O Carnaval Taubateano

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Texto de Emílio Amadei Beringhs

Setembro de 1961

Carnaval taubateano teve seus tempos áureos nos fins do século passado, penetrando no atual até aproximadamente 1915. Depois disso entrou em franca decadência. Por certo estamos nos referindo apenas, ao carnaval de rua, ao tríduo do povo, o carnaval em que todos tomam parte, comungando na mesma alegria e no mesmo entusiasmo. O carnaval essencialmente popular.

Até quando nos lembramos dos bons tempos do velho carnaval taubateano, ou daquilo que lemos nos velhos documentos, vamos encontrar por volta de 1891, o registro de um dos mais aguerridos grupos carnavalescos, que tinha o sugestivos nome de “Operários da CTI”. Era no início da fabulosa indústria que sacudia o marasmo do Vale do Paraíba, envolto, até há pouco, nas dobras de uma densa nuvem de desalento, de retroação, prenunciando completo abandono, mergulhado que estava na mais cruciante crise econômica da sua história.

O Museu Histórico de Taubaté, hoje relegado, infelizmente, a um abandono injustificável que denota a incúria dos que nos governam, em relação à tradição, guarda ainda, ou até há bem pouco guardava, o estandarte desse grupo carnavalesco, dos últimos anos da era novecentista.

A segunda tentativa de organização carnavalesca , surgiu em 1898, aparecendo na cidade dois grupos de foliões de marcante projeção. Eram eles o grupo carnavalesco “Filhos de Plutão” e o grupo carnavalesco “Carmosin”. Esses dois grupos digladiavam-se alegremente, todos os anos.

O primeiro desses dois grupos deixou como recordação um formoso estandarte, todo bordado a ouro e prata e que também estava, ou ainda está, recolhido junto ao remanescente do Museu Histórico Municipal. Esses dois grupos digladiavam-se alegremente, todos os anos. Cada qual queria ser o melhor. E disso, longe da concorrência melhorar, como é hábito, resultou a destruição de ambos.

Nota publicada no Jornal de Taubaté, em 1891. Acervo DMPAH
Nota publicada no Jornal de Taubaté, em 1891. Acervo DMPAH

Contava o velho Camões, chefe do museu, que no ano que citamos e no qual se originou também o maior debate carnavalesco, um taubateano, estimado de todos e que já desapareceu há alguns anos, o Luís da Tenda, como era conhecido o inveterado torcedor do Esporte Clube Taubaté, teve  seu noivado desfeito, entre prantos, por ter sido o porta-bandeira do grupo “Filhos de Plutão”, enquanto sua noiva fazia parte do grupo “Carmosin”. Arlequim chorando pelo amor de Colombina…

Desaparecidos que foram esses dois grupos famosos, os gaiatos organizaram então o grupo “dos Coveiros”, que se incumbira de efetuar o “enterro” dos contendores. Desse mesmo grupo dos “Coveiros”, o nosso Museu deve guardar, ainda, em perfeito estado, o respectivo estandarte, que lá vimos.

Não se resumia apenas em grupos carnavalescos a folia da nossa cidade. Muitos carros alegóricos eram lançados, todos eles puxados por cavalos ricamente ajaezados. O quartel-general dos foliões, a esse tempo, já cerca de 1908, estava localizado na Praça Dr. Monteiro, no depósito de materiais do velho Pedro Duarte, fronteiriço à Casa Negrini.

Em lugar do lança-perfume, que só apareceu muito mais tarde, havia as bisnagas de borracha e as laranjinhas de cêra. Aquelas esguichavam “água-de-cheiro”enquanto estas, mais agressivas, cheias também com água perfumada, eram atiradas à distância, atingindo, ou não, o alvo preferido.

Ilustração faz referência ao bloco carnavalesco Os Coveiros. O Caixeiro de 1904 (acervo DMPAH)
Ilustração faz referência ao bloco carnavalesco Os Coveiros. O Caixeiro de 1904 (acervo DMPAH)

Para delícia dos nossos amigo, acostumados ao uso moderno dos lança-perfumes, delicados e caríssimos também, vamos tentar descrever esses dois elementos de tortura carnavalesca do nosso passado.

A bisnaga era formada por uma pêra de borracha, que tinha capacidade de duzentos gramas de líquido, mais ou menos. Um tubo, perfurado no centro, servia de esguicho.E era tudo. Apertava-se a pêra de borracha e o líquido joraava, fininho. Já a laranjinha era diferente. Derretia-se uma porção de cêra virgem. Quando estava estava em estado  líquido, mergulhava-se na mesma uma laranja (daí o nome) ou uma forma qualquer, redonda, que em seguida se retirava, deixando escorrer o excesso de cêra. Ao redor da fôrma ficava então o molde que, cortado ao meio, era retirado, colado em seguida cheio de líquido perfumado. Constitui a laranjinha, durante muitos anos, no verdadeiro enlêvo das mocinhas de família, que, com suas criadas ao lado, carregando cestos de laranjinhas, encontravam os seus alvos prediletos e os submetiam a um verdadeiro bombardeio, encharcando-os todos.

Assim era o carnaval antigo de Taubaté. Assim brincavam nossos ancestrais. Havia também, os mais decididos que jogavam pó-de-sapato ou farinha de trigo na vítima molhando-a depois. Baldes d’água ou tambores cheios do precioso líquido, que estiveram também em voga.

Cena de carnaval retrata o lança perfumes e a laranjinha. (Jean Baptiste Debret)

As máscaras foram sumindo com o tempo e pela ação da polícia preventiva. O carnaval de rua também sofreu a ação do tempo inexorável, surgindo, em seu lugar, os bailes de salões.

Aquela nota alegre da cidade, o “Zé Pereira” e depois os foliões a percorrerem as ruas, os blocos ou cordões, os estandartes vistosos carregados por mocinhas bonitas, vestidas a caráter, os carros alegóricos, os corsos, tudo isso pertence à História.

Hoje os estandartes descansam nos museus, como que a atestarem uma época em que o povo brincava muito mais. Assim foram os carnavais taubateanos de 1891, 1898, 1908 e tantos outros.

O último corso que se tornou notável em Taubaté, ocorreu cerca de 1927. Os antigos Ford de bigode e os Chevrolet-pavão, abertos, prestaram assinalados serviços aos foliões. Mas foi só. Com os novos carros, fechados, até isso desapareceu. Sic-transit-gloria-mundi…

Nota da redação: o museu citado no texto não é o mesmo Museu Histórico atual.

Emílio Amadei Beringhs
emilioDesde menino foi funcionário da CTI. Atuou por mais de 50 anos no jornalismo taubateano, descreveu com maestria o cotidiano taubateano. Integrou o Instituto Geográfico de São Paulo. Foi um dos pioneiros do rádio amadorismo no Vale. Na radiodifusão convencional, foi responsável, junto com Alberto Guisard, pela pioneira Rádio Bandeirantes. Em 1941, foi co-fundador da Rádio Difusora de Taubaté. Foi sócio fundador do Aero-Clube de Taubaté. Em 1967, escreve o primeiro volume do obrigatório livro Conversando com a Saudade, descrito por muitos como pedaços da alma de Taubaté. É, também, de sua autoria, a bandeira de Taubaté

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