O Abolicionismo lá e cá

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Por Fabiana Pazzine

O que foi o movimento abolicionista?

O movimento abolicionista defendeu a libertação dos escravos por um grupo de pessoas, fosse por meio de discursos políticos e textos publicados em jornais, fosse por meio de incentivos dados aos escravos com a finalidade de se rebelarem e fugirem. No Brasil e em Taubaté, esse movimento ficou mais intenso a partir da década de 1870, mas as suas origens são datadas nas primeiras manifestações contra o tráfico de escravos[1]. Os constantes atos de rebeldia dos escravos e as dificuldades econômicas em se manter o sistema escravista apenas fortaleceram as teorias abolicionistas.

abolicionismo1

É preciso explicar, porém, alguns aspectos desse movimento. Ao mesmo tempo em que os seus partidários defendiam o fim da escravidão por motivos humanitários, eram também possuidores de escravos. Isso, entretanto, não se aplica a todos os defensores da causa, entretanto este fato é capaz de evidenciar que a motivação maior para alguns deles, era o fator antieconômico da escravidão e, por isso, associavam a abolição com a noção de progresso e civilidade, como indica O Paulista de 17 de fevereiro de 1883: Uma nação só agricola, será uma nação por natureza, pouco progressista, miserável. Diante deste fato, vale ressaltar o papel da imprensa na campanha abolicionista, já que muitos jornais publicavam diversas matérias em favor da causa.

Antônio Bento de Sousa e Castro
Antônio Bento de Sousa e Castro, líder dos Caifases

No cenário nacional alguns grupos abolicionistas se destacaram: entre muitos podem ser os caifases de São Paulo caracterizados, por vezes, como subversivos e a Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro, definida como um grupo representante dos interesses da classe média. Apesar desse tipo de grupo possuir interesses, métodos de ação e de defesa da abolição diferenciados eles não deixam de ser caracterizados como abolicionistas.

Em Taubaté, os discursos favoráveis ao fim da escravidão estampavam os jornais da época com os mais diversos textos e, em 1863, mesmo sem o cunho humanitário da abolição, o Club Taubateénse (O Taubateénse – 14/11/1863, p. 02) defende o uso do trabalho livre como forma de se melhorar as condições das lavouras de Taubaté.

Em uma série de artigos intitulados “Em nosso posto”, o jornal a Gazeta de Taubaté em 1879, dizia que a prática de se comprar e vender escravos eram contrárias tanto aos sentimentos religiosos da população, quanto aos princípios de moralidade (Gazeta de Taubaté – 31/01/1879, p. 01). Em maio do ano seguinte, sob uma série intitulada “Colonisação”(Gazeta de Taubaté – 07/05/1880, p. 01) M. R. Peixoto falava a respeito da necessidade da inserção de trabalhadores livres no Brasil, prevendo que a extinção da escravidão não excederia o prazo de 12 anos.

Ao passo em que eram publicados diversos artigos versando a respeito da abolição, os jornais destacavam atitudes particulares a favor da causa. Francisca de Salles Perpetua Marques, por exemplo, foi classificada pela imprensa como mulher pobre, mas, mesmo assim foi capaz de dar a liberdade a sua única escrava de nome Adelaide, em 1880(Gazeta de Taubaté – 04/09/1880, p. 02), e por isso seu ato deveria ser imitado.  Em Dezembro de 1887 (Diário Paulista – 01/01/1888, p. 1), o Visconde de Tremembé, uns dos maiores proprietário de escravos da região, aparecia em um artigo denominado “Movimento Emancipador”, por ter alforriado 90 de seus escravos e declarar que a partir de janeiro de 1888 os da Fazenda Buquira se tornariam trabalhadores assalariados.

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Por fim, em janeiro de 1888 (Diário Paulista – 04/01/1888, p. 01), o Diário Paulista dizia que as dúvidas a respeito da causa abolicionista haviam sido sanadas E que, portanto, resistência não poderia trazer nenhum beneficio a pátria e intimava a Municipalidade a tomar uma decisão para acabar definitivamente com o problema da mão-de-obra escrava.

