Texto de José Carlos Sebe publicado na edição 722 do Jornal Contato
Gosto de pensar que estou envelhecendo. A passos largos, sinto o tempo ficando detrás de meu horizonte vivencial. Tudo vira passado com rapidez assustadora. Pessoas caras adoecem, morrem, mudam, e se vão. O contorno das histórias vai dando forma a casos que deixam lições, perplexidades e muita saudade. Olhar para o passado, porém é também um pouco pensar o futuro: e então, o que nos resta? Sou daqueles que acham que o lucro é visível, desde que adentro a média etária dos brasileiros. Nossa expectativa de vida aumentou 25,4 anos entre 1960 e 2010, e a idade média de vida dos nacionais passou de 48 anos para 73 anos. Tais informações que constam do relatório final do Censo 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), garantem que daqui pra frente contribuo para a ampliação do quadro estatístico, mas isto é pouco, pouquíssimo, aliás.
Resolvi que devo celebrar a vida no que me resta, porém não de uma forma contemplativa, sem opções, cansado. Pelo contrário, quero viver bem e atuante. O problema é que além de ter boa saúde, precisamos de projetos e nem sempre tais demandas são satisfeitas na solidão individual. Recordo-me com vibrante força a frase de John Donne “nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. Hemingway aproveitou tal citação para colocar como epígrafe do fabuloso livro “Por quem os sinos dobram”, título que, diga-se, convida a voltar ao tema da esperança dos que continuam lutando.
Dando um balanço no panorama que nos cerca vejo que ser otimista mais parece um desafio do que um convite, mas, mesmo assim não quero e nem vou renunciar a ele. Então é preciso reinventar a esperança. Mas como, pergunto-me, na medida em que sou parte de um todo naufragado em amargas realidades. Como ter esperanças olhando as intermináveis filas de imigrantes que se locomovem de espaços malditos por guerras e não tem acolhida em terras outrora colonizadoras? Como resistir vendo índios sendo expulsos de suas terras, garimpeiros derrubando florestas, negros tendo que lutar contra discriminação em nossa decantada cultura de tolerância? As mulheres espancadas por homens apontam para a depressão e fora daqui, como aceitar o terrorismo com dimensões tão trágicas como o ocorrido recentemente em Paris? Que dizer da foto do pai do menino Aylan morto na praia depois de uma travessia desgraçada? E como arrancar da memória o desastre ecológico de Mariana em Minas? Vou poupar os caros leitores de comentários sobre corrupção e escândalos políticos, mas não tenho como deixar de lado, frente este inventário doloroso o tema da esperança.
Mesmo sem ser muito bíblico, sempre que penso no dilema apontado por São Paulo na Carta aos Corinthos. Ao dissertar sobre as três maiores virtudes elegeu o amor como a maior, a fé seria condição para amar, mas a esperança teria que ser conquistada. Tudo conspira contra a esperança, principalmente o tempo que nos coloca a perspectiva do fim, da derrota, do temor. É preciso que nos eduquemos para não deixar a esperança morrer. Como se fosse uma das três graças, junto do amor – e é preciso renovar o amor, sempre – temos que manter a fé e reaprender ter sonhos, apesar de tudo e de muitos. É aí que entra a idade. Envelhecer com projetos é dar cores ao futuro e só com o balanço dos anos podemos dar sustentos a tudo que há de vir. Minha bússola é o rumo da esperança que, se é a última que morre, morrerá comigo. Interessante pensar isto nos dias de meu aniversário.
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