A Obra dos Franciscanos

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Felix Guisard Filho*

Deve ser assinalado, com especial apreço, o trabalho secular dos frades franciscanos, dos tempos da Colônia até aos de hoje, ministrando aos nossos as primeiras letras e algumas matérias de curso secundário. Ainda há pouco, nosso confrade do Instituto Histórico, João Batista de Campos Aguirra, mandou cópia referente à nossa afirmação. Foi tirada do manuscrito já citado, de Frei Apolinário da Conceição (1730). É, hoje, um livro raríssimo, cujo exemplar está na Biblioteca Nacional.

Diz Frei Apolinário:

” Do convento de Santa Clara da Vila de Taubaté.

Convento Franciscano em Taubaté. Lápis aquarelado por Thomas Ender, em 1817.
Convento Franciscano em Taubaté. Lápis aquarelado por Thomas Ender, em 1817.

“Distante de 26 léguas de sertão nas quais se encontraram algumas povoações, depois que saímos d´aldeia de S. Miguel chegámos à vila de S. Francisco das Chagas, bem conhecida pelo apelido da Terra que é Taubaté. É ela, ainda que pequena, muito galante pela planície em que está fundada, onde tem uma boa igreja Matriz, e, à sua vista, com pouca distância, o nosso convento, e no Têrmo tem algumas capelas.

“É o nosso convento o maior ornato desta vila por ser o maior edifício dela, como também pelo abono que com êles recebem as povoações onde os há qualquer ordem. Foi êste fundado no ano de 1673, e por isso tem o décimo lugar entre os mais da Província, sendo êste último quando a mesma foi eleita.

“Nele assistem 16 religiosos em que entram alguns defensores da língua da terra para confessar o gentio dela, concorrendo por esta causa, principalmente de outras vilas, em tempo de quaresma muitos a êste convento a desobrigar-se do preceito da Igreja, e assim também há um religioso mestre que ensina a ler, escrever e a contar aos meninos desta vila e a outros gramática, para o que tem parte deputada para o estudo no convento que temos, porque o mesmo exercitam os nossos religiosos no convento do Cabo frio e no de Macaco donde tem saído muitos clérigos e alguns religiosos nossos e da Companhia de Jesús. O convento é pequeno; a igreja capucha nela três altares: o do padre do Evangelho de N. S. da Conceição, o da Epístola de Santo Antônio e no Altar mor a Imagem da Gloriosa Virgem Santa Clara com sua custódia de prata em mãos, havendo no mesmo retábulo as Imagens de nossos Patriarcas S. Francisco e S. Domingos.” – ( cópia extraída do manuscrito existente na Biblioteca Nacional: Epítome da Província da Conceição do Brasil, por fr. Conceição, 1730).

Vila de Taubaté vista do átrio do Convento Franciscano. Lápis aquarelado por Thomas Ender em 1817.
Vila de Taubaté vista do átrio do Convento Franciscano. Lápis aquarelado por Thomas Ender em 1817.

Modernamente, baseando-nos nos escritos de frei Ricardo, encontraremos:

“Os missionários capucinhos da província de Trento chegaram em Taubaté, tomando posse do Convento de Santa Clara, no dia 15 de fevereiro de 1892.

“Já no próximo abril, abriram o externato do  Sagrado Coração de Maria, especialmente para os meninos pobres, mas recebiam todos, também filhos de pessoas abastadas, e a todos davam lições gratuitas, e aos mais pobres também os respectivos livros e, não poucas vezes, vestidos.

” Nos primeiros anos, trabalharam nas escolas, como professores, os Revdmos. frei Luiz de S. Tiago e frei  Gregório de Rumo, e as aulas no internato do Convento davam-se nas aulas onde tinha outrora funcionado o Liceu Provincial.

