Absolutismo em Taubaté?

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Por Fabiana Pazzine

Mandar às favas a Constituição e governar em regime de Monarquia Absoluta. Foi essa proposta feita em 1825 a D. Pedro I em Taubaté com a anuência das vilas de Pindamonhangaba e São Luiz do Paraitinga.

O período político posterior à independência do Brasil foi bastante conturbado, pois havia um problema diplomático entre Brasil e Portugal, intermediado pela Inglaterra, proveniente da necessidade de se fazer com que a proclamação fosse reconhecida, ao mesmo tempo em que a política brasileira pretendia determinar suas características próprias.

A independência do Brasil, proclamada em 07 de setembro de 1822, mostrou a necessidade de se organizar a política nacional. Se antes a política brasileira era um reflexo da portuguesa, a partir desse momento, ela precisava ser delimitada de acordo com as necessidades políticas territoriais. Assim sendo, em 1824, foi imposta por D. Pedro I a primeira Constituição brasileira, que possuía traços liberais, já que havia a divisão do poder nas esferas: executiva, legislativa e judiciária, mas ao mesmo tempo, instituía o Poder Moderador anulando a autonomia dos outros  três poderes.

Assembléia Constituinte de 1823
Assembléia Constituinte de 1823

A primeira Constituição brasileira gerou bastante discussão, pois alguns estados sentiram-se excluídos da política brasileira, sendo consequência desta Constituição a Confederação do Equador. Em todo o país surgiram manifestações favoráveis e contrárias à nova constituição, aparecendo neste momento a divisão entre constitucionalistas e absolutistas. A discussão entre constitucionalistas e absolutistas se deu em várias regiões do país e faz parte de um contexto de decisões para um projeto político brasileiro. E, apesar das diferenças ideológicas de ambos os grupos, o segundo deles não se abstinha de possuir os privilégios de uma constituição, ao mesmo tempo, em que não houve uma oposição à figura do imperador, apenas uma divergência de interesses:

Durante a marcha das negociações, os partidos políticos em todo o Brazil decifravão-se em dous mais salientes. De hum lado os absolutistas, compreendendo todos os indivíduos que havião ocupado empregos no precedente reinado, grande numero de Portuguezes ricos, e muitos indivíduos que, se bem que admitissem as vantagens do governo constitucional em abstracto, negavão a politica da sua aplicação á população ignorante e heterogênea do Brasil. Do outro militavão os aderentes á Constituição tal qual estava concebida, que bem se podem ainda denominar os patriotas; cada hum destes partidos reconhecia-se partidista de D. Pedro, mas procurava fundar a administração segundo suas vistas particulares. Nos primeiros tempos que se seguirão á publicação do código constitucional, os absolutistas havião-se cohibido de advogar as suas opiniões, porém os actos recentes da administração havião feito renascer as suas esperanças [1].

Alegoria de Juramento a Constituição de 1824 Dom Pedro salva a índia que representa o Brasil da ameaça do absolutismo.
Alegoria de Juramento a Constituição de 1824
Dom Pedro salva a índia que representa o Brasil da ameaça do absolutismo.

Em Taubaté, um grupo de políticos representados por Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza Chichorro, então de Juiz de Fora na cidade, acreditava que o regime da monarquia absoluta seria o melhor para o país e não enxergava a necessidade de uma Constituição, pois alegava que o poder deveria vir somente do imperador.

Em maio de 1825, D. Pedro I respondia a uma proposta enviada por Chichorro em nome das Câmaras das Vilas de Taubaté, São Luiz e de Pindamonhangaba[2] que haviam pedido a substituição do governo Constitucional para o da Monarquia Absoluta.  Em resposta, o imperador dizia que apesar de ver no pedido provas de fidelidade dessas vilas, afirmava que tais pedidos jamais seriam atendidos, uma vez que, considerava a Constituição o melhor para o Brasil e lembrava ainda do juramento que havia feito e das obrigações dos juízes. Sendo assim, decretou a suspensão do cargo do Bacharel Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza Chichorro, Juiz de Fora de Taubaté e o chamava imediatamente para responder diante dos tribunais pelos seus atos criminosos. Chichorro havia sido acusado de ter adulado o imperador com a finalidade de confundi-lo e atrapalhar o desenvolvimento do Brasil.

Segundo o texto do livro “O Padre Amaro”[3], o Imperador não desejava instalar no Brasil um regime democrático por meio da Constituição, mesmo porque considerava este tipo de regime perigoso, mas falava da necessidade da instituição da Constituição e não aceitava a contestação da lei.