O movimento abolicionista consistiu na tomada de consciência, por uma parcela de homens, quanto à necessidade do fim da escravidão. Em Taubaté, o movimento recebeu o apoio dos jornais locais, através de seus artigos, que apelavam para a atenção de todos, inclusive criticando o governo:

A resistência, a intransigência, não tem produzido bons resultados.
É o que demonstra ao progresso da idéa entre nós.
Hoje, de norte a sul, vemos que a generosidade particular tem feito relativamente mais do que nossos governos. (Diário Paulista – 10 de novembro de 1887)

Alguns jornais, apesar de defenderem a abolição, traziam manifestações contrárias ao movimento abolicionista:

– Es abolicionista?
– Sem duvida,
– Por que?
Ora que pergunta; por que a idéa é symphatica.
– E os prejuisos da Nação?
– O que tenho com elles.
– Não possuo escravos. (O Futuro – 12 de dezembro de 1880)

Através de manifestações como essas é possível observar a imagem que alguns senhores de escravos tinham em relação ao movimento, pois, para esses, os abolicionistas desconsideravam a questão de que o escravo constituía uma posse do senhor. A atividade econômica básica das fazendas desses senhores era a agricultura para exportação, em especial o cultivo do café, que foi a base da economia brasileira durante um longo período, para esses senhores, portanto, o prejuízo financeiro não seria somente em âmbito pessoal, mas sim, para toda a nação.

Conselheiro Antonio Moreira de Barros. Acervo DMPAH
Conselheiro Antonio Moreira de Barros. Acervo AMPAH

O apoio de personalidades locais na causa abolicionista pode ser observado como um jogo de interesses, já que alcançava-se notoriedade política. Destacou-se entre eles: o Dr. Francisco de Paula Toledo, que foi diversas vezes presidente da Câmara Municipal e, principalmente, o Conselheiro Antonio Moreira de Barros, presidente e criador da Comissão Pró-Libertação,  que tornou-se mais tarde, o porta-voz do movimento abolicionista em Taubaté e em toda a região valeparaibana.

Em Taubaté

Taubaté libertou seus escravos no dia quatro de março de 1888, um pouco antes da Lei Áurea, assinada em treze de maio do mesmo ano. As causas dessa antecipação podem ser muitas, porém, com o intuito de elucidar esta questão me deterei aos fatos aludidos nos jornais da cidade.

Escravos fotografados por Cristiano Junior
Escravos fotografados por Cristiano Junior

A rentabilidade do trabalho escravo se mostrou insuficiente, se comparado aos custos com a sua manutenção. A causa do trabalho escravo ter se apresentado pouco produtivo, foi a própria deformidade do sentido do trabalho, pois o africano, que foi considerado dócil e até mesmo bom trabalhador, não poderia ser considerado um bom escravo, já que nas oportunidades em que tinha rebelava-se, causando prejuízos ao seu senhor: Devida a esta ou aquella causa, o que pouco nos importa saber, o que é verdade, é que o escravo, já não constitui para o lavrador, um elemento de garantia quer para o trabalho, quer para a tranquilidade domestica (Diário Paulista – 10 de novembro de 1887.). Há de se considerar ainda que, se em um primeiro momento o senhor tinha o gasto do valor de compra do negro e depois os gastos com a sua manutenção, isso sem considerar os gastos com o escravo doente e no caso de morte, que representaria um prejuízo ainda maior:

 A questão servil chegou ao periodo agudo; a instituição tende a desapparecer, a despeito mesmo de qualquer medida tomada pelo poder legislativo, que de maneira nenhuma parece satisfazer as exigencias da epocha. (Diário Paulista – 10 de novembro de 1887)

O movimento, porém, não buscava mudanças de mentalidade em relação ao negro – seus líderes defendiam manutenção de poder e riqueza, pelo viés humanitário – já que o fim da escravidão representava mais a formação de uma consciência que defendia que o sistema escravista não tinha mais espaço na sociedade, sendo limitado, porque gerava pouco lucro em comparação ao trabalho assalariado. Nesse sentido, a libertação dos escravos teria caráter totalmente capitalista. Porém, ao observarmos o grande número de atos de insubordinação dos escravos estampados nos jornais, pode-se concluir que a abolição não se deu apenas pelos motivos econômicos.