“Vendo que os alunos iam crescendo em número, frei Luiz em 1894,preparou duas espaçosas aulas no sobrado do antigo Consistório dos Terceiros, e então entraram como professores os Revdmos. frei Ricardo Maria de Denno e Frei Mansueto de Valfloriana, e, como os alunos se tinham multiplicado, então desdobraram-se as aulas em três secções, isto é, alfabetização, progressiva e complementar. A primeira secção foi confiada a um professor leigo, Snr. Antônio Soares, que recebia do Convento 100$000 mensais, e, dois anos mais tarde, a Câmara Municipal dava um adjuntório de 70$000 mensais, para pagar o dito professor; o resto continuou a dar o Convento, do gôverno quer federal, quer estadual, a-pesar-de reiteradas súplicas até agora não se recebeu um vintém pelas nossas escolas, só uma vez emprestaram poucas carteiras. As outras duas secções fôram dirigidas sempre até 1907 pelos dois ditos Padres.

Frei Mansueto de Val Floriana (Felix Guisard Filho, Convento de Santa Clara, p. 153)
Frei Mansueto de Val Floriana (Felix Guisard Filho, Convento de Santa Clara, p. 153)

” As matérias ensinadas eram: catecismo, história sagrada, português, história do Brasil, elementos de história natural, matemática, caligrafia, e na terceira secção também contabilidade, tanto que muitos daqueles alunos da última secção encontravam colocação nos armazéns e alguns dêles como professores leigos nas escolas rurais.

” Na cidade, nesse tempo, não havia escolas públicas, a não ser o Externato das irmãs de São Jose, mas quando foi instalado o primeiro grupo escolar, também diminuíram um tanto os alunos, mas sempre se continuou com um bom número dêles, especialmente dos pobres que não podiam freqüentar o grupo por falta de vestido que exigiam naquele estabelecimento, especialmente calçado. Em 1908, a Câmara retirou o subsídio. Assim se continuou até 1921. Nesta data, foi anexo um curso noturno custeado pelos Capuchinhos, que durou apenas um ano e meio e depois morreu por falta de alunos que nada pagavam.

” Continuou o nosso Colégio até 1927, até o fim do ano, mas depois foi fechado por causa das obras da igreja Sta. Cruz e porque o velho prédio em que funcionava foi demolido quasi que por completo visto as taipas apresentarem sério perigo, e ficou fechado por dois anos, depois começou a funcionar novamente com matrícula de 66 anos, dos quais os menores eram lecionados de manhã por uma professora, e os maiores de tarde por um professor secular, coadjuvado ambos por um Capuchinho que leciona catecismo e história sagrada.

Convento de Santa Clara em 1856. Robin&Favreau - MISTAU
Convento de Santa Clara em 1856. Robin&Favreau – MISTAU

” Desde a retirada da subversão da Câmara, os Terceiros entraram com 100$000 mensais, que também, êstes fôram retirados quando em 1927.

” Em 1897 abriu-se neste Convento um externato sob nome de Colégio Seráfico, cujo fim era o de formar Missionários Capuchinhos indígenas, recebendo daqueles meninos que mostravam vocação para êste fim, mas era e são excluídos todos aqueles que em lugar de vocação tem só locação.

” Êste colégio já deu vários Padres Capucinhos Brasileiros e continuou em Taubaté até 1910, época em que por várias causas foi transferido para Piracicaba, depois para S. Paulo, e agora definitivamente está em Piracicaba.”

Uma vez citado o colégio Seráfico, devemos transcrever, de frei Modesto e de frei Fidelis, os trechos a êle dedicados, bem como à contribuição dos frades franciscanos para o Seminário Diocesano de Taubaté:

” Elevada Taubaté a sede episcopal, o seu primeiro Bispo tratou logo de fundar o Seminário.

” Como a diocese é das mais pobres do nosso Estado, faltavam-lhe recursos para aquisição do edifício e para a manutenção dos lentes e dos alunos.

” Dirigiu-se à Ordem Terceira, que nesse tempo estava edificando um asilo sob a proteção de Santo Antônio, e comprou por pouco dinheiro o prédio em construção e todo o terreno anexo. Com muito, esforço, consegui pô-lo em condições de receber os primeiros alunos.

Gastão Câmara Leal
Gastão Câmara Leal

” Faltava pessoal docente e fundo para a sustentação dos alunos. Entretanto, em combinação com o Superior, alcançou o que desejava, e os Capuchinhos, auxiliados por Mons. Nascimento Castro, Dr. Eusébio Câmara Leal e seu irmão, Dr. Gastão Câmara Leal, se encarregaram do Seminário Diocesano durante os anos de 1910 e 1911.

