O Comendador e Professor Theodoro Corrêa Cintra: De diretor à máxima católica

 O Comendador e Professor Theodoro Corrêa Cintra: De diretor à máxima católica

Um dos exercícios do historiador é fazer com que a partir de todas as fontes que existem sobre o tema sejam colocadas como aliadas e às vezes como contraponto. Vasculhando para minha monografia os arquivos particulares e públicos, foi possível traçar algumas características de vida e trabalho do Comendador e Professor Theodoro Corrêa Cintra. Longe de ser uma biografia, o trabalho com as fontes e a análise vem trazer à tona a construção de um homem conhecido por toda a cidade nos aspectos: religioso, social e familiar, tendo como base a sua contribuição para a formação do Ginásio Taubateano no seio da cidade. Neste texto, o leitor encontra a junção de fontes primárias e análise por entrevistas através da História Oral.

 A promoção de um “novo” modelo escolar pelo Ginásio Taubateano, foi proposto pelo professor Theodoro Corrêa Cintra, que ideologicamente exercia forte influência religiosa, educacional e radiofônica. Como sujeito representativo de sua época, o professor Theodoro era um homem cujos ideais transitavam entre o moralismo católico e o modelo educacional de São João Bosco, que por sua pedagogia acreditava que além da prática deveria haver também a valorização da teoria.

Professor Cintra em meio aos alunos. Acervo Família Beringhs/Rádio Difusora.

Esse modelo pedagógico aderido pelo professor Theodoro se baseava em três pilares: o amor, a razão e a espiritualidade. O objetivo era não possibilitar o contato com o conhecimento ao aluno por imposição, mas sim, que esses valores possam ser incorporados através da vivência e reflexão.

É importante ressaltar que esse modelo educacional era típico de instituições confessionais, mas a adesão dessa pedagogia ocorreu pelo contato que o professor Theodoro teve com o modelo ainda quando morava em Passos, pois havia estudado em um seminário e fora influenciado por essas ideias.

Ainda assim, mesmo que implantado no Ginásio Taubateano essa pedagogia que não era opositora ao modelo federal, mas enquanto colégio não confessional, mas particular, poderia adotar o seu modelo educacional, ou seja, o qual lhe era cabível, conforme a legislação do ensino secundário.

Não era um homem de sorriso, nunca vi esse homem […]. É claro, em casa ele devia sorrir com os filhos, com a mulher, mas ele era muito sóbrio, muito religioso né![…] Naquele tempo, religião era sinônimo disso: sobriedade. Uma pessoa barulhenta, por exemplo, naquele tempo não era um bom cristão.

E ai assim nas gozações de juventude, porque ele era bravo, porque era isso, era aquilo […] mas respeitadíssimo, então você via nas procissões que tinha, com a gente estava falando da escola, porque antes naquele tempo havia o Dom Francisco havia muita parada religiosa, era um tempo ainda de Igreja-Poder-Cristandade, ser católico era ser de Roma, ser ainda cruzada, a Igreja até nesses tempos era uma Igreja muito medieval, com Cruzadas, com Congregações Marianas, uma coisa assim meio de exército de batalha (Padre Fred).

 O professor Corrêa Cintra exercia influência nos diversos segmentos que atuava por sua atuação frente aos projetos católicos de difusão da religião, sempre contando com a participação de sua família. Por sua militância religiosa era conhecido por toda a cidade e a própria imprensa taubateana cuidava de construir um mito na figura do professor Theodoro ao enaltecer a criação do ginásio e das ações organizadas por ele, difundindo na sociedade o pensamento da do professor como aliado da Igreja na realização de projetos, vista como uma aliança cujo apoio veio dos setores sociais mais fragilizados pela modernização na cidade, sendo eles o principal alvo de suas políticas públicas.

Família Cintra demonstra a religiosidade. Acervo Família Cintra

[…] Então, o professor Theodoro era um homem que tinha Taubaté inteiro e essa região do Vale inteiro conhecia ele de voz pelo menos porque todos os dias, de segunda à sábado, no domingo eu não me lembro se tinha ou não, mas de segunda à sábado havia ao meio-dia na Rádio Difusora um programa chamado Minuto Azul da Ave Maria, que começava com uma Ave Maria. Ele fazia uma meditação e depois eu não esqueço a frase “De público agradece ao Cristo Redentor…”, então nome de um monte de gente que escrevia para lá para agradecer pelas graças, e era gozado, porque a gente tava almoçando e escutando […] fulano agradece a cura do câncer, fulano agradece a ferida da perna (risos) (Padre Fred).

