Em 1906 os presidentes dos estado do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo se reuniram em Taubaté para a consagração de um dos mais importantes acordos políticos da história do Brasil republicano.

Os motivos imediatos para explicar o porquê de Nilo Peçanha, Jorge Tibiriçá e Francisco Sales se reunirem em Taubaté para a assinatura do Convênio do Café são de ordem geográfica e política. Primeiro porque a cidade é uma espécie de eixo entre as capitais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A outra é mais complexa e também se divide em outras duas categorias: 1) Taubaté era uma espécie de segunda capital do estado, dado a sua relevância política e econômica. Não vamos discorrer sobre isso neste texto. 2) uma disputa interna no Partido Republicano Paulista que colocava em campos opostos os presidentes dos três estados e o presidente da república, o Conselheiro Rodrigues Alves.

POLÍTICA DOS GOVERNADORES

O Convênio de Taubaté foi a coroação de uma política de Estado implementada ao longo do governo Campos Sales (1898 – 1902), que se propôs a institucionalizar uma dinâmica política informal que ocorria durante o Império na qual era feito um ajustamento das decisões políticas em função das forças produtivas do país. Em linhas gerais, o Estado se esforçaria em garantir privilégios às regiões que detinham maior participação na economia nacional. Ele propôs a despolitização da estrutura governamental, deixando a organização republicana sujeita às vicissitudes de cada localidade.

Isso é a base da política dos governadores: um governo central despolitizado com atuação submetida às oligarquias regionais. O Governo Central agiria à semelhança do Poder Moderador que vigorou durante o Império.

O projeto de Campos Sales andou a passos lentos no governo seguinte. O Conselheiro Rodrigues Alves, seu sucessor, assumiu para si outras demandas, em especial a criação de uma nova imagem para o Brasil, promovendo reformas sociais e sanitárias, concentrando esforços no embelezamento da capital da república, o Rio de Janeiro. Além disso, apesar de ter sido o primeiro beneficiado da política dos governadores, o presidente nunca declarou apoio a propostas de fortalecimento regional.

— O café dá para tudo. Isso de plantar mantimento é estupidez. Café. Só café.

— Mas, com seu perdão, major, se algum dia, que Deus nos livre, o café baixar e...

— O café não baixa e se baixar sobe de novo. Vocês não entendem dessa história — e depois, olhe, eu não admito ideias revolucionárias em minha casa, já ouviu?

Trecho do conto "Café, café", de Monteiro Lobato
Imagem: Plantação de café - Johan Jacob Steinmann/ Arquivo Nacional)

A COTAÇÃO DO CAFÉ

Como qualquer outro produto, o preço do café é regulado pela relação entre oferta (quanto há do produto disponível) e procura (qual a demanda por esse produto). Quando há mais oferta do que procura, o produto tende a desvalorizar, do contrário, a tendência é a valorização.

Até meados do século XIX o Brasil encontrava pouca concorrência no mercado mundial do café e, por isso, determinava os preços. Com o desenvolvimento urbano e industrial experimentados sobretudo pela Inglaterra e Estados Unidos na segunda metade do século, a demanda por café aumentou, o que beneficiou a lavoura brasileira com preços cada vez mais altos. Estudo do economista Fernando Ribeiro (2010) indica que entre 1882 e 1905 a demanda por café teve uma expansão de 71% (3,1% ao ano).

O mercado aquecido estimulou o aumento da produção. Ribeiro afirma que só em São Paulo, o número de cafezais saltou de 106 milhões em 1875 para 465 milhões em 1897. O efeito adverso foi sentido já nas safras de 1893/94, com acentuada depreciação do preço do produto. Soma-se a isso a reforma bancária de 1890, realizada por Rui Barbosa, que  fez aumentar a circulação de dinheiro promovendo forte desvalorização cambial.

A capacidade do governo em lidar com a depreciação do preço do principal produto nacional era minada em virtude de sucessivas crises, fosse por levantes antirrepublicanos ou pelas crises climáticas do nordeste, passando até por efeitos exógenos, como as a descrença do mercado externo com a economia da América Latina.

Consumo mundial de café
(Mil sacas de 60Kg e var. %) 1882/83-1904/05
Fonte: Fonte: Anuário Estatístico do Café (1.934).
  • Mil sacas de 60kg
  • Variação (%)

A POLÍTICA EM TAUBATÉ

Desde a proclamação da República, Taubaté ficou dividida politicamente em duas grandes frentes: uma sob a liderança da elite cafeicultora historicamente ligada à monarquia, e outra sob a liderança de uma elite cafeicultora e industrial que aglutinava republicanos históricos e adesistas.

A primeira tinha como principal referência José Francisco Monteiro, o Visconde de Tremembé, que formou uma solida base de apoio, composta de outros grandes fazendeiros locais e profissionais liberais e que lançou outras tantas lideranças políticas, entre os quais se destacavam os advogados Gastão e Eusébio da Câmara Leal, os Cônegos Antônio Nascimento Castro e Valois de Castro e aquele que seria o sucessor do Visconde, o Dr. Pedro de Oliveira Costa, advogado e fazendeiro.