” Como o pessoal do Convento era muito diminuto para atender às necessidades da Casa, os Superiores acharam conveniente que os Capuchinho se exonerassem do pêso de tanta responsabilidade, e então, em dezembro de 1911, entregaram o Seminário ao Sr. Bispo, o qual teve que providenciar de outra maneira.”

Quando foi da vinda dos primeiros religiosos trentinos para o Brasil, a Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários concedeu em favor dos mesmos um decreto (escrito em latim).

Houve quem entendesse que o decreto supra estabelecesse, como fim principal da vinda dos capuchinhos de Trento a S. Paulo, a formação dos religiosos nacionais para a catequese dos índios.

O decreto não diz semelhante coisa; não cogitou si havia índios em S. Paulo, ou não, para conceder aos missionários as três faculdades mencionadas. Além disso, quem não vê que essas faculdades eram concedidas para sempre e que nem haveria índios a catequizar?

Si, só em vista de índios a catequizar, a Sagrada Congregação lhes concedesse tais faculdades, seguir-se-ia que, cessando a causa, deixariam elas de vigorar.

Agora, que não há mais existir Colégio Seráfico e nem noviciado, o que é absurdo.

Outros quiseram dizer que o fim principal da vinda de Capuchinhos de Trento era a catequese dos índios, em vista das últimas palavras da carta do ministro do Império, Ferreira Viana.

Fachada do Convento de Santa Clara em 1856. Foto de Robin&Favreau.
Fachada do Convento de Santa Clara em 1856. Foto de Robin&Favreau.

Si tal fôsse, como não penetraram logo pelas florestas, como fizeram os primeiros capuchinhos? O Imperador teria esperado que primeiro se formassem religiosos nacionais, para depois cuidarem dos índios? Quanto mais tardassem, menos oportunidade haveria.

Não entenderiam assim os superiores que, melhor esclarecidos, viram nas palavras do decreto o desejo da Santa Sé de que a Ordem Capuchinha existisse no Brasil do mesmo modo, com o mesmo espírito e dos mesmos fins que possuía na Europa.

Bem avisado andou o p. frei Bernardino de Lavalle, quando, em 1894, tendo terminado o seu mandato como provincial de Trento, veio residir em São Paulo e tratou de fundar, o quanto antes, o Colégio Seráfico e o Noviciado na Europa.

Era prevenir males irremediáveis no futuro. Tempos viriam em que a Madre Provincial, por escassez de pessoal, ou por outros motivos, não poderia mandar novos missionários para auxiliar os que já estivessem inválidos, ou substituir os que tivessem morrido, e nós teríamos que lamentar, como tantas outras ordens, a extinção dos obreiros do Senhor, no campo de suas operações. Moveu-se o p. comissário, e com êle todos os seus auxiliares, para obter, quanto mais logo possível, a abertura do Colégio Seráfico.

D. José Pereira da Silva Barros (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

A idéia foi muito bem acolhida em Taubaté, quando se soube que as vistas do p. comissário recaíram sôbre esta cidade.

O benemérito mons. Miguel Martins prontificou-se a ajudar a construção do prédio em que houvesse de funcionar o Colégio: as irmãs de S. José, do Colégio do Bom Conselho, ofereceram camas e carteira; outras pessoas piedosas auxiliaram dando roupa branca, etc.

No dia 15 de março de 1897, com a presença de d. José Pereira da Silva Barros, arcebispo de Darnis, de mons. Nascimento Castro, vigário da paróquia, de mons. Miguel Martins e outros sacerdotes, residentes em Taubaté, inaugurou-se o Colégio Seráfico em prédio próprio, anexo ao Convento Santa Clara.

Cônego Nascimento Castro. Publicado no jornal O Astro de 25 de dezembro de 1905. Acervo DMPAH
Cônego Nascimento Castro. Publicado no jornal O Astro de 25 de dezembro de 1905. Acervo DMPAH

Catorze alunos já residiam no Convento desde 13 de julho de 1896, preparando-se para o Colégio em construção. Inaugurado êste, as aulas e disciplinas entraram a vigorar com a devida pontualidade.

