Por Lia Carolina Prado Alves Mariotto.
A campanha de Canudos sob a ótica da imprensa taubateana
A Campanha de Canudos foi uma das grandes epopeias das páginas da história do Brasil, acontecida no final do século XIX, mais precisamente entre os anos de 1896/1897.
Ainda nos dias atuais suscita opiniões divergentes em torno da figura de Antônio Conselheiro. Para uns, seria ele o chefe fanático de um bando de insurretos; para outros um místico, fazedor de milagres e enviado por Deus para melhorar as condições de vida de seus seguidores.
Por motivos duvidosos Antônio Conselheiro e seu povo foram tidos como ameaça para a República, o novo regime político recém instalado no Brasil e, sendo assim, foi combatido pelas Forças Armadas brasileiras, que na época eram constituídas pelo Exército e Marinha.
Foram necessárias várias intervenções para Canudos ser derrotada.
A primeira expedição foi comandada pelo Tenente Manuel da Silva Pires Ferreira; a segunda chefiada pelo Major Febrônio de Brito; a terceira pelos Coronéis Antônio Moreira César e Pedro Nunes Tamarindo e a quarta e última pelos Generais Artur Oscar de Andrade, Cláudio do Amaral Savaget e João da Silva Barbosa. Esses acontecimentos repercutiram no Brasil e no exterior. Jornais das capitais mandaram seus representantes para o cenário das lutas e assim as notícias eram publicadas nesses principais jornais do País e repassadas para os jornais das cidades do interior. O mais famoso desses correspondentes foi Euclides da Cunha, o autor dos “ Sertões”, onde ficaram magistralmente registrados os acontecimentos de Canudos.
A imprensa taubateana também noticiava esses acontecimentos. Algumas notícias eram transcritas de outros jornais mas, tinha também, contribuições próprias.
No “ Diário de Taubaté” havia uma seção denominada “Gaudio”, cujo autor usando o pseudônimo “Gaudencio”, comentava os acontecimentos através de pequenas trovas. A cada notícia veiculada pela Imprensa brasileira era maliciosamente transformada em pequenas trovas e publicadas no jornal taubateano.
No mês de março, quando festejava-se o Carnaval, publicou:
O Conselheiro teve também
a sua apoteose.
O botocudo santarrão dignou-se
deixar por hoje
os sertões bélicos da Bahia
para vir encorporar no carnaval de
Taubaté. Suprema honra ! Taubaté
Porém, como era de prever
não veio sozinho:
acompanhou-o a rua
guarda de honra os seus favoritos,
as suas belas adoradoras,
os seus correligionários daquém e dalém
sertão, etc., etc..
Tesouraram a Antônio Conselheiro,
mas, com graça, bem tesourado,
tesourado artisticamente,
Á falta de outro assunto
o Conselheiro e os Canudos
o Zé Pereira e o bombo
foram os bodes expiatórios
de todas as críticas,
de todas as chufas.
A trágica derrota da terceira expedição comandada pelo famoso Coronel Moreira César abalou o País. Era ele “figura estelar do florianismo. Fora ele quem esmagara sangrentamente, em 1893, na fase crítica da campanha federalista, os rebeldes de Santa Catarina, como governador militar do Estado, fuzilando os prisioneiros por capricho ou por vingança.”[1]
Taubaté fez-se presente às homenagens póstumas ao grande chefe militar. Assim que a notícia da “catástrofe das forças da Nação” chegou ao conhecimento do povo taubateano várias homenagens foram prestadas.
O Sr. Inspetor Literário do 10º Distrito dirigiu-se ao Grupo Escolar onde, convidando os professores daquele estabelecimento e do município redigiu e publicou o voto de pesar abaixo:
“ Ás onze e meia horas do dia oito de março de 1897, o Sr. Inspetor de Disrito, ao Ter conhecimento dos lamentáveis sucessos de Canudos, entendeu-se com o Diretor do Grupo Escolar expondo-lhe o que havia sucedido e manifestando o pesar que sentiu pelo profundo golpe que acaba de sofrer a República, nas pessoas dos seus imortais defensores Coronel Moreira César e seus briosos companheiros de armas, em defesa das instituições, no Estado da Bahia. Foi deliberado em seguida a suspensão das aulas neste estabelecimento, fazendo cada professor explicação aos alunos relativamente ao fato ocorrido. Depois de reunidos os respectivos professores, acordou-se em consignar, em livro especial, uma ata de pesar pelo lutuoso acontecimento; hastear a bandeira meio pau e levar ao conhecimento dos governos do Estado e da União a sua deliberação, mostrando inteira solidariedade com o Governo do País em defesa da República. Ficou igualmente deliberado que esta ata fosse assinada por todos os professores do município que quiserem faze-lo
Taubaté, 8 de março de 1897
João Benedicto da Conceição China – Inspetor
João Pereira de Souza Penna – Diretor do Grupo
Antônio Apolinário de Macedo, Antônio José Garcia e Orestes Guimarães – Professores”
Foi ainda sugerido pelo Inspetor China a organização de um batalhão escolar composto por alunos do Grupo Escolar, denominado Batalhão Moreira César, como homenagem à República.
O Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional e chefe do Diretório Republicano, o cidadão João Afonso Vieira fez publicar pela imprensa da terra o seguinte convite ao povo taubateano:
“ Em ordem do dia patrioticamente interpretada e publicada pelo dignoCoronel Comandante Superior , cidadão JOÃO AFONSO VIEIRA, são convidados todos os oficiais da guarda nacional para , segunda-feira, 15 do corrente mês de março de 1897, assistirem a missa que com LIBERA-ME manda celebrar o Diretório Republicano desta cidade, como a mais justa homenagem para essa plêiade de espartanos que heroicamente sucumbiram em defesa da República.
O culto de veneração que nos merece a valentia desses bravos impele-nos a estender esse convite a todos os patriotas amigos da ordem e da paz.
Assistirá a este ato a Guarda Nacional uniformizada, sendo no final da missa organizada uma parada militar no Largo da Matriz e dadas as salvas do estilo.”
Além do Sr. João Afonso Vieira, faziam parte do Diretório Republicano taubateano os senhores : José Benedicto Marcondes de Mattos, John M. Tindal e José Pedro Malhado Rosa.
Cogitou-se a mudança do nome da rua de S. José para Rua Moreira César.
Na seção “Gaudio” foi publicado:
Com esta tristeza imensa
Em que anda envolta a Nação
O “Gaudencio” até nem pensa
Nem tem mais inspiração
E a Musa, francamente,
Dá-se comigo tão bem
Que até, se eu caio doente,
Ela adoece também
Há pouco, não por orgias,
Mas da bronquite aos horrores,
“Marchei” na cama três dias,
Não dei “gaudios” aos leitores.
Quando da derrota de Antônio Conselheiro e a destruição de Canudos em outubro de 1987 coube à Câmara Municipal de Taubaté, na pessoa de seu Vice Presidente Dr. Rebouças de Carvalho a seguinte indicação:-
“ O Sr. Rebouças de Carvalho pede a palavra e diz que, em vista da grata notícia da terminação da luta contra os fanáticos do sertão da Bahia e julgando interpretar os sentimentos patrióticos da Câmara e dos munícipes, indica que se suspenda por essa razão a presente sessão (37ª Sessão Ordinária sob a Presidência do Senhor Major Francisco Gomes Vieira – 07/10/1897) e seja passado por esta Câmara um telegrama de congratulações ao Governo por essa faustosa notícia que enche de justo júblio toda a nação. Posta em discussão e em votação é unanimemente aprovada a indicação.
O Senhor José Francisco de Moura pede a palavra e pela mesma razão requer que sejam fechadas as repartições municipais. Posto em discussão e em votação o requerimento é do mesmo modo aprovado.
Em vista dessa deliberação da Câmara o Senhor Presidente suspende a sessão e para constar lavro a presente ata, eu Manoel Alves Borges, Secretário que escrevi.
Marcondes de Mattos
Gomes Vieira
José Rebouças de Carvalho
José Pereira Corsino
Augusto César Monteiro
José Francisco de Moura.
A cada telegrama auspiciosa comentando vitórias sobre Canudos havia uma trova do “Gaudencio” :
“ Consta que o efetivo do Exército será elevado a trinta mil e oito homens…”
Trinta mil e oito soldados !
Que conta tão redondinha,
Que conta tão singular !
Agora, desbaratados,
Reduzidos a farinha,
Vão os jagunços deixar
Os tais oito além dos trinta
Gaudencio
“Corre com insistência a notícia da morte do Conselheiro…”
Nesta cidade apareceu,
Inda há pouco, o seu teutiço
É, de presumir, por isso
Que o Conselheiro morreu
Gaudencio
Com a vitória final das forças nacionais e a entrada em Canudos verificou-se que Antônio Conselheiro já tinha falecido e estava enterrado na igreja do arraial. Seu corpo foi exumado e “depois da autopsia no cadáver do Conselheiro, cortaram a cabeça ao defunto e vão traze-la para a Bahia”…
Quando Antônio Conselheiro
Agora ressuscitar,
É mais fácil de pegar,
Porque já não está inteiro
Inda que inútil pareça,
É acertada a medida:
Pois se ele encontrar a vida,
Nunca mais verá a cabeça.
Gaudencio
Foto de capa: 2/3/2014, abre-alas da Escola de Samba São Clemente teve uma encenação da Guerra de Canudos. Júlio Cesar Guimarães/UOL
[1] Moniz, Edmundo “ Canudos: a luta pela terra” – Centro Editorial Latino Americano,1981- pg57
Acompanhe o Almanaque Urupês também na nossa página do facebook e twitter