“Na gafieira/Segue o baile calmamente/Com muita gente dando volta no salão/Tudo vai bem/ Mas, eis, porém que de repente/Um pé subiu/E alguém de cara foi ao chão...”
(Texto de Paulo de Tarso publicado no jornal Contato 676)
No aquecimento para os bailes carnavalescos era onde residia o perigo. Pelo menos nos idos do início dos anos 1960. Minha turma se intitulava SA 211 porque se reunia na rua Dr Souza Alves 211, em frente à casa dos pais dos Antico – Toninho, Anete e Pinduca. Mas o aquecimento acontecia na casa de quem cujos pais estivessem viajando.
Uma fantasia qualquer – a do índio boliviano com colete, peruca com trança e charuto era a mais usada – era o suficiente. Porém, desde que devidamente acompanhada de lança perfume Rodouro metálico, um litro de rum e bolinhas (diferentes excitantes, tipo Pervitin, que se usava para tirar o sono ao estudar à noite). Detalhe técnico: essas anfetaminas são drogas estimulantes da atividade do sistema nervoso central, isto é, fazem o cérebro trabalhar mais depressa, deixando as pessoas mais acesas e elétricas etc. Bingo! Era exatamente o que a gente queria e precisava.
Os resultados comprovam a eficiência dessa tática: por vários anos nossa turma foi eleita a mais animada nos bailes do TCC e Paulinho Major eleito, seguidamente, o folião do ano. Eu mesmo, depois encerrado o baile por volta das 4 horas da matina, consegui segurar a festa por quase uma hora só com um atabaque de madeira. Haja animação! Finda a noite, começava um outro ritual: comer bastante e beber um litro de leite para desintoxicar Era o que dizia a lenda. Bobagem pura! Mas a gente não só acreditava como seguia a orientação,não se sabe de quem.
Voltando ao aquecimento, ele começava por volta das 22h:00. Duas horas depois de beber pelo menos meio litro de rum com Coca Cola, o famoso Cuba Libre, cheirar um tantão de lança e engolir algumas bolinhas, a tropa seguia para o salão nobre do TCC antes do baile ser transferido para o ginásio esportivo. A banda Santa Cecília animava o baile. Era outro importante componente. Comandada por Joaquim Meirelles – pai do Flávio “Pistola”, padre Fred, Joca, Felício – a banda segurava todas.
Sempre me lembro do seu Joaquim quando eu cantava ou ouvia o samba “Pistom de Gafieira”, de Billy Blanco, que começava com “Na gafieira segue o baile calmamente…”, passa por “quem está fora não entra e quem tá dentro não sai” e termina com “E nessa altura, como parte da rotina, o pistom tira a surdina e põe as coisas no lugar”. Embora baixinho, Joaquim se impunha – começava, animava e terminava sempre com a pista cheia. Um fenômeno! Depois de um sono reparador, a gente retornava por volta das 15h:00 para acompanhar a matinê. Era o pré-aquecimento. Afinal, muitas de nossas paqueras ainda não tinham idade – 15 anos – para dançar no baile noturno. Eu me lembro como se fosse hoje de um episódio curioso.
A gente estava no Grill, era assim que era conhecidaa parte térrea do salão nobre do TCC. Eu tinha uma “rodometálico” cheinho (até 1961 o uso e porte de lança perfume não eram proibidos e era usado para espirrar um líquido geladinho nas moças que mais chamavam nossa atenção. Naquele mesmo ano o presidente Jânio Quadros tomou a “genial” decisão de proibi-lo). Voltando, em pé na parte externa do Grill, de frente para a piscina, comecei a cheirar lança perfume. Creio que abusei porque, de repente, passei a ouvir um bin, bin, bin ensurdecedor. Devo ter apagado. Quando voltei – o efeito é muito rápido – estava no meio de um grupo de pessoas mais velhas, inclusive o presidente do Club. Fui levado para a sala da diretoria, ouvi os maiores sermões, confiscaram meu frasco de lança perfume e ouvi uma ameaça que, felizmente, nunca se concretizou: na próxima vez eu seria suspenso. Não foi daquela vez.
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