PINDAMONHANGABA NOS TEMPOS DE VILLA

 PINDAMONHANGABA NOS TEMPOS DE VILLA

Dando continuidade ao texto de 15 dias atrás, resolvi contar uma das histórias que se caracteriza como História dos Marginais.

Várias pessoas pensam que na Pindamonhangaba de 1838, quando ainda era chamada de Villa – grafada dessa forma mesmo, com dois “L”-, tudo era mais belo e cortês. Pensamos na dificuldade em se estudar, mas ao mesmo tempo, fazemos a irresistível associação dos tempos passados a uma época, por assim dizer, mais civilizada.

Fragmento do processo. Acervo DMPAH. Clique para ampliar.

No dia 23 de daquele ano, Pedro José da Fonceca de 53 anos, um sargento reformado, e Ivo José de Alvarenga, de 32 anos, que vivia de seu trabalho de carapina – ou seja, trabalhava com carpintaria-, estavam sentados, depois das ave-marias (cerca de oito horas da noite), conversando.

Depois de certo momento, dois cavalheiros, que vinham a pé, pararam para pedir informação ao sargento reformado. Os dois vestidos tipicamente “à paulista”, trajados de poncho escuro. O historiador Sérgio Buarque de Holanda, já tinha observado que na forma paulista de se vestir, era o comum o uso de capas, subdividindo-se em ponchos e capotões de lã com gola alta. Ainda de acordo com Holanda, esta indumentária era utilizada pelo próprio príncipe D. Pedro quando desejava sair disfarçado.

Paulista, de Thomas Ender. Gravura de 1821

Estes dois homens tinham interesse em saber onde morava Antônio Piolho (forma como conheciam Antônio Lopes Pereira). Dada a informação, Ivo comentou que pôde ouvir um dos moços que, transformado em vulto, devido a iluminação da cidade e o traje que vestia, disse a Antônio Lopes que abrisse a porta, pois ele era o moço do sal (vendedor de sal) e tinha algo a lhe falar. Curioso, Antônio abriu a porta. Um dos homens entrou enquanto o outro permaneceu do lado de fora. Ivo Alvarenga contou que nada pôde ver, mas conseguiu ouvir som de tiros.

Fragmento do processo. Acervo DMPAH. Clique para ampliar.

Imediatamente, o sargento e o carapina correram em direção aos disparos, lá chegando viram as marcas das buchas da arma de fogo e Antônio Piolho ferido.

Os vizinhos ficaram assustados com o barulho e saíram de suas casas para ver o que estava acontecendo. Alguns deles relataram que viram vultos correndo e que pelo porte e traje, um deles só poderia ser Joaquim Alves de Toledo.

Não tendo outro assunto na cidade, todos comentavam o ato cometido por Toledo. Mais do que isso, José Francisco de Almeida comentou que ouviu do próprio Toledo que o pior era não ter conseguido matar Antônio Piolho, notícia que logo se espalhou pela Vila e estava nos assuntos de todas as conversas.

Apurado o caso pelo Juiz José Rumeiro de Oliveira Godoy, Joaquim Alves de Toledo foi condenado à prisão.

Ao longo do Processo Crime que foi gerado pela tentativa de Toledo assassinar Antônio Piolho, foram descritos detalhes sobre o cotidiano destas pessoas como suas profissões: além das já citadas, apareceram o dono de uma venda, um chapeleiro e uma mulher que declarou ser dependente de seu marido (leitor, lembre-se, por favor, das limitações enfrentadas pelas mulheres nesse período).

Por meio de um fragmento do cotidiano dos pindenses, portanto, podemos conhecer melhor o Vale do Paraíba e reconhecer as permanências e rupturas da região, assim como, os traços mais marcantes em nossa cultura.

 

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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.

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