Meu tipo inesquecível

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Texto de Renato Teixeira

Todos nós trazemos na memória alguém que, de uma forma ou outra, marcou nossas vidas como personagens inesquecíveis. Personalidades com costumes peculiares que se transformavam em figuras comentadas por todos: Júlio Guerra, com suas soluções urbanas;

Beijinho, com seus penduricalhos; Colete Preto, com seu vozeirão; o bispo que comia terra; o cara que emprenhou a moça e fugiu no primeiro trem…; o professor Bordini, que voltou da guerra destruído emocionalmente; e mais aquele pobre homem de bigode, indo e vindo na frente da biblioteca falando num radinho de lata como se estivesse no meio da batalha.

Outras personalidades se destacam pelo carisma social, como meu primo Cícero Simonetti e o saudoso Gino Consorte, talvez o maior de todos os “tipos inesquecíveis” da história taubateana.

A “graça social”, suas criaturas e suas histórias peculiares criam um perfil do povo de uma cidade. Alguns tipos inesquecíveis de Caçapava, por exemplo, não precisam ser conhecidos em São José. Cada cidade tem os seus.

Existem também aqueles que são personagens inesquecíveis restritos exclusivamente ao âmbito familiar de cada um. Meu avô Jango foi um tipo inesquecível para todos os Teixeira e agregados. Caçava, pescava, fazia foguete, era agente de uma empresa de navegação, a Santense, e para deixar a coisa mais coerente ainda, era também o meteorologista do pedaço. Assim podia programar com mais eficiência os seus dias ubatubanos, onde, sabemos, chove muito.

Propaganda do creme dental Kolynos nos anos 1950
Propaganda do creme dental Kolynos nos anos 1950

Seleções, aquela tradicional e antiquíssima revista, tinha um artigo chamado “meu tipo inesquecível” onde publicavam até historia de cachorros surpreendentes, peixinhos de aquário deprimidos e boníssimas figuras com aparência criminosa. Até hoje tenho coleções de Seleções, pois nos sebos a gente encontra conjuntos completos e em ótimo estado de conservação. Você chega e compra um pacote completo do ano de 1946, por exemplo.

Eu tenho um conjunto completo do ano 1954 que me leva a viagens maravilhosas pela publicidade daquela época, toda desenhada a bico de pena ou coloridas em tons pasteis belíssimos que estampavam a brancura do sorriso Kolynos ou a modernidade arredondada dos liquidificadores e das geladeiras.

Meu saudoso tio Waldemar Teixeira era um sujeito extremamente caprichoso. Gostava de tudo em perfeita ordem. Sua oficina era um primor. Em Ubatuba, no tempo de meus avós e tios, a autossuficiência era uma questão muito importante. Construir uma casa, consertar o pneu de uma bicicleta, revelar fotos tiradas naqueles caixotes pretos da Kodak, tudo isso fazia parte da vida deles.

Sebo de livros (fonte: http://conselhogratis.com.br/sebos-online/)
Sebo de livros (fonte: http://conselhogratis.com.br/sebos-online/)

Até hoje mora aqui em casa a velha mesa de marceneiro de Jango Teixeira que, depois de viver uns tempos na casa de Waldemar, hoje enfeita a minha sala como, ela também, a mesa, um “tipo inesquecível” que me faz viajar no tempo das minhas boas lembranças de menino.

Para não perder a oportunidade vou citar um tipo inesquecível para mim, que foi meu tio Waldemar, o caprichoso. Ele gostava tanto de Seleções que fez três assinaturas da revista. Uma para ler, outra para as crianças rasgarem e uma terceira para ser colecionada. Com certeza, uma dessas coleções intactas, que encontramos nos sebos, pertenceu ao meu tio Waldemar.

Todos nós temos nossos próprios “tipos inesquecíveis” e lembrá-los é um ótimo exercício para quem quer manter um elo afetivo e saboroso com o passado.

Renato Teixeira

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Publicado originalmente na edição 588 do Jornal Contato

 

 

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