O outro grupo era mais heterogêneo, mas atuava sob a tutela do senador Joaquim Lopes Chaves, representado por seu enteado, José Benedito Marcondes de Mattos, que por sua vez liderava um grupo formado pelo engenheiro Fernando de Mattos, o industrial Felix Guisard e o fazendeiro José Gomes Vieira. Esse grupo era o que comandava a política municipal quando o Convênio de Taubaté foi assinado.

1902 -1906

O quadriênio que corresponde ao governo Rodrigues Alves foi de agitação nas três instâncias do Poder Executivo. Na esfera municipal, o grupo dominante perdia relevância e Marcondes de Mattos passou a ser um líder contestado. Seu grupo começou a ser desmembrado, inicialmente com o afastamento de um de seus pilares, o industrial Felix Guisard, que renunciou, em 1902, o cargo de vereador ao qual foi eleito com a segunda maior votação. Ao longo do tempo e conforme Mattos enfraquecia, outros nomes importantes foram se afastando, até que em 1906 tenta seu último tiro, que foi o apoio para a oficialização da Política de Valorização do Café.

Na esfera estadual, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo costuravam uma aliança para a formação da região mais poderosa da República. Um acordo de cooperação que determinaria os rumos da economia nacional das décadas seguintes e também a sucessão presidencial.

As costuras das elites regionais foram ignoradas pelo governo federal por conta das sucessivas demandas emergenciais enfrentadas pelo Catete. O Governo estava empenhado em mudar a imagem do país por meio da reurbanização de locais públicos degradados, especialmente na capital do país.

Para tanto, enfrentou a revolta dos mais pobres, que foram empurrados para as periferias (foi quando nasceram as primeiras favelas cariocas), e da classe média, que perdeu capacidade de negociação com a alta no preço dos imóveis no centro da capital. Mais tarde enfrentou a Revolta da Vacina e uma sucessão de pequenas crises como a tragédia do Encouraçado Aquibadã e as enchentes de 1906 na capital fluminense.

Charge publicada na revista O Malho, de 24 de março de 1906 (Acervo Biblioteca Nacional)

O Catete x Taubaté

Mesmo antes do Convênio, o Senador Lopes Chaves, em oposição a Rodrigues Alves, era um dos que apoiavam a ideia de que o governo criasse meios para garantir a sustentação da economia cafeeira. Estava, portanto, estabelecida a queda de braço em que que os grupos taubateanos se apoiaram.

Lopes Chaves era natural de Jacareí, mas fez carreira política em Taubaté, onde constituiu família, e teve projeção política. É obra dele a construção de um dos mais conhecidos patrimônios arquitetônicos da cidade, a Vila Santo Aleixo.

Rodrigues Alves também é fruto do Vale do Paraíba. Nascido em Guaratinguetá, tinha na região o seu reduto eleitoral. O apoio de grupos políticos em seu berço era, portanto, estratégico, tendo em vista que até as vésperas da eleição presidencial esperava-se que o candidato que ele apoiasse para a sua sucessão seria quem teria mais chances de assumir a cadeira do posto mais alto da República.

Seria natural supor que aqueles que se viam alijados do poder local se aproximassem do presidente da República para ampliar sua capacidade de influência. Foi exatamente o que aconteceu: os opositores de Marcondes de Mattos e Lopes Chaves se aproximaram do Catete e conquistaram o apoio do Presidente.

O Conselheiro Rodrigues Alves passou a ser o braço forte do grupo que fazia oposição ao Coronel José Benedito Marcondes de Mattos. O presidente desaprovava a medida dos três estados em função da autonomia exacerbada que eles teriam, o que promoveria a suplantação do poder do presidente em em favor das elites regionais que determinariam os rumos da política nacional. Aquilo seria um pacto travestido de acordo de cooperação econômica.

Esse apoio aos grupos locais não impediria a assinatura do Convênio, mas influenciou na mudança do poder local.

A assinatura do convênio

José Benedito Marcondes de Mattos

Durante a queda de braço entre senador e presidente da república, aquele influenciou que os líderes políticos de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo se reunissem em Taubaté para a oficialização do convênio que criaria estabilidade cambial ao Brasil.

A ambição do grupo liderado por Lopes Chaves era a de que o apoio político dos presidentes dos três estados mais ricos seria o fôlego a mais que precisariam para se manter no poder.

José Benedito Marcondes de Mattos foi, então, o responsável pelos preparativos de recepção das autoriadades estaduais na cidade, hospedando-os em sua própria residência.

O evento ocorreu em 26 de fevereiro de 1906. A assinatura do Convênio de Taubaté foi feita na Câmara Municipal e as celebrações no palacete Marcondes de Mattos.