 A atuação em conjunto com a Igreja, aliado as práticas sociais de promoção de obras assistenciais na cidade e seu carisma ao lidar com as massas, fazia com que na rádio sob a direção e atuação no programa “Minuto azul da Ave Maria” o projeto católico de atrair mais adeptos, pois já haviam perdido muitos nos anos anteriores, ganhasse força. O programa acontecia de segunda a sábado, ao meio-dia, na Rádio Difusora Taubaté AM ZYA-8 sendo um forte articulador da difusão em massa do catolicismo apresentado em cadeia com a Rádio Difusora AM de Pindamonhangaba e abrangendo várias cidades do vale do Paraíba, como apresenta um relato do entrevistado sobre um rapaz de São Luiz do Paraitinga que veio para Taubaté

[…] O rapaz, bem sucedido trabalha, tem a empresa dele, mas ele era um exemplo daquela pessoa simples, que veio lá de Carapeba, São Luiz do Paraitinga, veio para Taubaté, e quando ele veio morar aqui para estudar tudo, e ele disse que a única pessoa que ele conhecia de voz era o professor Theodoro, entendeu?[…] Porque era o homem que entrava na casa, na (pausa) casa dele pelo rádio, num discurso que era compatível com que ele esperava, foi claro, repórter, jornalista, a novela, tudo entrava na casa dele pelo rádio. Mas o homem que falava com ele, que ele sentia como se fosse “eu estou falando com você”, “é com você que eu quero rezar o terço”, “é com você que eu quero rezar o desagravo”, ele lembrava disso, ele ligava o rádio em São Luiz do Paraitinga, o professor Theodoro é como se tivesse falando com ele, então ele veio para Taubaté e “você conhece alguém daqui?”Ele disse, “conheço”, quem “o professor Theodoro”, porque ele nunca tinha visto, dá para entender? (Padre Fred).

  Na religião com a participação nos movimentos religiosos com o apoio do Bispo Dom Francisco Borja do Amaral e o Padre Evaristo, o Cura da Catedral, encontrava meios para ajudar na manutenção da ordem social. A ideia da “modernização conservadora” encontrava nele seu grande expoente, pois mesmo clerical e moralizador, promovia junto a Igreja Católica da época movimentos e projetos que fossem de certa forma, liberais para o período, mas que se adaptassem ao novo modelo social.

[…] Pela Igreja sem dúvida, sem dúvida e o interessante eu não sei se os filhos, a esposa sabem de algum por menor, mas tanto quanto eu ouço, enquanto eu sou Igreja, padre e o quanto eu era, ele nunca teve oposição dos padres, se eu soubesse assim explicita da amizade dele com o Bispo, assim a percepção eu nunca soube. Ele era respeitado pelo clero, eu acho o clero de então. E pelo Bispo endosse total, se você soubesse quem era o melhor amigo do senhor Bispo? Quem é o único amigo, porque antes não tinha amigo, porque na solidão do poder, até porque ele confinava a esse encastelamento o Dom Francisco […] Mas o melhor amigo, o único amigo do Dom Francisco sempre foi […] o professor Theodoro, de igual para igual, era o homem que chegava para tomar sopa, para tomar um lanche e conversavam assuntos que não eram banalidades “nossa tá calor hoje”, “o mundo tá mudando”, não. Eles planejavam e tudo o senhor Bispo queria que fosse feito em sistema leigo como essas paradas, essas passeatas (Padre Fred).

Sem contar com as benfeitorias como a criação do Caritas Diocesano (1958), Monumento ao Cristo Redentor (1956), a Escola Vocacional Cristo Redentor e outras obras assistenciais, como a distribuição de sopa no Cristo Redentor e sua participação e eleição para o legislativo da cidade em 1963, no qual se candidatou a vice-prefeito e vereador, cuja legislação do período permitia.

