Jeca Tatu – três em um
A culinária Valeparaibana é marcada por tipos humanos que sobrevivem ao tempo: bandeirantes que demarcam sua passagem fundando freguesias que depois viram cidades, tropeiros que carregam riquezas nos lombos dos burros, caipiras que saem da roça para os festejos de santos na cidade, barões do café que vivem entre os costumes antigos e a modernidade, filhos de fazendeiros que trazem da Europa refinamentos na arte de vestir e de se alimentar, imigrantes que trazem para a nova terra seus sabores. Todos parecem fundir-se em um só,sendo que um bom exemplo desta fusão é o personagem criado por Monteiro Lobato: JECA TATU, o escritor misturou a lembrança de um matuto agachado na beira de uma estrada com o neto de uma conhecida, o Jeca, acrescentou a falta de instrução e lerdeza dos agregados de suas terras, relembrou a estória sobre um tatu que seu capataz contou, atribuiu a este matuto a figura de um país pobre e abandonado e criou um dos grandes anti-heróis da literatura brasileira.
Veio então o cineasta Amácio Mazzaropi e levou o Jeca para o cinema, revelou um caipira dolente, cantador de modas de saudade, mostrou-o simples e ao mesmo tempo astuto, um caipira que fingia fazer o jogo do poder, mas que por fim acabava por fazer valer sua opinião. No personagem do Jeca Tatu misturam-se três personalidades: a de Monteiro Lobato, filho da aristocracia cafeeira do Vale, homem requintado, de personalidade combativa, observador e crítico da realidade brasileira; Jeca Tatu, o caipira, o homem simples do interior paulista, pobre e simples,dominado pela aristocracia cafeeira da qual Lobato fazia parte e Amácio Mazzaropi, descendente de imigrantes italianos, nascido na capital paulista, que elegeu Taubaté como meca de suas produções cinematográficas, mas que antes de tornar-se o Grande Mazza, apresentava-se na estação de Trem de Tremembé, ramal desviado a pedido dos Monges Trapistas para escoar a produção de arroz nos idos de 1914, Monges que provaram a Lobato, através de seu amor pelo homem que da terra, que “O Jeca não era assim, ele estava assim, por força do descaso das elites brasileiras”.
Ao falarmos em culinária caipira, veremos que sobrevive aí a força do “popular”, porque popular foi Monteiro Lobato com sua literatura e sua luta para mudar o estado das coisas no Brasil; popular foi Amácio Mazzaropi ao levar o povo para a tela do cinema e popular foi o Jeca ao deixar de ser matuto e ficar esperto com o poder do “Biotônico Fontoura”.E por conta deste momento caipira, nada melhor que lembrar de uma música que adoro:
Franguinho na Panela, cantada pela dupla Lourenço e Lourival:
No recanto onde moro é uma linda passarela, o carijó canta cedo, bem pertinho da janela
Eu levanto quando bate o sininho da capela, e lá vou eu pro roçado, tenho Deus de sentinela
Têm dia que meu almoço é um pão com mortadela, mais lá no meu ranchinho a mulher e os filhinhos tem franguinho na panela
Eu tenho um burrinho preto bão de arado e bão de sela, pro leitinho das crianças, a vaquinha
Cinderela, galinha dá no terreiro, papagaio tagarela
Eu ando de qualquer jeito, de butina ou de chinela , se na roça a fome aperta, vou apertando a fivela
Mais lá no meu ranchinho a mulher e os filhinhos, tem franguinho na panela
Quando eu fico sem serviço a tristeza me atropela eu pego uns bico pra fora, deixo cedo a corruptela
Eu levo meu viradinho é um fundinho de tigela, é só farinha com ovo, mas da gema bem amarela, é esse o meu almoço, que desce seco na goela
Mais lá no meu ranchinho a mulher e os filhinhos, tem franguinho na panela
Minha mulher é um doce diz que sou o doce dela, ela faz tudo pra mim, e tudo que eu faço é pra ela
Não vestimos lã nem linho é no algodão e na flanela, é assim a nossa vida, que levamos na cautela, se eu morrer Deus dá um jeito, mais a vida é muito bela
Não vai faltar no ranchinho pra mulher e os filhinhos o franguinho na panela.
Composição: Moacyr Dos Santos e Paraiso
E aí tenho que falar que além de gostar muito da música, o que gosto mesmo é de preparar o tal do franguinho na panela.
Não estamos na roça, então o melhor é ir até o Mercado Municipal e comprar um franguinho bem fresquinho, picar e temperar com muito alho e vinagre.
Segredos:
Panela de ferro, não tem melhor, caçarola grande, espaçosa, para o frango não ficar “atulhado”;
Aquela corzinha dourada? Uma colherinha de açúcar, deixe queimar no óleo até ficar com cor de caramelo e coloque o frango. Ahhh, o óleo deve estar bem quente.
Fogo baixo, sabe como é panela de ferro, se o fogo for muito alto, teremos “franguinho na panela torrado”
Fritou de um lado, vire, deixe fritar do outro e vá pingando água, aos poucos, para deixar o frango bem molinho.
Sabe o tempero de vinagre e alho onde o frango esteve marinando? Pique cebola, da forma que achar melhor: em cubos, rodelas ou gomos, acrescente muito cheiro verde fresquinho picado (salsinha, cebolinha, manjerona), acrescente ao frango, pingue mais um pouquinho de água e deixe cozinhar até ficarem bem molinhos.
Depois é só servir com um arroz bem branquinho e um feijão com caldo grosso.
Bom apetite.
Ah!!! Aquele molho maravilhoso que vai sobrar pode ser utilizado para se fazer uma deliciosa farofa com farinha de mandioca crua grossa.
Solange Barbosa
2 Comments
meu sogro um tropeiro um avô sapateiro o outro carteiro minhas avós costureiras e eu um engenheiro mas o que mais gostei ser um cozinheiro desta culinária VALE PARAIBANA que como meu avô Chico Vieira dizia não se case com mulher que não use COENTRO AFAVACA eMANJERONA nos TEMPEROS.
Sábio conselho do avô Chico Vieira…
Comments are closed.