Em linhas gerais, o convênio estabelecia: que o governo adquiriria os excedentes dos cafeicultores; autorizava os governos que faziam parte do convênio a contrair empréstimos no exterior para financiar as aquisições de café; que os governos implementariam medidas que desestimulassem a expansão das lavouras pelos cafeicultores; e a criação da caixa de conversão, que permitia a troca de ouro por títulos públicos com valor equivalente.

Rodrigues Alves arrastou a decisão de ratificar o acordo por meses mas, em função do federalismo, os estados se movimentaram e já praticavam o acordo, inclusive contraindo empréstimos no exterior.

Jornal A Verdade

E o velho major recaiu em cisma profunda. A colheita não prometia pouco:
florada magnífica, tempo ajuizado, sem ventanias nem geadas. Mas os preços, os preços! Uma infâmia! Café a seis mil-réis, onde se viu isso? E ele que anos atrás vendera-o a trinta! E este Governo, santo Deus, que não protege a lavoura, que não cria bancos regionais, que não obriga o estrangeiro a pagar o precioso grão a peso de ouro!

E depois não queriam que ele fosse monarquista... Havia de ser, havia de detestar a República porque era ela a causa de tamanha calamidade, ela com seus Campos Sales de bobagem.

Trecho do conto "Café, café", de Monteiro Lobato
Imagem: Embarque do café para a Europa - Marc Ferrèz (Instituto Moreira Sales)

Eleições

Aquele era ano eleitoral e Taubaté já contava com um grupo de oposição e com chances reais de vitória sobre o candidato indicado pelo governo municipal. Na escolha para deputados federais, Rebolças de Carvalho, apoiado por Marcondes de Mattos, saiu vitorioso, mas o candidato de oposição, Costa Junior, recebeu significativa quantidade de votos, o que o alavancou como suplente para o cargo.

Aparentemente, a posição de Marcondes de Mattos como líder político da cidade estava assegurada, já que um deputado federal sob seu patrocínio seria o responsável pela costura de apoios fora da cidade. A reviravolta, no entanto, aconteceu em setembro de 1906, quando Rebolças de Carvalho faleceu e o cargo foi ocupado por Costa Junior, agente da oposição taubateana.

A morte do político apoiador foi o estopim para o fim do domínio de Marcondes de Mattos sobre Taubaté. No ano seguinte o político foi defenestrado em processo eleitoral, renunciando a candidatura e dando lugar para aquele que se tornou seu principal opositor, Pedro de Oliveira Costa.

Charge publicada na revista O Malho, de 24 de março de 1906 (Acervo Biblioteca Nacional)

Tiro no pé

Aquele era ano eleitoral e Taubaté já contava com um grupo de oposição e com chances reais de vitória sobre o candidato indicado pelo governo municipal. Na escolha para deputados federais, Rebolças de Carvalho, apoiado por Marcondes de Mattos, saiu vitorioso, mas o candidato de oposição, Costa Junior, recebeu significativa quantidade de votos, o que o alavancou como suplente para o cargo.

Aparentemente, a posição de Marcondes de Mattos como líder político da cidade estava assegurada, já que um deputado federal sob seu patrocínio seria o responsável pela costura de apoios fora da cidade. A reviravolta, no entanto, aconteceu em setembro de 1906, quando Rebolças de Carvalho faleceu e o cargo foi ocupado por Costa Junior, agente da oposição taubateana.

A morte do político apoiador foi o estopim para o fim do domínio de Marcondes de Mattos sobre Taubaté. No ano seguinte o político foi defenestrado em processo eleitoral, renunciando a candidatura e dando lugar para aquele que se tornou seu principal opositor, Pedro de Oliveira Costa.

Em um primeiro momento, o patrocínio para a assinatura do Convênio de Taubaté que serviria para garantir a sobrevivência de Marcondes de Mattos na política aparentou sucesso, tendo em vista ter conquistado, por meio de um apadrinhado político, uma cadeira no Congresso Federal. No entanto, os esforços contrários, especialmente de Pedro de Oliveira Costa, Costa Junior e Rodrigues Alves, foram definitivos no encerramento da sua carreira política. A demora no sucesso do Convênio minou qualquer possibilidade de fazer com que os presidentes de São Paulo, Rio e Minas pegassem em armas para defendê-lo. A morte de seu apadrinhado político foi só o acelerador da derrocada do domínio Marcondes de Mattos.

Depois disso, tudo na política taubateana mudou. Por quase duas décadas predominou o que foi chamado na imprensa local de “Costismo”, quando uma sucessão de políticos fieis a Pedro Costa lideraram o Paço Municipal.

A razão da assinatura do convênio ter sido em Taubaté é, portanto, muito mais por uma queda de braço do que por razões geográficas.

E na esfera federal, Rodrigues Alves não conseguiu emplacar um sucessor. Afonso Pena, eleito presidente no seu lugar, ratificou o acordo e ele passou a valer para todo território. Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo controlaram a política nacional até a falência da monocultura cafeeira.

Texto e pesquisa por Angelo Rubim