Taubaté, capital da província
Por Angelo Rubim
Consta que Taubaté por muito pouco tornou-se capital de estado. Só faltou o estado.
No ocaso do Império, discussões sobre a reorganização territorial brasileira estavam fadadas ao insucesso. No entanto, o então senador Joaquim Floriano de Godoy, propôs que fosse criada uma nova província (que damos hoje o nome de “estado”). O projeto foi apresentado em 5 de outubro de 1887. Momento em que outras questões chamavam mais atenção: a libertação dos escravos e a continuidade do regime político.
A fase era de crise: o principal produto de exportação brasileiro encontrava dificuldades de venda, já que a concorrência havia aumentado. Diferentes regiões do mundo passaram a vender café para os europeus, além disso, o produto brasileiro era considerado de baixa qualidade.
Em São Paulo, a marcha verde estava em plena atividade. A produção cafeeira no chamado Oeste de São Paulo tornava-se mais importante do que a do antigo Norte do estado, região do Vale do Paraíba. O consumo predatório da terra, característica dos produtores locais, fez com que a vida útil do cafeeiro se encurtasse. Além disso, o trabalho escravo era pouco produtivo.
Politicamente, a estrutura de poder no Brasil estava sendo desmantelada. Os republicanos finalmente passaram a incomodar o Império, pois estavam em terreno fértil, já que D. Pedro II perdia, gradativamente, apoio de grandes forças políticas devido a incapacidade do Estado em custear os prejuízos da lavoura.
A raiz do problema era a escravidão.
O Projeto de lei para criação da Província do Rio Sapucaí, feito pelo Senador Joaquim Floriano de Godoy, apesar de interessante, não tinha a menor chance de vingar.
O texto propunha a formação de um novo território a partir do desmembramento do Sul de Minas Gerais e do então Norte de São Paulo. Baseado em um profundo estudo estatístico e geográfico das duas regiões.
De Minas Gerais, seriam incorporados 22 comarcas: Alfenas, Araxá, Baependi, Caldas, Cristina, Itajubá, Itapecirica, Itatiaia, Lavras, Musambinho, Paraizo, Passos, Puso Alto, Prata, Bagagem, Rio Dourado, Rio Jaguari, Rio Lambari, Rio-Verde, Patos, Três Pontas e Uberaba.
De São Paulo, 13 comarcas: Jacareí, S. José dos Campos, Paraibuna, São Sebastião, Ubatuba, São Luiz, Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Areias, Lorena, Bananal e Queluz.
Duas regiões com características geográficas semelhantes e que se integravam comercialmente: uma fornecedora de bens de consumo (Sul de Minas com grande produção de alimentos) e outra produtora de café, para comércio exterior. Geograficamente propícia, com fornecimento em abundância de água, tendo como rios principais o Sapucaí e o Paraíba. Abundancia de terras produtivas. E um porto para escoamento de mercadorias, em Ubatuba. As regiões produtoras se ligariam ao porto por meio de uma estrada de ferro e esta se conectaria à Estrada de Ferro Central do Brasil.Espaço ideal para a formação de uma unidade forte. Foram essas as características que motivaram o senador.
Para justificar, apresentou uma série de dados, que hoje nos servem de análise da região que somaria 193.170 quilômetros quadrados: pouco mais de um milhão de habitantes, sendo o Sul de Minas com 650.444 habitantes e o Norte de São Paulo com 360.535 habitantes, com uma renda estimada em mais de mil e trezentos contos de réis, somando os 725:731$366 de Minas e os 615:304$455 de São Paulo. Valor elevadíssimo para a economia daquele tempo.
Como Igreja e Estado andavam juntos, o senador ainda propôs a criação de um bispado, com 113 paróquias.
Taubaté seria a capital o que se justificava pela economia. Até os anos 1880 era, provavelmente, a mais importante cidade para a economia cafeeira, dado a enorme produção da rubiácea. A cidade, segundo o senador, “possue já quasi todos os edificios necessarios a installação da capital da nova provincia; diversos palacetes e optimos predios para todos os serviços da administração; boas igrejas; estabelecimentos notaveis de industrias; illuminação a gaz; linhas de tramsways, etc.”
A proposta foi duramente atacada pela imprensa, que o chamava de sonhador (songe-creux). Era discurso quase uníssono na imprensa contemporânea que Minas deveria ser dividida, mas jamais se pensou na separação de São Paulo.
Em 1844, o conselheiro Bernardo Jacinto da Veiga apresentou proposta para separação da província mineira, mas o projeto não entrou em discussão. Foi novamente apresentada em 1853, pelo deputado Cruz Machado e oura vez em 1862, com apoio dos deputados fluminenses. A discussão não continuou por causa da dissolução da Câmara em 1868. Com a Câmara recomposta, Americo Lobo fez nova apresentação do projeto, que criaria a Província do Sapucaí, chamado por Evaristo da Veiga de Minas do Sul.
O argumento da imprensa se balizava no fracassado projeto de Veiga. Se quando se achava mais necessário a separação da província o projeto naufragou, por qual razão seria bem sucedido agora? Ainda mais quando se propunha a separação de São Paulo.
O Correio Paulistano de 11 de novembro de 1888 refletiu o que era opinião geral: “Perdoe-nos o sr. senador Godoy; a sua idéa é infeliz e não encontra o menor apoio na provincia nem na parte da provincia que o seu projecto viria beneficiar”.
De fato. Ao menos na imprensa taubateana, o assunto nunca foi levado à sério.
E foi assim que Taubaté quase (nem tão quase assim) se tornou capital de um estado.
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