Pancadaria no funeral de Monteiro Lobato
Trotiskistas e Stalinistas saem no tapa a beira da sepultura do criador da Emília
Na madrugada de 4 de julho de 1948 morria em São Paulo, vitimado por um derrame, o escritor taubateano Monteiro Lobato.
A notícia chocou o Brasil. No dia seguinte, as ruas do entorno do cemitério da Consolação onde o corpo de Lobato foi sepultado tiveram o trânsito interrompido tamanha era a massa humana que acompanhou o caixão do escritor até o túmulo. Alguns garantem que compareceram no funeral 200 mil pessoas.
Uma comissão enviada de Taubaté foi incumbida de pleitear, em nome da cidade, que o sepultamento se realizasse em solo taubateano, o que entretanto não foi possível.
O editor Ênio Silveira(1925-1996) faz uma descrição tragicômica da cerimônia de sepultamento do escritor ocorrida no dia 5. O testemunho é parte de uma entrevista publicada na coleção “Editando o Editor”, publicada pela Edusp.
O Funeral de Monteiro Lobato
Eu era amigo do Lobato, portanto, vocês hão de compreender que, por mais do que profundas e dolorosas razões, compareci ao enterro e fiquei o tempo todo grudado ao caixão do Monteiro Lobato. Foi, para dar uma pálida idéia, um enterro comparável ao do cantor Francisco Alves, multidões, multidões. Calculo que havia umas duzentas mil pessoas da cidade de São Paulo. São Paulo parou. A morte de Lobato – não é Getúlio Vargas não, é um escritor que morreu – parou a cidade de São Paulo, o centro da cidade, as lojas espontaneamente fecharam as portas. Aquela massa compacta subindo a Consolação – vinda do centro da cidade, no cemitério, esperando o enterro. Estive onde foi velado o corpo, em Campos Elíseos, depois fui para o cemitério esperar. Pois chegou aquela multidão, fervendo, compacta, sólida, e então fiquei ao lado do túmulo vendo aquela cena maravilhosa. O Lobato era, entre outras coisas fascinantes, acusado de comunista; ele não era propriamente comunista, mas simpatizava com o partido. Ele foi muito atacado pela Igreja, o Lobato foi muito acusado. Não era membro do partido, mas era muito amigo de comunistas e sempre esteve ao lado do partido nos momentos mais difíceis. Mas, ao mesmo tempo, ele era espírita e comparecia às Sociedades Espíritas – ia para a Europa em espírito -, acreditava no Além, kardecista, não sei o quê, mas espírita. Era, ao mesmo tempo, barão rural, da aristocracia rural, ele era visconde, se houvesse o Império ele ainda seria visconde. Também era membro de uma Sociedade Agrícola de São Paulo, do Clube Piratininga e de outras coisas que reuniam a aristocracia rural paulista. Era também bom escritor, portanto tinha a sua grei de escritor-jornalista. Ali, “namorava” também alguns trotskistas, que por isso o julgavam trotskista.
Bom, então, esta fauna diversa, multifacetada, se reuniu ali, à beira do túmulo. Quando iam descer o corpo, um pouco antes, pediu a palavra arrebatadamente o Rossini Camargo Guarnieri, poeta, membro do Partido Comunista:
– Camarada Lobato – era ditadura, o partido era ilegal -, estamos aqui, teus irmãos, não apenas para chorar por ti, mas para dizer que jamais morrerás, que estarás vivo na consciência do povo, no coração do povo, como um batalhador, como um companheiro…
– Perdão, companheiro não! Lobato era trotskista – era o professor Phebus Gikovate. – Canalha, filho da puta …
Principiaram aí cenas de pugilato, soco, caíram os dois, e rolaram no chão, o Gikovate e o Camargo Guarnieri caíram na cova aberta. Uma cena de filme de Felini. Quando tiraram os dois, um sujeito Clube Piratininga disse assim:
– Não, o senhor Lobato era da fina aristocracia, se tivéssemos ainda o Império, ele seria um nobre, nobre por dentro e nobre por fora. Lobato…
Era uma gritaria. D. Purezinha, viúva do Lobato, chorava, na verdade, não sabia se chorava ou ria. Eu achando que o Lobato gostava muito dessas cenas, estava me divertindo imensamente. *
* In Ferreira, J. P (Ed.) , Ênio Silveira, Coleção” Editando o Editor”, v. 3, Edusp, São Paulo, 1992.
Gravação Rara
Ouça a cobertura que a Rádio Bandeirantes fez do velório e do sepultamento de Monteiro Lobato.