim foi criado o Fundo Monteiro Lobato.

Jogo rápido

Professor, o que o teria feito mudar sua opinião a respeito de Monteiro Lobato?

“Foi Marisa Lajolo. Minha preocupação exclusiva [até então] era pensar Lobato e Taubaté, o que eu chamo de lobato doméstico, coisas como receitas culinárias e histórias fantásticas. Marisa [Lajolo] chegou e disse: ‘Zé Carlos você vai escrever sobre o oposto, que é a questão da industrialização’” [pedindo- lhe um texto a respeito].

Como é que o senhor se virou? 

Tive que estudar muito. Moro no Rio e a Biblioteca Nacional não tinha o artigo “How Henry Ford is regarded in Brazil”. Só o encontrei na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Comecei ver Monteiro Lobato, desde 1921, se afastando
do Vale do Paraíba, dos temas locais, do Jeca Tatu etc. É quando ele começa um flerte com o [Henry] Ford nos Estados Unidos.

Antes de Lobato ir para os EEUU?

Sim. Em 1925, quando ele vai para o Rio de Janeiro, para mim já está claro que ele tinha, decidido que ele ia para os Estados Unidos. Não fiquei surpreso pelo fato de ele receber o convite e ir como convidado. A correspondência
que ele tem com o Ford mostra isso.

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De onde surge essa relação?
Petróleo e máquina. A questão do ferro e a indústria é a síntese de tudo isso. Henry Ford naquele momento era uma figura bastante importante.

Professora Marisa concorda com essa mudança de Sebe? Ele melhorou? (risos)

Ele melhorou porque essa ideia de um Lobato nacionalista é meio ortodoxa, uma coisa meio convencional, meio canônica. E o que o Zé Carlos faz é abrir e ver um Lobato global, de Taubaté para o mundo, para Nova Iorque. É uma coisa
mais de acordo com um pensamento mais contemporâneo.

É isso mesmo professor?

Sem dúvida. Tem a famosa passagem em que Lobato diz que “um dia em Nova Iorque vale mais que uma vida no Brasil.” Isso dá um pouco a ideia que eu chamoo caipira em Nova Iorque. Ele fica deslumbrado com metrô, com a eletrônica, com o cinema.
Lajolo complementa: Lobato assiste a primeira apresentação de cinema falado em NY, depois escreve um belíssimo artigo falando de Disney, da Fantasia, etc. Tenho certeza que ele teria um ipad hoje. Ele era um deslumbrado
por todas essas engenhocas.

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E o nacionalismo de Lobato, professor?

Há um apelo nacionalista. O nacionalismo era a grande bandeira. Mas ele tinha uma percepção sobre o estado que não era ingênua. Desde que ele faliu pela primeira vez, debitava a culpa no estado, que não cumpre seu papel.
Henry Ford o fez acreditar no “self made man”. Qualquer cidadão muito bem instruído poderia ser um Henry Ford.
Professora, porque esse lado de Lobato é pouco conhecido?

Eu não me conformo de Taubaté não ser um centro arquivístico do Monteiro Lobato. É uma coisa inacreditável. Vocês estão na terra dele. Na entrada da cidade está escrito “Taubaté capital da literatura infantil brasileira”, é muito mais do que isso. E a Unitau é séria, tem recurso.

Concorda, professor?

Taubaté não conseguiu formular ainda um corpo crítico capaz de atuar fora da cidade. É o mesmo problema do sustento da universidade que ainda pensa que vai sobreviver com pesquisa,  com o custeio dos alunos.
Onde estão os projetos da universidade? Qual a relação que tem com a Fundação Ford? Qual é seu grande projeto? É isso mesmo professora? É uma pena, mas essa não é uma questão de Taubaté. É uma questão do empresariado brasileiro e particularmente os da educação. Você tem muito poucas escolas privadas no Brasil administradas como empresa. Quem tem a experiência a respeito sabe o que é uma instituição de pesquisa, o que é fazer pesquisa. [Por outro lado] é uma coisa triste você ter reuniões em universidades privadas aonde eles te explicam que você precisa explicar para os alunos que [eles] precisam cumprir carga. Não é que os alunos precisam aprender. É um momento do ensino superior brasileiro complicado.
Sebe: Eu endosso tudo isso, mas quando eu penso que o Monteiro Lobato é um dos cinco autores mais publicados desse País, nós temos um referencial que não é o referencial geral. Taubaté tinha que ter criado um espírito de equipe capaz de criar um grupo de notáveis que investisse um pouco de dinheiro, que fizesse um banquete e convidasse departamento cultural da VW e desses bancos todos que estão atuando em Taubaté, todas essas indústrias daí, chamar
esse pessoal.

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