Comunicado ao povo

[…] O Prof. Correa Cintra, um homem de grande prestígio em todos os setores sociais, por força das suas realizações sociais, no campo cultural como emérito educador que é, e no campo assistencial, em que só um abnegado, com sua capacidade de trabalho, disposto a enfrentar uma série incomensurável de obstáculos e aborrecimentos inclusive o cetecismo de muitos, conseguiria o êxito que tem alcançado êsse ilustre professor.

[…] só decidindo ingressar nela agora, com o alto objetivo de ter cobertura a sua atuação no campo assistencial.

[…] O nome do Prof. Correa Cintra é respeitado por todos quantos conhecem sua obra. Sem ocupar cargo público tem sido êle um extraordinário mobilizador da opinião pública em torno de determinados problemas que, de algum modo, interessam à coletividade taubateana”.

“Estamos seguros de que o povo não falhará para com aquêle que, sem ocupar cargo público, tem sido um grande amigo do povo, educador emérito, defensor dos humildes e dos desventurados (Panfleto eleitoral de 31 de agosto de 1963).

 

Ainda sobre sua participação nas atividades religiosas, era muito bem visto e aceito não somente pela Igreja, mas também pelo clero

 

[…] Então, ele era um homem de Igreja muito respeitado, todo o povo simples venerava o professor Theodoro, venerava porque ele era famoso pela caridade que ele fazia no Cristo, ele era presidente do Caritas, Caritas Diocesano era uma instituição da Igreja que existe até hoje no mundo todo. E como a palavra quer dizer Caritas é caridade em latim! Então quando tem desastres, tudo, a Caritas Romana manda uma ajuda, uma verba, e o mundo inteiro colabora (Padre Fred).

 Pelas benfeitorias realizadas na sociedade pelo professor Theodoro, foi concedido a ele, por indicação do Bispo Dom Francisco Borja do Amaral, o título de Comendador Cavaleiro da Ordem de São Silvestre o Papa em 1960, como explica em entrevista o padre diocesano

[…] Theodoro, mas depois de uma época pra cá, não vou nomear data porque eu não me lembro, ele recebeu uma comenda do Papa, ele era camareiro secreto do Papa, era comendador […], era um cargo à distância, mas significava que ele podia se ele tivesse em Roma entrar no quarto do Papa, só para auxiliar o Papa. É uma tradição que tem na Igreja. É claro que ninguém vai no quarto do Papa, mas teoricamente era Comendador da Câmara Secreta do Papa […] Ai então, o professor Theodoro caminhava ao lado do Bispo, ao lado do padre, mas da guarda pessoal do Bispo, que não representando o Papa, mas do colégio do Papa (Padre Fred).

      O jornal O Lábaro noticia e caracteriza em suas páginas a confecção da roupa que compunha a comenda e as circunstâncias em que era usada

 O Cavaleiro da Ordem de S. Silvestre Papa usa, em circunstâncias especiais, um uniforme próprio, preto, com gola e punhos de veludo de seda, bordados a ouro; botões grandes em número de nove no peitilho e três outros menores em cada punho; enfeites de folha de louro, botões de outro com a cruz da ordem, cordões de ouro, chapéu preto de felpa com fita de seda e pequenos flocos de ouro, etc. Com espadim de punho de madrepérola em cinturão dourado, completam o uniforme de gala do Cavaleiro (O Lábaro, apud GONÇALVES, 2003 p. 69).

 Munido de uma personalidade emblemática, o Comendador professor Theodoro Corrêa Cintra era sempre atuante, uma figura confirmada em todas as paradas de segmentos religiosos ou mesmo educacionais e sociais.

Guardadas as devidas proporções, havia sempre os interesses individuais, mas para ser caracterizado como legitimo representante deste período de modernizar conservando, ele foi clerical, conservador mais ao mesmo tempo liberal.

Professor Cintra em meio a evento cultural. Acervo Família Cintra.

Esse pensamento moderno sob a pedagogia de São João Bosco que ele implantara no ginásio, proporcionava um estudo misto inovador para a época. Mesmo sendo um colégio não confessional e particular, como mencionado anteriormente, tinha também em suas práticas características culturais marcantes do período tais como os bailes dançantes, como aborda o ex-aluno sobre a impressão que esses bailes causavam na sociedade.