Dêsse primitivo Colégio saíram vários sacerdotes como o p. frei Serafim de Piracicaba, e o p. frei Domingos de Riese, ordenados em 1906; o p. frei Leonardo de Campinas e o p. frei Lourenço de Piracicaba; o p. frei Fidelis de Primiero e o p. frei Modesto de Taubaté, ordenados em 1907; e o p. frei Jacinto de Piracicaba, ordenado em 1908.

Mais tarde, ordenaram-se, também, os que compunham a segunda turma, a saber: o p. frei Luiz de Santana e o p. frei Vital de Primeiro, em 1909; o p. frei Ângelo de Taubaté, em 1910; o p. frei Angélico de Roseira, em 1914; em 1920, o p. frei Gabriel de Taubaté, que em 1926 se secularizou; o p. frei Félix do Rio das Pedras e o p. frei Timóteo de Helvetia, ambos ordenados em 1920.

Êste último faleceu em novembro de 1937.

Alguns alunos do Colégio, interrompendo o curso dos seus estudos, fizeram-se irmãos leigos; outros se retiraram, escolhendo diverso gênero de vida, sempre, porém, guardando uma grata recordação dos seus colegas.

Dêsses primeiros frutos do Colégio Seráfico de Taubaté, trabalharam, entre os índios matogrossenses , o p. frei Serafim de Piracicaba, que lá morreu desastradamente, o p. frei Lourenço de Piracacaba, e o p. frei Modesto de Taubaté.

Distingui-se na imprensa, como redator por muitos anos, dos Anais Franciscanos, e de La Squilla, o p. frei Fidelis de Primeiro.

Alcançaram triunfos, na oratória sagrada, o p. frei Luiz de Santana, o p. frei Lourenço de Piracicaba, o p. frei Vital de Primeiro e o p. frei Ângelo de Taubaté.

Como missionário no Estado de S. Paulo e no de Minas, vem trabalhando, há nove anos, o p. frei Modesto de Rezende, de Taubaté.

Frei Vital Primeiro (Felix Guisard Filho, Convento de Santa Clara, p. 113)
Frei Vital Primeiro (Felix Guisard Filho, Convento de Santa Clara, p. 113)

Ao p. frei Domingos Riese se devem a reconstrução da igreja e a reforma do Convento de Santa Clara, de cuja planta e execução êle próprio se encarregou.

Muito tem feito, pelas crianças e pela assistência aos enfermos, o p. frei Jacinto de Piracicaba.

Reais serviços ao ministério sagrado continua ainda a prestar o p. frei Leonardo de Campinas. Um dêles, o p. frei Modesto chegou a ser secretário do bispado, consultor e visitador diocesano. Ad Nuntium Episcopiem, uma das dioceses do Estado de S. Paulo. Outro, o p. frei Luiz de Santana, foi elevado à sede episcopal de Uberaba.

Não é, pois, sem justo motivo que os olhos do venerando ancião frei Bernardino de Lavalle, marejam-se de lágrima de contentamento, ao contemplar o fruto abençoado dos seus esforços e do seu trabalho. Os céus lhe reservam recompensas incalculáveis.

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Mausoléu dos Franciscanos de Taubaté (foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
Mausoléu dos Franciscanos de Taubaté (foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

O fato de precisarem o s nossos padres do Convento de Taubaté , reger, administrar e lecionar no Seminário Diocesano, levou o p. comissário de então a suspender, durante algum tempo, o recebimento de alunos em nosso Colégio Seráfico.

Quando, em dezembro de 1911, entregaram o Seminário de Taubaté ao Snr. Bispo, transferiram os poucos alunos seráficos, provisoriamente, para S. Paulo, e depois para Piracicaba, onde o Colégio Seráfico continuou dois ou três anos, mas, com muitas dificuldades, maxime pela falta de professores.

Fechou-se portanto, e com grande pesar de todos os religiosos, o Colégio que tão bons resultados já tinha dado.

Realmente, estava muito reduzido o número de padres na Missão, e o Superior Regular não via possibilidade de poder aumentar o pessoal de acôrdo com as necessidade, que cresciam cada vez mais. tomou, então, essa resolução, que não deixou de trazer-nos sérias complicação.

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Texto extraído do Livro Convento de Santa Clara, p. 155-167

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