O caso de Chichorro, mostrava que o adulador não conseguia uma promoção, mas sim uma demissão, uma vez que sua opinião não poderia ser manipulada e que governaria só com huma Constituição, e que não devia, nem queria governar de outro modo[4]  e havia ainda a desconfiança de que o ato de Chichorro, a partir de então chamado de Chichorrada, estaria associado ao Partido Republicano para aborrecer o Imperador e, por isso, apesar de considerar o feito do juiz ínfimo, a punição era severa para que servisse de exemplo para aqueles que tivessem interesses pessoais ou partidários ao bajular o imperador.

Pedido enviado pela Câmara de Taubaté[5]:

Ao primeiro dia do mez de Maio de mil oitocentos e vinte e cinco anos, nesta Villa de Thaubaté, em os Paços do Conselho dela, aonde se achava o Ministro Doutor Juiz de Fóra Presidente o Commendador Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza Chichorro, e os Vereadores o Capitão Domingos Ferreira da Silva, o Capitão Miguel Rodrigues Monte Mór, e o Sargento Mór Francisco Ramos da Silva, e o Procurador transacto  o Alferes Honorio Correa de Toledo, em lugar do actual João Custodio de Albuquerque, por estar ausente em sua fazenda; e ahi pelo dito Presidente foi proposto, que lhe constava que o Povo da Cidade de S. Paulo pertendia aclamar a S. M. I. por Imperador absoluto deste Imperio, reconhecendo ser este o voto talvez geral dos Cidadãos de todo o Imperio; e por tanto ele Presidente, bem que  muito certo da fidelidade, e amor desta Câmara, e de todo o Povo Thaubateano para com a Augusta Pessoa de S. M. o Imperador, todavia queria ouvir o voto de cada hum dos Vereadores, e Procurador do Conselho; e unanimemente foi respondido, e assentado por todos, que como bons, e fieis Vassalos de tão amável Soberano, querem que S. M. I. governe os seus Povos como Monarcha absoluto, assim, e da mesma maneira que o fizeram Seus Augustos Antecessores, Reis de Portugal, e que esta Camara prorata a aclamar por Imperador absoluto, logo que assim lhe seja ordenado pelo Mesmo Augusto Senhor, ou pelo Excellentissimo Governo desta Provincia. e nada mais se contém em o dito artigo da referida Acta, que está assignada pelos mencionados Juiz de Fóra Presidente, Vereadores, e Procurador, e a ele me reporto. E para constar passei a presente Certidão em observância da Portaria retro, nesta Villa de S. Francisco das Chagas de Thaubaté ao primeiro de Maio de mil oito centos e vinte cinco.

Um dia após o pedido da Câmara de Taubaté, dois de maio de 1825, Chichorro em um procedimento semelhante ao feito em Taubaté, dirigia-se a Vila de Pindamonhangaba que também declarou seu apoio à proclamação de D. Pedro I como o monarca absolutista do país[6].

Segundo o jornal “O Farol Paulistano” de 05 de janeiro de 1828[7], o juiz de Taubaté, o qual chamava de energúmeno, havia sido inocentado, apesar de um dos julgadores ter manifestado a desaprovação do próprio imperador.

Em agosto de 1825, “O Spectador Brasileiro”, um jornal do Rio de Janeiro, trazia a cópia de uma carta não assinada vinda de Guaratinguetá, que dizia sentir felicidade da Câmara da Vila de Guaratinguetá não estar envolvida nos criminosos atos como as de Taubaté, Pindamonhangaba e S. Luiz e dizia que as câmaras destas vilas eram desgraçadas[8].

Já “A Aurora Fluminense” de 16 de julho de 1828 dizia que Chichorro havia proclamado o absolutismo e que havia ouvido a seguinte informação (sem atribuir autor a frase) a respeito do juiz: o Sr. Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho de Souza Chichorro era uma mancha dos Magistrados, a vergonha dos Empregados públicos, a injuria dos Brasileiros, e a borra do gênero humano[9]. Ainda em 23  de julho de 1828 (A Aurora Fluminense), o feito do juiz era lembrado em uma sessão para avaliar um requerimento da Comissão de Poderes, pelo Sr. Costa Carvalho:

Que aquelle Ouvidor era Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza e Chixorro, que sendo Juiz de Fora de Taubaté concitou as Camaras daquela Villa, e outras de sua jurisdição, para aclamarem ao Imperador absoluto; e que julgado sem crime pela caza de Supplicação foi ainda premiado, (com horror, e execração da Provincia) dando-se-lhe a Ouvidoria; em que ele tão despejadamente delinquira; que fora de duvida que nunca podia ser numerado entre os Representantes do Brasil […]

A Aurora Fluminense, 23/07/1828
A Aurora Fluminense, 23/07/1828

Toda discussão havia começado pela falta do Sr. Vergueiro na sessão e havendo a possibilidade do substituto ser o Juiz de Fora de Taubaté. Vários deputados, assim como Costa Carvalho, não concordavam com a possível participação de Chichorro. Em resposta a esse embate, o Sr. Feijó, na mesma sessão, disse:

Que bem sentia discordar da opinião dos Srs. Deputados, que acabavão de falar; que o seu parecer era, que se satisfizesse o peditório da Commissão; que já que a Supplicação não só o julgou inocente, mas também benemérito, talvez a sorte nos favorecesse, remetendo-o para aqui[10].

