Morro da Imaculada

0
Share

Texto de Renato Teixeira

Publicado no Jornal Contato edição especial 367 anos de Taubaté 

Romeu Simi Júnior, Zé Demétrio e Romero Teixeira foram os caras que, de uma forma ou de outra, me mostraram o caminho que leva ao Morro da Imaculada. Meus amigos nunca foram meros consumidores da arte dos figureiros. Iam mais fundo, analisavam sob uma ótica mais sofisticada, mais comprometida com os conceitos que organizam a arte popular e seus porquês.

Demétrio, por exemplo, era um magnífico escultor e pairava soberano sobre as personagens, geralmente senhoras, que se dedicavam ao rico artesanato das graciosas peças moldadas no barro e depois cozidas nos fornos caseiros que fumegavam sem parar escurecendo as paredes das humildes casas.

Romero Teixeira foi viver em Taubaté por questões políticas. Vinha de Minas para trabalhar na agência do Banco do Brasil com a condição de se afastar da ação política, que naquelas alturas do campeonato era uma ameaça perigosa, principalmente para um cara como ele, casado e com filha pequena.

Romero faleceu tragicamente num acidente automobilístico na estrada de Quiririm. Era um pintor fantástico que interrompeu suas atividades por uns tempos quando viu pela primeira vez uma foto do Concorde, o supersônico que era, antes de mais nada, uma visão encantadora de todas as possibilidades que a arte do design passou a oferecer. Romero, por uns tempos, ficou em estado de choque.

Depois voltou a produzir com a qualidade que foi sua marca. Tenho dois quadros dele que fazem parte do acervo de afetividades artísticas que a vida me deu.

Romeuzinho Simi foi meu guru taubateano. Meu pai achava que com ele eu corria o risco de virar comunista, já que se dizia isso dele aqui na cidade. Mas o Romeu sempre foi, antes de mais nada, um esteta e um grande arquiteto.

Através dele, vieram os livros de poesia, os discos de Pixinguinha e as músicas de Chico Buarque, com quem havia compartilhado os corredores da FAU, na rua Maranhão, em São Paulo, nos tempos de estudante.

Romeu era uma espécie de luz intelectual que me ajudava a ver o caminho. Eu e esses três amigos subíamos sempre o morro para averiguar as últimas fornadas de dona Edwirges ou para encontrarmos com Viola, um outro personagem taubateano de grande valia, mestre no conhecimento da arte popular.

Sem dúvida, no meu tempo, o Morro da Imaculada era bem mais rústico, bem mais simples e desorganizado. Os preços que os figureiros cobravam por suas peças eram irrisórios e serviam para manter as coisas naquele estado precário. Mesmo sendo a maior expressão artística da cidade e já repercutindo inclusive no exterior, a arte de nossos figureiros era tratada com o descaso característico que as cidades do interior costumam dedicar a tudo aquilo que não gera lucro material evidente.

Como é bom constatar que tudo aquilo que era capaz de fazer o sujeito vender a alma por dinheiro simplesmente sumiu no tempo, enquanto a arte dos figureiros vai se transformando numa das referências mais importantes da nossa cidadania.

Tenho a certeza de que ajudei com minha música a eternizar esse pequeno pedaço encantado da nossa cidade. Uma cidade precisa de um cantor que lhe cante os cantos, de um compositor que componha os seus contornos, de um contador de história que conte a todos quem somos, o que fazemos e o que sonhamos.

Se você quiser pegar Taubaté nas mãos, vá ao morro da Imaculada e, como eu, deixe-se levar pelas cores vivas que são a marca desse povo caipira e criativo.

Manuseie um pavão, observe a formação de uma folia de reis, deixe-se levar pela cena rural de um casamento na roça… seja feliz!

 

Acompanhe o Almanaque Urupês também na nossa página do facebook e twitter

Related Posts
Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *