O casamento civil

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Angelo Rubim

Os dias que sucederam a proclamação da República no Brasil foram de transformação. A organização do Estado ficou muito confusa, já que não se entendia de forma precisa como o governo deveria agir. Era tudo novidade. A primeira ação foi o desmonte da estrutura do governo, alguns cargos públicos foram abolidos, outros surgiram. A estrutura dos poderes executivo, legislativo e judiciário foram sensivelmente modificadas. Um processo que levou meses até uma aparente organização.

Nos municípios também. O poder não mudou imediatamente de mãos e a Igreja ainda tinha seus privilégios. Mas foi a partir de 23 de janeiro de 1890 que as coisas começaram a mudar.

Marechal Deodoro da Fonseca, o proclamador da República
Marechal Deodoro da Fonseca, o proclamador da República

Um decreto divulgado pelo governo provisório três dias antes (20/1/1890), dissolveu a Câmara Municipal e substituiu os vereadores por uma outra instituição. Era o chamado Conselho da Intendência Municipal, de caráter provisório, até a convocação de novas eleições municipais. Em Taubaté foram escolhidos os cidadãos: Antônio Claudiano de Abreu que foi vereador no começo dos anos 1880; Dr. Francisco Xavier de Souza e Castro, professor do Colégio de São  João Evangelista; José Benedito Marcondes de Mattos, vereador no começo dos anos 1880; Dr. Francisco Rodrigues Guimarães, médico, não exercera ainda qualquer cargo público, João Affonso Vieira, comerciante, vereador da Câmara dissolvida, empreendedor; José Antônio Carneiro de Souza, português, grande comerciante e financista e John Milne Tindall, escocês, comerciante e industrial.

Somente três dias depois foi que aconteceu a última sessão da câmara dissolvida. Nela, o então vereador da câmara taubateana Joaquim Lopes Chaves protestou contra a dissolução da Câmara e deu posse à nova formação da casa. Foi o coronel João Affonso Vieira que se tornou o homem forte do Conselho da Intendência, sendo escolhido presidente.

Além dessa instituição, outra mudança foi importante. Como a Igreja fazia parte da formação institucional do Estado na monarquia e ela foi retirada do seio do governo na República, as áreas onde ela atuava foram reduzidas. A mais notável, nos primeiros tempos, foi o fato de o casamento não ser mais promovido exclusivamente pelo clero.  Em 24 de janeiro de 1890, o Decreto nº 181 do governo provisório instituiu o casamento civil, lei que entraria em vigor somente no dia 24 de maio daquele ano. A lei previa que o casamento civil deveria preceder a cerimônia religiosa sob pena de 6 meses de prisão para o celebrante. Outra previsão: o casal poderia dispensar a cerimônia religiosa.

casamento

O assunto foi tema de diversos artigos em jornais de todo território nacional, com muita divergência, com argumentos favoráveis e contrários.

Somente quatro meses depois do decreto começar a valer é que um casal de taubateanos oficializaram a união fora da igreja. O Jornal do Povo de 23 de setembro anunciou que o Sr. Benedito Dias da Matta e a D. Anna Galvão de Toledo foram os primeiros na cidade a dispensar as bênçãos canônicas.

Não se sabe o que os motivou à dispensa, é possível que não fossem católicos. Com a República, a cada dia o número de não católicos crescia e a diversidade religiosa também. Surgiu na cidade, ainda em 1890, o colégio Americano, fundado pelo metodista Reverendo James Lillbourne Kennedy que, no ano seguinte, foi apedrejado por não retirar o chapéu da cabeça quando a procissão do Senhor dos Passos passou pela escola.

Levou algum tempo até que a sociedade entendesse e aceitasse o novo modo de vida de um Estado laico. O casamento civil foi algo tão impactante quanto as discussões sobre a liberação do divórcio.

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Angelo Rubim é historiador, professor e um dos editores do Almanaque Urupês

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