[…] Então tinha aqueles bailinhos da vida, quer dizer… Imagina isso foi uma explosão na época, foi um colégio… O colégio é uma boate? O colégio é não sei o quê? E sabe… […] Nossa… Porque o Theodoro era um homem dedicado, de Igreja, um homem muito católico (Fernando Frediani).

 A ex-secretária do Taubateano lembra ainda que mesmo quando o professor Corrêa Cintra resolvia fazer algo de diferente aos alunos, como a brincadeira dançante, que na verdade era um baile para os alunos brincarem sob sua supervisão, o que incomodava alguns moradores

[…] A banda do Sete de Setembro tá aqui! Aquele conjunto OK aqui do clube do TCC, ele começou lá no Taubateano porque o papai além de tudo ele queria proporcionar para os alunos, fazer uma brincadeira dançante. Então foi formado ali que chamava assim é […], é fazia parte do grêmio, Grêmio MAC é tanto que a […] bateria vinha escrito assim Grêmio MAC Bateria, então começou ali, ai depois eu não sei quem que reclamou “porque onde já se viu, ele tão religioso”, foi reclamar para o Bispo. Aí o Bispo achou ruim e ele acabou com a brincadeira dançante lá (Maria da Glória).

 

     Ao mesmo tempo era liberal e conservador, delimitando e permitindo que à década de 1950 em Taubaté fosse marcada por forte ideologia católica para manutenção da ordem, mas ao mesmo tempo pela sua geografia, foi favorecido e até aos meios de comunicação pela difusão dos novos ideais de massa pela imprensa genuinamente taubateana e pelo rádio.

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Giovanna Louise Nunes é graduada pela Universidade de Taubaté, Mestranda em História Social pela Universidade de São Paulo. E professora na Rede Estadual em Taubaté.

almanaqueurupes

7 Comments

  • …para nós…ex alunos…ficou a lembrança da "conversa ao pé da escada"…quando professor Teodoro falava dos acontecimentos do Ginásio Taubateano…e o saudoso Kadil…(recentemente falecido) …lia o Jornal O Cadinho…com fofoquinhas envolvendo os alunos…o uniforme de todos os dias era: calça e camisas cáqui…nos desfiles cívicos…a camisa cáqui era substituída por uma camisa branca…mangas compridas…como você não sabe…o Ginásio Taubateano ficava no atual prédio da Viscondessa de Tremembé…esquina da Rádio Difusora….

    • Diniz…bons tempos, e o Kadil era um grande amigo meu tbm….bjs.

  • Lembro-me do programa ¨”MINUTO AZUL DA AVE MARIA” que era transmitido por varios alto falante espalhado por vários bairros de Taubaté. Tempos bons aquele.Professor Theodoro, orai por nós.

  • …para nós…ex alunos…ficou a lembrança da “conversa ao pé da escada”…quando professor Teodoro falava dos acontecimentos do Ginásio Taubateano…e o saudoso Kadil…(recentemente falecido) …lia o Jornal O Cadinho…com fofoquinhas envolvendo os alunos…o uniforme de todos os dias era: calça e camisas cáqui…nos desfiles cívicos…a camisa cáqui era substituída por uma camisa branca…mangas compridas…como você não sabe…o Ginásio Taubateano ficava no atual prédio da Viscondessa de Tremembé…esquina da Rádio Difusora….

  • Sempre tinha uma musica que tocava na entrada das aulas enquanto subiamos as escadas, me lembro até hoje qual era a musica ,e as vezes ele mandava tocar o hino nacional derrepente na hora do recreio pegando a gente de supresa e todos os alunos que iam se formar ele colocava uma música para que nós gravassemos na memoria, para que um dia ouvissemos iriamos lembrar dos nossos momentos. Não é que funcionou mesmo?Acho que nunca vou esquecer aquele tempo……

  • Fui aluno do Ginásio Taubateano em 1951 a 1954,só tenho boas lembranças e muita saudade.
    Só para acrescentar ao comentário de José Diniz júnior: O uniforme era calça de brim cáqui camisa tipo Jean Sablon cor beje, túnica de brim cáqui. No desfile de 7 de setembro , a camisa era branca, com gravata bordeaux.

  • Do comentário acima

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