O desejo de se montar uma monarquia absolutista não veio apenas de Taubaté, mas também da Bahia e da região Cisplatina, e o grande medo em torno desses movimentos não era simplesmente o apoio ao absolutismo, mas sim um possível apoio à Portugal, contrário, portanto, a independência do Brasil.[11]

D. Pedro I. Acervo Público Mineiro
D. Pedro I. Acervo Público Mineiro

Mesmo que em seus discursos o Imperador se mantivesse favorável à independência, à liberdade e à Constituição, na prática, os absolutistas encontravam em seus atos apoio à sua causa. E os absolutistas acabaram sentindo um ânimo novo em prol de seus interesses quando a liberdade de imprensa no Brasil havia sido restringida, mesmo que uma lei apontando essa limitação não existisse. Essa restrição à liberdade de imprensa (O Padre Amaro)[12] teria sido conduzida por Francisco Gomes da Silva, mais conhecido como Chalaça.  E assim,

animados por esta linha de conducta retrógada, os chefes do partido absolutista em diversos pontos do Imperio simultaneamente dirigirão requerimentos a Sua Magestade, para que de uma vez annullasse a Constituição; e o que parecerá extraordinário, os requerimentos havião sido desattendidos, e os requerentes obtivérão distincções. Jacob Conrado de Niemeyer, Presidente de huma comissão militar nomeada para processar os rebeldes do Ceará, e hum desses requerentes, foi remunerado com a ordem do Cruzeiro; Chichorro Juiz de Fóra de Taubaté, que proclamára o governo absoluto em tres villas da província de S. Paulo, recebeu agradecimentos pelo Ministro do Imperio, o Conde de Valença, em nome de Sua Magestade; Teixeira; morador em Itaparica, que escrevêra em 1824 ao Ministro da Justiça, Clemente Ferreira França, a favor do governo absoluto, e que depois empregára o seu requerimento de igual natureza, foi honrado, o Presidente com a Commenda, e os demais membros com o Habito de Christo[13].

             O feito de Chichorro que lhe rendeu vários insultos não foi isolado e encontra-se nesse contexto de afirmação de uma política nacional. E apesar de chamado por diversas vezes como traidor e de ter sido chamado a uma punição, acabou sendo premiado.


[1] Historia do Brazil: desde a chegada da real familia de Braganca, em 1808, até a abdicação do imperador D. Pedro I, em 1831.  Autor:                John Armitage; Joaquim Teixeira de Macedo; Oliveira Lima. Editora:Rio de Janeiro : Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1837. p. 132.

[2]  O Spectador Brasileiro, 06/07/1825

[3] O Padre Amaro ou Sovela política, histórica e literária. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=KggYAQAAIAAJ&pg=PA93&lpg=PA93&dq=manoel+da+cunha+azeredo+coutinho+souza+chichorro&source=bl&ots=d4kRa5eGwy&sig=rVSqEDe5w7FbpXK18a7vOA0LrdU&hl=pt-&sa=X&ei=tNGkUffmNc6J0QGRlYAg&ved=0CFcQ6AEwCA#v=onepage&q=taubat%C3%A9&f=false.

[4] Idem, p. 103.

[5] Diário Fluminense – 03/05/1825. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=706744&pasta=ano%20182&pesq=chichorro)

[6]  Diário Fluminense. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=706744&PagFis=424&Pesq=chichorro)

[7]Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=700169&pasta=ano%20182&pesq=taubat%C3%A9

[8] Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=700126&pesq=taubat%C3%A9&pasta=ano%20182.

[9] Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=706795&pesq=chichorro&pasta=ano%20182

[10] Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=706795&pesq=chichorro&pasta=ano%20182.

[12] O Padre Amaro ou Sovela política, histórica e literária. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=KggYAQAAIAAJ&pg=PA93&lpg=PA93&dq=manoel+da+cunha+azeredo+coutinho+souza+chichorro&source=bl&ots=d4kRa5eGwy&sig=rVSqEDe5w7FbpXK18a7vOA0LrdU&hl=pt-&sa=X&ei=tNGkUffmNc6J0QGRlYAg&ved=0CFcQ6AEwCA#v=onepage&q=taubat%C3%A9&f=false

[13] Idem. Pp. 136 – 137.

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Fabiana Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.

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