1878: viagem expressa pelos trilhos do trem
Capítulo 7 da história de D. Pedro II no Vale do Paraíba
Texto de Glauco Santos
Alguns importantes trabalhos e historiadores da região colocam a data da primeira visita oficial de d. Pedro II às cidades do Vale do Paraíba paulista como 1876. Assim é o caso da historiadora Maria Morgado de Abreu “Taubaté: de Núcleo Irradiador de Bandeirismo a Centro Industrial e Universitário do Vale do Paraíba” (1985) e também de José Bernardo Ortiz “Velhos Troncos” (1996). É muito provável que ambos se basearam no extenso artigo de Felix Guisard Filho, publicado no jornal Correio do Vale do Paraíba (28 de dezembro de 1945, p. 5), que em comemoração ao tricentenário da cidade de Taubaté, escrevia relatando como ocorreu a visita de d. Pedro II a Taubaté em 1886: “o Imperador d. Pedro II e família três viagens oficias fizeram à província de S. Paulo, em 1846, em 1876 e 1886” (Correio do Vale do Paraíba, 28 de dezembro de 1945, p. 5). A confusão das datas pode ter sido gerada por erro de datilografia, o que é pouco provável, já que outros historiadores e jornalistas contemporâneos à Guisard também cometeram o mesmo equívoco. Certamente todos esses historiadores creditaram aos meses finais de 1876 a primeira visita oficial do Imperador ao Vale do Paraíba, pois foi o ano em que a Estrada de Ferro São Paulo e Rio entrou em funcionamento. Por conclusão lógica, acreditaram que essa visita de d. Pedro II, conhecidamente usada para inaugurar as estações ferroviárias até São Paulo, só poderia ter acontecido no ano em que os trens começaram a circular pela região. Há aí dois equívocos que logo são resolvidos. Seria fisicamente impossível d. Pedro II e sua esposa, a Imperatriz Thereza Cristina, estarem presentes em quaisquer das cidades valeparaibanas, pois em abril de 1876 partiram rumo aos Estados Unidos da América para participarem da Exposição Universal da Filadélfia, com extensão ao Canadá, Europa e Ásia. O retorno do Imperador só aconteceria em 26 de setembro de 1877.
O segundo ponto de esclarecimento que derruba a data de 1876 estabelecida até então, é o fato da inauguração oficial das estações de trem no Vale do Paraíba ter ocorrido somente em julho de 1877, com a presença do Conde d’Eu em representação à figura do monarca que ainda encontrava-se em viagem; d. Pedro II desembarcava em 7 de julho de 1877 em Belfast na Irlanda, de onde seguiria para a Inglaterra, episódio ainda pouco conhecido pelos historiadores.
1878 era ano de eleições nas diversas municipalidades do Império e os republicanos começavam a tomar corpo com a vitória de alguns candidatos. A prova de que os republicanos já incomodavam muitos setores da política está no jornal Gazeta de Taubaté (11 de agosto de 1878, p. 2) que relata: “a força pública de Jacarehy tomou o largo da Matriz, fez exercício de fogo, debandou o povo e tomou o paço municipal. Ouviam-se gritos de morram os republicanos!” e complementa mais à frente “os republicanos venceram nas Araras. Os republicanos e os conservadores na Limeira”. O poder da monarquia começava a ser questionado não somente pelos primeiros republicanos, mas também pelos mais radicais do Partido Liberal. O fim da Guerra do Paraguai trouxe desgaste à imagem do monarca perante setores da sociedade como o Exército e os cafeicultores do país, principalmente os escravocratas do Vale do Paraíba. Se em 1846, na primeira visita à província de São Paulo, d. Pedro II não viu importância em passar pelas cidades do Vale paulista, o mesmo não ocorreu na segunda metade do seu reinado (1865 – 1889). Na primeira metade, o Vale do Paraíba paulista não recebeu se quer uma visita de qualquer um dos representantes da família Imperial. Já na segunda metade, foram quatro as visitas oficiais, sem contar as tantas visitas particulares de d. Pedro II, da Princesa Isabel e do Conde d’Eu realizadas pelos mais diversos motivos. Os tempos haviam mudado.
Sabendo da importância que a presença de sua figura iria causar nas elites valeparaibanas é que d. Pedro II refez o caminho percorrido pelo seu genro um ano antes, “inaugurando” novamente cada estação de trem das cidades da região. Sua viagem tinha como destino a capital da província de São Paulo, além de uma rápida visita às prósperas cidades da região de Campinas. O jornal da capital Correio Paulistano (8 de setembro de 1878, p. 2) noticiou os planos do Imperador: “informam-nos que SS.MM. partem da corte no dia 10, devendo sair da Cachoeira à 1 hora e 30 minutos da tarde para Guaratinguetá, donde depois de alguma demora seguirão para Pindamonhangaba, e ali pernoitando; e que no dia seguinte partirão desta cidade, depois do almoço, com destino a esta capital”. Como é possível perceber, tratava-se de uma viagem expressa, com pequeno espaço para as cerimônias pomposas e para os encontros demorados com os políticos locais – agradando ao Imperador que já estava cansado desse tipo de ritual pomposo e bajulador.
Nos próximos artigos da série “Os passos do Imperador” contaremos como foi esta primeira e rápida passagem pelo Vale do Paraíba, que deixou marcas existentes até hoje na história de nossas cidades.
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Referências bibliográficas
ABREU, Maria Morgado de. Taubaté: de Núcleo Irradiador de Bandeirismo a Centro Industrial e Universitário do Vale do Paraíba. Aparecida: Ed. Santuário, 1985.
ORTIZ, José Bernardo. Velhos troncos. Taubaté: PMT, 1996.
Correio do Vale do Paraíba, Taubaté, 28 de dezembro de 1945.
Correio Paulistano, São Paulo, 8 de setembro de 1878.
Gazeta de Taubaté, 11 de agosto de 1878.
[box style=’info’] Glauco de Souza Santos
É graduado pela Universidade de Taubaté, Mestrando em História Social pela Universidade de Campinas. Trabalha como Professor de História em São José dos Campos – SP.
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Veja também:
– 1868: uma Princesa em Taubaté;
– As viagens de d. Pedro II ao Vale do Paraíba;
– 1868: uma Princesa devota – chegada ao Vale;
– 1868: uma Princesa devota, uma Santa e um ex-escravo;
– 1868: uma Princesa devota, uma Santa e um guarda nacional;
– 1868: um bosque para uma Princesa;
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1 Comment
Interessante e esclarecedor.
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