Publicado originalmente em 3 de maio de 2012
Já faz mais de uma semana que o Dia do Índio passou. Só agora, contudo, tenho a oportunidade de dizer algo sobre esse assunto. Isso porque andei ocupado com os preparativos para o habitual Simpósio Indígena da Uninorte, coordenado pelos cursos de História e Turismo da faculdade. Na edição desse ano o tema privilegiado foi a presença indígenas nos museus.
Antes de falarmos sobre indígenas ou museus devemos derrubar dois mitos: primeiro, de que os indígenas são um povo do passado e, segundo, que um museu é um depósito de coisas do passado. A imagem que temos de indígena geralmente diz respeito á uma tribo vivendo no meio do mato, caçando e pescando quando quer e não quando necessita (no melhor estilo macunaímico do “ai, que preguiça!”). Por conta dessa visão o índio sempre foi visto como um entrave ao progresso, seja da Coroa ou do Estado brasileiro.
As reservas indígenas foram criadas não só para preservar a cultura indígena, mas para retirá-la dos caminhos do “desenvolvimento”. Claro, o desenvolvimento capitalista e não o sustentável, que já é praticado por essas sociedades ditas “selvagens” há muito tempo. Até pouco tempo não se enxergava o indígena como uma coletividade complexa e histórica. Para se ter uma ideia da sua diversidade, existiam povos como os Tupinambás que cultivavam a guerra e outros como os Ashaninca, na fronteira do Brasil com o Peru, que tinham como essência a diplomacia e o diálogo. A cultura indígena também não é monolítica, ela se transforma com o tempo também, como toda cultura. Almir Diniz de Carvalho Júnior em estudo sobre líderes indígenas cristãos na ordem colonial demonstra bem essa ressignificação cultural, a construção de um modo indígena de ser cristão, por exemplo.
Quanto aos museus, o nome é de origem grega e se reporta à Casa das Musas. Musas, como sabemos, são entidades que representam as artes liberais, responsáveis por inspirarem os artistas. Portanto, inicialmente o museu seria um espaço de arte e de lazer. Após a Revolução Francesa, o museu surge na Europa como espaço essencialmente do passado e como instrumento da identidade nacional: lá estão os símbolos da construção do passado da nossa nação, resumindo. Recentemente reformulou-se a função do museu. Agora ele passa a ser visto como espaço de conhecimento, de cultura e de lazer (seria uma volta á concepção grega?).
Os indígenas entraram nos museus como lembranças de um passado distante da Humanidade, no caso da Europa, ou como resíduos de um passado recente, no caso do Brasil. Com o novo olhar sobre o índio e sobre o museu, o seu papel nesse espaço também muda. O indígena passa a ser convidado a participar da construção dos museus. Nesse sentido, o caso mais importante seja o do Museu Maguta. Fundado pela organização do povo Ticuna do município amazonense de Benjamin Constant no final dos anos 80, quando a militância indígena se fortaleceu, esse museu conta com um acervo doado por vários colaboradores. O Museu Maguta funcionou como espaço de memória e de ação dos ativistas Ticunas por alguns anos até ser fechado em 1997.
A experiência serviu de incentivo para o Núcleo de Cultura Indígena, na época presidido por Ailton Krenak, sugerir á prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, a criação de um espaço próprio para os povos indígenas na Casa do Sertanista em 1989. A Embaixada dos Povos da Floresta, esse foi o nome dado á seu projeto, também teve vida curta, mas serviu, como no caso do Museu Maguta, para promover uma desmitificação dos indígenas na sociedade. O jornalista e pesquisador José Ribamar Bessa Freira destaca estas duas experiências, ao lado de outras, como essenciais para que os índios descobrissem o potencial político do museu.
Curioso que o Estado que menos se vê como indígena seja aquele que possui a maior quantidade de topônimos indígenas (Taubaté, Guaratinguetá, Anhembi, Morumbi, Botucatu, Piratininga, etc) e a cidade com maior número de índios em zona urbana (São Paulo, segundo o Censo do IBGE de 2010, possui 11,9 mil indígenas vivendo em seu perímetro urbano). Igualmente curiosa é a situação de outro Estado, esse mais ao Norte, que possui a maior quantidade de indígenas em sua população (aproximadamente 20%) e ainda possui preconceitos tradicionais com estes povos. Seja onde for, o indígena ainda é encarado como um elemento inconveniente para o progresso ou para a História. Nesse sentido, precisamos de muitos Magutas e Embaixadas da Floresta.
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2 Comments
Maravilhoso artigo de Vinicius Alves do Amaral. Precisamos sim falar the figura do índio que faz parte the formação do povo brasileiro. Parabéns Vinicius. Profa.Ms. Kátia Rico
Para os interessados em ler minha dissertação de mestrado que fala da escravidão indígena no Vale do Paraíba no século XVII entrar no site http://www.teses.usp.br. Lá foi feito um levantamento das prováveis aldeias que existiam em nossa região antes de ser "civilizada".