Mulheres e o fogo que forja homens
Grandes homens nascem de grandes mulheres, e muitas delas, forjam no fogo o destino de seus filhos, deste mesmo fogo saem delícias culinárias, preparadas por mulheres com alma de guerreira.
Por Solange Barbosa
Lendo o livro de Maria Morgado de Abreu e Paulo Camilher Florençano, detive-me no capítulo “Relação Parcial de Afamadas Quituteiras”, lendo nomes como Francisca, descrita pela autora como: “Cozinheira preta, bonita, de cabelos “jeitosos”, arrumados em trança, tipo “Margarida-vai-à-fonte”. Usava nas orelhas grandes argolas de ouro, que eram o seu orgulho de mulher que se considerava bonita; porém, sendo viúva, mantinha-se muito correta, não aceitando a constante “corte” de nenhum homem, branco, mulato ou preto. Tinha vários filhos, que sustentava com seu trabalho. Fazia todos os “pratos”, muito bem feitos distinguindo-se a “leitoa pururuca”, e o “lombo com farofa”, acompanhado de couve refogada”.
Pensei em minha avó que trabalhou como cozinheira e em minha mãe, que para nos sustentar quando do encerramento do transporte de passageiros nos trens da Sorocabana, abriu uma pensão para abrigar os “peões da Camargo Correa”, isso lá pelos fins dos anos 60, começo dos anos 70.
Mês de março, mês das mulheres e eu me coloquei a pensar nelas, nas mulheres que se espalham por este imenso país e que retiram do calor do fogo e de seus corações os melhores sabores, que encantam os comensais e alimentam os sonhos de dias melhores para seus filhos.
Resolvi falar um pouquinho de algumas dessas heroínas, pensando em seu anonimato e o quanto, de alguma forma, seus filhos foram famosos e também forjaram a História do Vale do Paraíba.
Felipa construiu a história de seu filho Alfredo Casemiro da Rocha
Contemporânea de Luiza Mahin na Bahia, Felipa: “era cozinheira exímia de forno e fogão, de salgados e doces”. Para custear os estudos de seu filho “botou pensão” para atender estudantes ricos da Faculdade de Medicina da Bahia e ainda fornecia refeições avulsas.
Dr. Alfredo Casemiro da Rocha, nascido na Bahia e formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador, foi médico, político, em 1879 integrou a Câmara Municipal de Cunha, em 1892 foi eleito deputado estadual pelo Partido Republicano, em 1894 elegeu-se deputado federal por São Paulo, em 1924/24 foi ocupou o cargo de prefeito de Cunha, em 1933 foi nomeado prefeito de Cunha.
Luiza Mahin construiu a história de seu filho Luiz Gama
“era quituteira, tinha banca no mercado, vendia quitutes e também aluá”. Quando o filho tinha apenas 10 anos ela teve que fugir da Bahia, pois havia indícios de seu envolvimento na Revolta dos Malês em 1835.
Luiz Gama, o “Orfeu da Carapinha” foi escritor, jornalista e advogado. Em 1878 atuou como advogado em Pindamonhangaba de 13 negros que após libertos por seu dono, foram impedidos de gozar sua liberdade pela viúva. Saiu vitorioso neste processo.
Maria de Oliveira construiu a história de seu filho João Carlos de Oliveira
“era quituteira de mão cheia, atendia as melhores famílias preparando jantares e almoços, além de preparar produtos culinários para seus filhos comercializarem nas ruas da cidade.”
João Carlos de Oliveira (o João do Pulo) foi um dos maiores campeões mundiais no salto triplo, além de grande corredor nos 100 e 200 metros. Seu recorde mundial alcançado em 1975 de 17,89 metros só foi quebrado em 1985. Sua trajetória vitoriosa foi desfeita por um acidente de carro em 1981, que resultou na amputação de sua perna. Formou-se ainda em Educação Física e cumpriu dois mandatos como Deputado Estadual, além de ser Sargento do Exército Brasileiro.
Bibliografia:
Abreu, Maria Morgado de, Florençano, Paulo Camilher – A Culinária Tradicional Valeparaibana – Fundação Nacional do Tropeirismo – Centro Educacional Objetivo – São José dos Campos: JAC Editora, 1992.
Carvalho, Elciene – O Orfeu da Carapinha – Trajetória de Luiz Gama na Imperial Cidade de S.P.- São Paulo: Editora UNICAMP,1999.
Gentile, Paola – Coleção Pequenos Craques “João do Pulo”. – São Paulo: Editora Callis, 2009.
Nogueira, Oracy – Negro Político, Político Negro: A Vida do Doutor Alfredo Casemiro da Rocha, Parlamentar da República Velha. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992.
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Solange Barbosa é técnica em turismo e especialista em turismo cultural de base comunitária. Criadora do projeto Rota da Liberdade e consultora da UNESCO no projeto Rota do Escravo. É intermediadora cultural e consultora em assuntos culturais da população negra de Taubaté e região.
3 Comments
Dia 25 de julho é dia da Mulher AfroBrasileira, minha homenagem a estas mulheres que forjaram estes grandes homens.
Parabéns pela matéria e pela homenagem ao Dr. Alfredo Casemiro da Rocha! Eu me chamo Luana e sou da cidade de Cunha, e por coincidência namoro um dos bisnetos do Dr. Alfredo. Irei mostrar para a sua família a linda homenagem feita à ele. Obrigada pelo reconhecimento de parte de extrema importância da cidade de Cunha.
Sou de Taubaté e sou bisneta do Dr Casemiro da Rocha adorei a homenagem a minha tataravó gostaria de mais informações sobreo livro.
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