Verticalização e vertigens

 Verticalização e vertigens

 Por Rachel Abdala

Há pelo menos cinco anos a cidade de Taubaté vem sofrendo intenso processo de verticalização. Mesmo não sendo especialista no assunto, não conheço a fundo os conceitos, preceitos e teorias nem da área do planejamento urbano nem da de economia, mas como cidadã sofro as conseqüências desse processo e, como estudiosa da História e das relações sócio-culturais, me vejo obrigada a refletir não só no foro privado mas no público sobre esse assunto.

Verticalização no bairro da Independência. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
Verticalização no bairro da Independência. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

Foi o tempo em que crescimento urbano era sinônimo de desenvolvimento. Hoje para ser considerado desenvolvimento o processo deve incluir qualidade de vida para a população. E vamos desfolhando: o que significa qualidade de vida? Bem, seguramente não significa ficar preso em apartamentos cada vez menores nem em trânsito cada vez mais difícil, agravado pela construção de prédios que substituem casas. Pois, não se pode esquecer que numa casa há no máximo dois ou três carros e num prédio que ocupa muitas vezes o mesmo espaço são mais de vinte carros, pelo menos. Contas simples, básicas, mas que nem sempre a ganância ou a perspectiva econômica consideram.

Outra conta que parece simples, mas que, por não fechar, suspeito que não seja tão simples. A população da cidade tem aparentemente um crescimento gradual, normal, não intensificado pela criação de fábricas, grandes descobertas que promovam algum tipo de corrida ou aumento populacional acentuado. Assim, há pessoas suficientes para adquirir e/ou morar nos prédios e apartamentos construídos de forma tão rápida e quantitativamente volumosa? Bem, duas considerações que podemos fazer a respeito são: em primeiro lugar, empresários da construção civil não costumam fazer investimentos sem estudos de demandas. E, em segundo lugar, mesmo que a população não tenha crescido de modo exponencial, aspectos sociais, tais como a desagregação de famílias e a independência precoce dos filhos, por exemplo, promovem a multiplicação da necessidade de residências para acomodar esse contingente que antes convivia em casas comuns.

Centro urbano de Taubaté visto a partir da da CIdade de Deus. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
Centro urbano de Taubaté visto a partir da da CIdade de Deus. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

Mesmo no aspecto econômico, o turismo cultural é um setor que cresce atualmente no mundo todo. Em Taubaté não nos restou muitos exemplares arquitetônicos como patrimônio. Não seria o caso de fazer uma avaliação entre o que seria mais rentável para a cidade: investir na construção civil que transforma Taubaté em uma cidade como todas as outras, cheia de prédios homogeneizando sua feição e escondendo ou destruindo seus elementos identitários concretos; ou investir no turismo cultural cada vez mais atrativo? Penso que no mínimo essa deveria ser uma pauta privilegiada das políticas públicas da cidade.

Bem, além disso, o fato é que assim como aconteceu em períodos anteriores em cidades como São Paulo, os habitantes de Taubaté estão ficando espremidos entre os espigões de concreto armado. Voltando à discussão sobre qualidade de vida, que pode parecer um tanto abstrato, há doenças como o stress causado pelo trânsito e pela falta de perspectiva sócio-cultural principalmente, que são atualmente tratadas como pandemias.

Igreja de Santa Terezinha, espremida entre prédios. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
Igreja de Santa Terezinha, espremida entre prédios. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

Eu já refletia sobre isso há algum tempo, e mais ainda agora que a questão chegou literalmente na minha porta, ou melhor, na minha janela. Estão construindo ao lado da minha casa um prédio que está me tirando a vista maravilhosa que eu tinha do Cristo Redentor. Sim, olhar todos os dias pela janela e ter essa vista é qualidade de vida, muito diferente de olhar e ver o vizinho tomar café ou assistindo televisão. E decididamente eu não tenho vocação para voyeur; preferia, muito mais, se tivesse o poder de escolha, a vista do Cristo. E, claro, a rua ficará muito mais movimentada, mais carros, mais motoristas estressados. Também não posso deixar de mencionar que no início dessa construção a fundação do prédio cedeu e desabrigou mais de vinte famílias que moravam nas proximidades. Não fui afetada dessa forma, mas nem consigo avaliar o transtorno na vida dessas famílias e o sofrimento dessas pessoas que tiveram que sair às pressas de suas casas para não serem soterradas. Sim! Aqui em Taubaté! Na esquina! Vemos todos os dias notícias de desabrigados pelas enchentes em lugares remotos do país, em outras cidades, outros estados, mas aqui em Taubaté, do nosso lado isso também está acontecendo.

O Cristo, sendo escondido atrás de prédios que são construídos em todos os lugares da cidade (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
O Cristo, sendo escondido atrás de prédios que são construídos em todos os lugares da cidade (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

Eu não acredito na palavra que não possa ser usada para ajudar as pessoas, para formar cidadãos e para melhorar a qualidade de vida. Por esse motivo resolvi usar esse espaço nessa coluna que me foi oferecida para apresentar minhas reflexões sobre a História ciência, sobre a cultura e sobre a vida para fazer justamente isso: tratar desse assunto que congrega esses elementos.

Edifício Felix Guisard, o famoso prédio da CTI, se esconde atrás de um prédio residencial. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
Edifício Felix Guisard, o famoso prédio da CTI, se esconde atrás de um prédio residencial. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

Dúvida, questão, crise? Sim, essa é uma crise e já está suficientemente instalada para que possamos continuar nos recusando a pelo menos discuti-la. Dúvidas? Sim, tenho dúvidas como munícipe sobre os rumos da nossa cidade. Taubaté não pode perder sua identidade, sua feição construída por tantas gerações, nem sua relação com o Vale, pois, daqui a pouco nem a Serra da Mantiqueira, que nos define como Vale, nós poderemos ver mais. A vista da Serra do Mar já nos foi tirada. O patrimônio arquitetônico representativo do período colonial já foi quase todo perdido. Hoje só nos resta lamentar e lutar para que os prédios que restaram não sejam também destruídos ou escondidos atrás de novas construções, como foi o caso da torre do relógio da CTI que tem agora uma espécie de sombra do prédio que foi construído em sua proximidade. Mas estamos perdendo também, no sentido metafórico, nossa vistado horizonte, ou seja, do futuro de nossa cidade.

 

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Rachel Duarte Abdala é professora de Teoria da História na Universidade de Taubaté

 

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1 Comment

  • Segundo o IBGE em julho de 2013 Taubaté tinha 296.431 habitantes, porém temos uma população flutuante de cerca de 150 mil pessoas, são estudantes, trabalhadores do comércio, industria e serviços que deixam eventualmente a cidade nos finais de semana, vejo isso no prédio onde moro, nos finais de semana grande parte dos moradores retornam as suas cidades de origem, são muitos carros com placas de fora, por essa demanda a construção civil não para.

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