1886: o último espetáculo do Imperador e o Livro de Ouro
Capítulo 14 sobre a passagem de D. Pedro II pelo Vale do Paraíba
Texto de Glauco Santos
Voltando à cidade, a família Imperial visitou a Câmara Municipal, onde demoraram bastante tempo por causa das indagações do Imperador. D. Pedro II pediu aos vereadores que mostrassem os padrões de pesos e medidas, comumente presente nas Câmaras daquela época, pois eram elas as responsáveis por certificar a unidade dos padrões métricos da localidade. Apresentados os padrões, o monarca “notou que eles estavam muito enferrujados e disse que esse fato causava-lhe desagradável impressão” (Correio Paulistano, 20 de outubro de 1886, p. 2). Após essa saia-justa, o presidente da Câmara se comprometeu a tomar as medidas necessárias.
Mesmo pegos de surpresa nesta ocasião, os vereadores também haviam preparado um evento que marcaria a história da cidade de Lorena. Seguindo o que já havia virado prática nas cidades do Vale do Paraíba fluminense, os vereadores lorenenses criaram um “Livro de Ouro”, destinado a colher assinaturas e recursos financeiros para a libertação dos escravos da cidade (EVANGELISTA, 1978, p. 173). O Livro deveria ser aberto com a assinatura de Sua Majestade Imperial e realmente o foi, como está na foto abaixo.
A ata da Câmara de Lorena traz o texto de criação do Livro de Ouro:
Indico que esta Câmara, a exemplo das Municipalidades da Corte, São Paulo e outros lugares resolva sobre a criação d’um Livro de Ouro, no qual assinará todos os cidadãos amantes da liberdade que queiram concesser (sic) para a manumissão de tantos escravos quantos possam admitir as forças das assinaturas (…) devendo esse livro ser inaugurado com a assinatura de Sua Majestade o Imperador, quando nesta Cidade estiver (Ata da Câmara de Lorena, 16 de setembro de 1886).
No livro encontram-se as três páginas de assinaturas, sendo grande parte de pessoas que estiveram na comitiva Imperial naquele ano. Seguindo o exemplo do Imperador, os principais nomes daquela viagem não só assinaram o livro como deixaram sua contribuição financeira para a libertação de alguns escravos de Lorena. D. Pedro II doou 500 mil réis, o conselheiro Antônio da Silva Prado deixou 100 mil réis, o Barão de Parnahyba, 50 mil réis e o Visconde de Paranaguá, 20 mil réis, somando-se ao todo cerca de 670 mil réis (Ata da Câmara de Lorena, 15 de outubro de 1886). O Livro de Ouro cumpriu sua missão política de colocar Lorena no rol das cidades que conseguiram a assinatura e o donativo do Imperador para a questão da libertação dos escravos. Porém, o que leva a crer que esse livro era apenas jogo político é o fato de nenhuma doação a mais ter sido feita após a visita de d. Pedro II e também de seis meses depois o dinheiro arrecadado ainda não ter sido utilizado para o seu fim, forçando a Câmara lorenense a exigir sua devida aplicação: “e tendo esta Câmara um Livro de Ouro, seja este tributo exclusivamente aplicado para o fim indicado no mesmo livro” (Ata da Câmara de Lorena, 22 de abril de 1887).
O casal Imperial visitaram também a cadeia e o cemitério, onde o Imperador fez questão de descer ao subterrâneo para visitar o túmulo da Viscondessa de Castro Lima. Antes de sair comentou quão bela é a paisagem em frente ao cemitério (Correio Paulistano, 20 de outubro de 1886, p.2). Já eram 4h30 da tarde e a família Imperial regressou ao palacete do Visconde de Moreira Lima, onde ficaram hospedados. O restante da larga comitiva, incluindo o pintor Almeida Júnior, pernoitaram na casa do comendador Francisco de Paula Vicente Azevedo (Correio Paulistano, 19 de outubro de 1886, p. 2).
Às 6 horas foi servido um suntuoso banquete na residência do Visconde, onde se assentaram à mesa mais de trinta pessoas. O jornal Correio Paulistano (20 de outubro de 1886, p. 2) descreveu que o titular “soube aliar ao luxo o mais fino bom gosto na ornamentação da sua suntuosa vivenda”. O menu entregue aos convidados fora impresso em cartões com belíssimas gravuras e constava uma variedade das comidas e bebidas mais apreciadas na época. Antes de iniciar o jantar, o conselheiro Antônio Prado levantou um brinde a família Vicente de Azevedo, que representada pelo dr. Pedro Vicente também saudou o ministro da agricultura e assim iniciou uma série de 22 brindes consecutivos, sendo dirigidos a pessoas ali presentes, políticos, até à imprensa e ao povo paulista. A longa série de brindes terminou quando o mesmo dr. Pedro Vicente levantou o brinde de honra à família Imperial. Durante todo o banquete, em um coreto especialmente armado em frente à casa, uma banda de música executava trechos musicais (Correio Paulistano, 20 de outubro de 1886, p.2). Às 7h30, d. Pedro II e d. Thereza Cristina foram assistir a um Te-Deum na igreja de São Benedito, retornando pelas ruas bem iluminadas às 8 horas para recepcionar a elite local. Durante a recepção, a Câmara Municipal foi em corporação entregar as duas cartas de alforria que haviam sido financiadas com dinheiro arrecadado pela comissão criada um mês antes. O Imperador então entregou as cartas a duas escravas escolhidas pela comissão da Câmara, segundo relato na ata da Câmara de 24 de outubro de 1886: “à vista do cabal desempenho, que deu a comissão nomeada pela Câmara, à tarefa que lhe foi conferida, não só promovendo a libertação de duas escravas cujas cartas foram entregues pelo nosso Augusto Soberano, que se declarou lisonjeiro pelo modo porque a Câmara solenizou sua honrosa visita a esta Cidade”.
D. Pedro II deixava sua marca na cidade de Lorena, brindando com doações e cartas de alforria a escravos escolhidos a dedo pela elite lorenense; esta elite que tentava figurar-se como abolicionista ao mesmo tempo em que tramava a queda da monarquia.
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Referências bibliográficas
EVANGELISTA, J. G. Lorena no século XIX. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978.
Correio Paulistano, São Paulo, 19 de outubro de 1886.
Correio Paulistano, São Paulo, 20 de outubro de 1886.
Ata da Câmara de Lorena, 16 de setembro de 1886.
Ata da Câmara de Lorena, 15 de outubro de 1886.
Ata da Câmara de Lorena, 24 de outubro de 1886.
Ata da Câmara de Lorena, 22 de abril de 1887.
[box style=’info’] Glauco de Souza Santos
É graduado pela Universidade de Taubaté, Mestrando em História Social pela Universidade de Campinas. Trabalha como Professor de História em São José dos Campos – SP.
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