Texto de Oswaldo Barbosa Guisard
A custa dos muitos “trotes” que levamos de papai, que muitas vezes nos mandava – imperativamente vir para a cidade a qualquer hora da noite – – porque eu e meus irmãos já estávamos ficando um tanto “taludinhos” e o Bernardo “Louco” já havia morrido, fomos tomando coragem e ficando dispostos a enfrentar quaisquer situações naquele trecho de trevas que ia do largo do Convento até a Chácara de Vovô e para até adiante o bairro da Santa Cruz. E ficávamos valentes com os nossos companheiros “João Lapa”, mais o Amadeu Mazzini, Ireno, Virgílio e outros. A turma era da “virada”.
Às vezes eu vinha para a cidade e quando não estava muito disposto a enfrentar a escuridão tenebrosa, desde o largo do Convento, para voltar, ia me socorrer na casa dos tios Licinia e Bernardino, à rua Sacramento n.º 28, para dormir.
E como não houvesse quartos de sobra apertada casa, os garotos pequenos e maiores dormíamos todos num quarto só. Nós os mais velhos, eu, o Andrieux, o Jaurés e outros fazíamos um esforço tremendo para não dormir logo, porque os bolsos das calças estavam cheios de barbantes fortes, de rolhas de cortiça e outros materiais destinados a “castigar” os que tivessm desventura de “pegar no sono” primeiro. O menos que acontecia para o “dorminhoco” era ficar tudo amarrado e com o rosto pintado, borrado de preto, escondidas peças de roupa para a luta da procura quando acordasse.
“Vai victiss!” – Ai dos vencidos! Coitados dos dorminhocos!
Confesso que, felizmente, sempre fui dos bambas, que aguentava o sono heroicamente.
No Areão a coisa era diferente. À tarde reunia-se a turma e combinavam todos. Hoje é dia. À noite iremos no morro do taquaral para assombrar o pessoal!
Ao lado do hoje paralisado “Cine Boa Vista”, descendo para o Areão, havia um morro empinado, tendo à direita um bambual bastante espesso. Sombrio, lúgubre no silencio das noites.
O morro era alto e solitário. Hoje não existe mais, tendo em vista o desgaste que ali ocorreu. O progresso acabou com o morro e os bambus.
Entre 9 e 10 horas da noite, seguíamos para o taquaral, em noites escuras como o breu e nos embrenhávamos em meio ao bambual. Uma loucura, porque ali havia até mesmo muitas cobras perigosas, venenosas como as espécies de jararacas.
Subíamos entre os bambus e os arcávamos e os arcávamos bastante até descerem sobre o meio do caminho na escuridão, com um barulho de realmente fazer medo a qualquer cristão desprevenido. As noites escuras do famoso “luar tuberculoso” de que fala o poeta eram as nossas preferidas. E ás vezes levávamos lençóis velhos que estendíamos no meio da estrada, no meio do morro, para espantar os “valientes” que, muitos voltavam e outros passavam correndo ao lada da “assombração”. É certo que as trevas, a escuridão, acovardam os homens.
Certo dia, em nosso grupinho no Areão, o “Lapa” lamentava que eu tivesse dormido na cidade e não pudesse participar da divertida assombração da véspera:
– Pois é, dizia “João Lapa” escancarando a bocarra e exibindo os grandes dentes, suas fileiras ajustadas, de marfim, semblante sorridente e malicioso:
– Foi pena você não estar aqui. Atropelamos meio mundo no morro!…
E, então… fez uma pausa… Tinha um rapazinho de boné, que de pouco em pouco, foi até o meio do morro. Parava. Hesitava. Queria ir para frente, mas parece que as pernas não ajudavam. Nós jogávamos pedras adiante dele e fazíamos barulho no taquaral. O Messias assoprava um apito de bambu grosso. E quando o Eduardo levantou a “caveira de mamão” com a vela dentro, acesa, riscou uma bombinha e estourou no meio da estrada escura, o garoto correu mais do que um veado subindo o morro de volta!
Nós rimos a valer!…
– Concordei, sentindo não ter participado da aventura… porque… o garoto era eu!
O morro do Areão ficou famoso: Juntava gente todas as noites para procura ver a assombração! E, quando a polícia também tomou conhecimento do caso… os “fantasmas” fizeram uma assembléia e resolveram dormir mais cedo!…
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Oswaldo Barbosa Guisard – Texto retirado do Livro Taubaté no Aflorar do Século
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