1868: uma Princesa devota – chegada ao Vale

 1868: uma Princesa devota – chegada ao Vale
Texto de Glauco Santos

D. Pedro II em 1846, na sua primeira e tão esperada visita pela província de São Paulo não passou por nenhuma cidade do Vale do Paraíba. Após exaustiva viagem pela região de Jundiaí, Campinas e Itú e pelas províncias do sul, havia a possibilidade de d. Pedro II voltar por terra, passando por todo o Vale do Paraíba. Talvez daí tenha surgido a expectativa de Bananal em receber o monarca.

Um ano antes, em 1845, após receber a notícia de que o Imperador estava planejando a sua primeira viagem para São Paulo, a Câmara Municipal de Bananal, ciente de sua importância econômica no cenário nacional, não titubeou e mobilizou os proprietários que enviassem seus escravos para consertarem as estradas da cidade. Além disso, organizou uma comissão responsável por criar um programa da visita do Imperador, destinou recursos financeiros para a realização de um Te-Deum na igreja matriz, para os festejos e para as reformas necessárias nas ruas e praças, com a instalação de dois arcos iluminados, além da orientação de que todos os cidadãos enfeitassem suas casas (RAMOS, 1975, p. 141-144). Todos estavam ansiosos com a possibilidade de receber tão ilustre viajante. Mas, após exaustiva viagem, os planos foram outros e a comitiva Imperial deixou São Paulo rumo ao porto de Santos, deixando Bananal a ver navios.

Somente nos finais de 1868, o Vale do Paraíba paulista seria presenteado com a ilustre presença oficial de um membro da família Imperial. Se antes da Guerra do Paraguai, d. Pedro II não via necessidade de pomposas cerimônias na região do Vale do Paraíba visando legitimar seu poder, após o início do conflito sua presença tornou-se obrigatória nas cidades valeparaibanas. O cenário político havia mudado. Os poderosos cafeicultores, que outrora viam na figura do monarca um símbolo da unidade necessária ao país, agora o enxergavam mais como um entrave, uma pedra no sapato, alguém que começava a tentar atrapalhar suas pretensões econômicas com questões a respeito da abolição da escravidão, amplamente discutidas ao longo da guerra. Vale lembrar que logo em 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre, motivo gerador de tensões entre a Coroa e as esferas de poder local. “Reagindo contra o fulcro do projeto, a libertação dos nascituros, acusavam-no [o Imperador] de violar o direito de propriedade” (QUEIROZ, 1981, p. 64).

Princesa Isabel e Conde d’Eu no dia do casamento

Por esta quebra no equilíbrio entre cafeicultores e a Coroa, fez-se necessário que a Princesa Isabel e seu recém-esposo Conde d’Eu organizassem uma estratégica visita à Província de São Paulo, parando para prestigiar os barões valeparaibanos. Os príncipes haviam excursado em Minas Gerais para fazer uso das águas termais, famosas à época para usos medicinais. O roteiro passava pelas principais cidades do Vale do Paraíba paulista rumo à capital da província de São Paulo. Porém, a viagem dos príncipes teve que sofrer uma redução. O Conde d’Eu havia sido chamado por d. Pedro II para assumir as tropas do Brasil na Guerra do Paraguai e, por isto, deveria abandonar os planos de estender a viagem até a capital. “[…] Por intermédio do Visconde de Guaratinguetá, os príncipes comunicaram-lhe desistir de viajar à capital, transferindo a estada em S. Paulo para o ano de 1869, o que, aliás, não se concretizou” (MOURA, 2002, p. 118).

Lorena era a porta de entrada para os viajantes que vinham das Minas Gerais, pela estrada que liga até hoje Itajubá à Lorena. Após longa viagem, os príncipes chegaram à Lorena no dia 5 de dezembro e logo “sendo encontrados por mais de cento e sessenta cavaleiros” (Correio Paulistano, 23 de dezembro de 1868, p. 2) no local conhecido como fazenda do Campinho, onde assistiram à missa e foram recebidos com festividades.

A comissão responsável por esta recepção foi nomeada pela Câmara e tinha a missão de “promover e dirigir os festejos na cidade, a fim de que seja a recepção a mais suntuosa possível” (1868 apud EVANGELISTA, 1978, p. 131). Todos os preparativos foram realizados na cidade, desde reparos nas ruas, até a instalação de arcos com flores e fitas, além da tradicional decoração das portas e janelas das casas da cidade. A hospedagem dos príncipes ficou a cargo do então comendador Antônio Moreira de Castro Lima, homem mais influente na cidade de Lorena à época e chefe do partido liberal.

Família do Barão Castro Lima em 1875. (MOTA SOBRINHO, 1967, p89)

Na casa do comendador os príncipes jantaram, quando Castro Lima solicitou autorização para que mudasse os nomes da rua e travessa do Comércio para Princesa Imperial e Conde d’Eu, respectivamente. Fenômeno parecido é observado nos demais municípios por onde os príncipes ou o Imperador passaram.

Para abrilhantar ainda mais a recepção preparada pelo comendador Castro Lima, contratou-se a companhia lírica de Carlotta Augusta Candiani, de enorme sucesso na Corte. “O cel. José Vicente de Azevedo havia feito vir de S. Paulo, a cavalo e em carros de boi, a artista ilustre e toda a sua lírica companhia” (RODRIGUES, 1942, p. 16). A récita de Candiani foi apresentada em um espetáculo de gala no pequeno teatro local, onde a elite lorenense esteve presente.

De Lorena, a Princesa Isabel levou as lembranças da boa recepção e hospedagem proporcionadas pela incansável família Moreira de Castro Lima. No dia 7, logo pela manhã o casal de príncipes partiu para Guaratinguetá, onde a Princesa se tornaria devota de Nossa Senhora Aparecida.

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Referências bibliográficas

EVANGELISTA, J. G. Lorena no século XIX. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978.

MOURA, C. E. M. O Visconde de Guaratinguetá: Um Titular do Café no Vale do Paraíba. São Paulo: Studio Nobel, 2002.

QUEIROZ, S. R. R. A abolição da escravidão. São Paulo: Brasiliense, 1981.

RAMOS, A. Pequena história de Bananal. São Paulo: Sangirardi, 1975.

RODRIGUES, Gama. O Conde de Moreira Lima. São Paulo: IGB, 1942.

Correio Paulistano, 23 de dezembro de 1868.

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[box style=’info’] Glauco de Souza Santos

glauco
É graduado pela Universidade de Taubaté, Mestrando em História Social pela Universidade de Campinas. Trabalha como Professor de História em São José dos Campos – SP.

 

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1 Comment

  • Glauco

    Bom dia.
    Outra vez você cobre de orgulho os paraibanos!
    Continue a nos dar os ótimos frutos de seu estudo e dedicação.

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