Os escravos quando aqui chegavam, retirados de grupos étnicos e culturais diferentes, tinham que se adaptar a condições diversas encontradas nas fazendas de seus senhores. Em um primeiro momento, as relações entre escravos e senhores, que não era uma relação natural, já que era forçada (GOULART, José Alípio, Aspectos de Rebeldia dos Escravos no Brasil – Da Fuga ao Suicídio, Rio de Janeiro: Conquista, 1972), em prol do senhor, que via no escravo sua forma de ganho e garantia de produção. A partir do momento em que o fazendeiro comprasse a sua mercadoria, bastaria garantir que seu escravo produzisse, fosse pela violência ou pela compensação (COSTA, Emília Viotti da. Sistemas Disciplinares, Relação entre senhores e escravos, Parte II Condição nas zonas cafeeiras.Em: Da senzala à colônia – 4ª ed. – São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. – (Biblioteca básica)). No primeiro caso, a violência era a serviço dos feitores, tendo em vista que a escravidão foi fundamentada na violência, nesse sentido o serviço e a autoridade do feitor e do senhor tornaram-se imprescindíveis para a manutenção do sistema: o direito do senhor fundamentado na violência está condenado à violência para se manter (Victor Schoelcher, Esclavage et Colonisation – Costa, Emilia Viotti da, Da Senzala à Colônia, pág. 336.). Já no segundo caso, essa garantia viria através de uma recompensa para o escravo, ou seja, aquele que se comportasse de maneira exemplar, não seria castigado, ao contrário dos outros que serviriam de exemplo.

Escravos jogam capoeira na cidade. Jean Baptiste Debret
Escravos jogam capoeira na cidade. Jean Baptiste Debret

O comportamento do negro dócil pode ser facilmente explicado pela questão da sobrevivência (Cf. “Aspectos de Rebeldia dos Escravos no Brasil- Da Fuga ao Suicídio.), não sendo aceito a possibilidade de contentamento com sua condição, às vezes seu comportamento também era de origem psicológica, que, afetado pelas condições anormais, chegava apresentar anomalias no seu equilíbrio biológico. O escravo não perdia a capacidade de reagir só que devido ao seu estado, este deveria ser devidamente provocado, para que pudesse despertar e reagir subitamente.  Essa difícil relação impediu por muito tempo a formação de movimentos pelos próprios escravos, que não podiam confiar neles próprios, além da barreira cultural existentes entre eles. Não que os movimentos de revolta fossem inexistentes, muito pelo contrário, eram abundantes, pois, conforme pode ser percebido através das publicações dos jornais, havia vários escravos que fugiam, tentavam suicídio ou cometiam crimes contra o senhor ou a sua família (Cf. PAPALI, Maria Aparecida C. R. Escravos, Libertos e Órfãos: A Construção da Liberdade em Taubaté (1871 – 1895).):

Tentativa de suicidio

O escravo Domingos pertencente ao senhor Major Augusto Marcondes Varella, ás 3 horas da tarde do dia 23, na fazenda deste senhor, tentou-se suicidar-se, disparando contra si uma espingarda carregada com chumbo do meio, e dando diversos golpes no pescoço.
Domingos que terá 30 annos de idade era o administrador da fazenda de seu senhor, que lhe depositava illimitada confiança e o tratava com toda a amisade, pois era creoulo de sua caza.
Attribui-se este facto a faltas que commettera ultimamente e que receava fossem conhecidas de seu senhor.
Trazido para esta cidade, foi mandado para o Hospital de Santa Izabel, onde lhe prestou os primeiros soccorros  o illustrado sr. dr. Emilio Winther.
Há esperanças de salval-o.    (O Paulista – 26 de dezembro de 1884.)

Porém, essas expressões de revolta quanto a sua condição e tratamento eram isoladas, e os movimentos maiores como os que constituíram os quilombos foram os mais difíceis de serem formados, devido a relação escravo/senhor, além da relação escravo/escravo.

A antecipação da libertação dos escravos em Taubaté deve-se, portanto, aos fatores econômicos, mas especialmente aos fatores sociais, que proporcionaram uma situação insustentável para a sociedade, a este contexto acrescenta-se a ação do movimento abolicionista (especialmente a Comissão Pró-Libertação) e a imprensa taubateana.

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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.

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