FÉRIAS, PRAIA E UBATUBA

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Na imagem detalhe da Praia de Enseada em 1956. Foto de Paulo Camilher Florençano. Acervo DMPAH

Texto de  Fabiana Pazzine

Nada como tirar férias para poder aproveitar praia e sol. No caso de muitos moradores de Taubaté falar em praia é sinônimo de Ubatuba. Pois bem, viajar para Ubatuba em época de temporada e resolver aproveitar as praias mais populares, como por exemplo, a Praia do Tenório, a Praia Grande ou a do Perequê é em muitas vezes decidir rever os seus vizinhos, amigos e parentes taubateanos.

Chamada para as férias de 1938. CTI Jornal.

Este costume de se relaxar e repor as energias nesta cidade litorânea, contudo, como já é do conhecimento de muitos, não é um hábito novo.

Segundo o jornal da CTI, em 15 de abril de 1933, o velho Guisard disse ter conversado e combinado com o engenheiro Monte Santi uma excursão a Ubatuba. E em 01 de maio do mesmo ano, ambos acompanhados de outras pessoas embarcaram em uma aventura na serra. Da viagem, relataram que viram diversos animais mortos pelo caminho, resultado da obra de onças famintas em uma noite anterior. De Taubaté saíram às cinco da manhã e chegaram às três e meia da tarde em Ubatuba. Uma aventura para ninguém colocar defeito!

Guisard ficou encantado com as belas praias da cidade e os encantos da natureza (assim descrito no CTI Jornal) e disse que era necessário “pôr ao alcance do operariado da CTI aquela maravilha da Natureza tão próxima de Taubaté; que era preciso estudar os meios de atingir esse fim. E foi estudando esses meios que chegamos a realizar as férias em Ubatuba”.

DIÁRIO DE UMA VIAJEM

Dia 20 de Junho de 1936!

Seis horas! A partida!

Onze horas, cruz de ferro e… os nossos olhos voltados para a imensa beleza da paisagem que lá, ao longe se nos depara.

O mar na constância imorredoura da sua espuma, o baloiçar do lenço branco, testemunho da Paz com que há de nos receber.

Ao aceno do maravilhoso lenço, somos tomados de uma alegria indescritível e, na retaguarda dessa caravana, vemos mais duzentos rostos exprimindo a ânsia de uma chegada rápida ao destino.

Treze horas… Ubatuba!

Chegada festiva. Música. Estouram os foguetes e o nosso entusiasmo.

Vista parcial de Ubatuba nos anos 1930. Foto de Paulo Camilher Florençano. Acervo DMPAH

À tarde todos ao Perequê, e “assú” é a nossa satisfação.

E durante dez dias, banhos, bailes, divertimentos… tudo para retemperar o nosso espírito.

Num sonho que há de ser realidade maravilhosa, vemos maior caravana, maior animação, e ainda nos lembramos da estadia em Ubatuba.

Uma voz macia de um descrente chega-nos aos ouvidos; esses não são homens do trabalho diário. Pela alegria de que estão tomados não podem ser! Acordo e ainda julgo ver esse alguém a falar e então gritamos sim! Somos operários mas operários de patrões que nos dão trabalho para sustento das nossas famílias e que nos recompensam também com uma colônia de férias, que vem sendo a forja em que nos retemperamos para novas labutas.

Nossos chefes não medem sacrifícios para nos proporcionar alegria para delas também compartilharem.

Ainda e sempre guardarei com infinito carinho uma fotografia de um grupo de operários em nossas primeiras férias em Ubatuba.

Nesse grupo de operários e suas famílias, homens, mulheres, mocinhas; rapazes e crianças e, lá, também está conosco a figura veneranda do idealizador da nossa Colônia de Férias; o amigo devotado que é Félix Guisard, tendo em sua e nossa companhia a não menos respeitável pessoa que é D. Jeanne sua excelentíssima consorte. Esta demonstração de amizade aos seus operários, calou-nos profundamente tornando maior ainda a admiração por esse homem que de a muito é senhor dos nossos corações. […]

E assim são as nossas férias em Ubatuba.

Angelo Testa

Resultado da pescaria: o mero. Foto Paulo Camilher Florençano. Acervo DMPAH

Anos mais tarde da primeira viagem de Guisard, já em20 de junho de 1937 foi iniciada mais uma das férias coletivas realizadas pela Companhia Taubaté Industrial (CTI) e até o dia 04 de Julho do mesmo ano os funcionários puderam usufruir de pleno descanso.

Os meses de junho e julho eram conhecidos pelos ceteienses (trabalhadores da CTI) como os meses do descanso, mas diferente do quê se possa imaginar, os trabalhadores não eram liberados todos de uma vez, mas sim em grupos, pois, por mais que a direção da fábrica achasse benéfico esse descanso a produção não poderia parar.

Mesmo antes do dia 20, a direção da CTI já havia organizado e preparado a excursão para Ubatuba e, mesmo antes das férias dos funcionários, o transporte das pessoas já havia começado. Com o auxílio de 5 caminhões, as famílias dos operários eram transportadas antes do início das férias e, após o dia 20 os caminhões eram utilizados apenas para o transporte dos funcionários que poderiam encontrar seus familiares e aproveitar as férias na praia.

Para recepcionar os operários tocava a Corporação Musical Santa Terezinha, sob a regência do maestro Clemente. A programação das férias era agitada: danças de salão ao som de alto-falantes e da CTI Jazz-Band, fogos de artifício para comemorar a festa de São João, cinema ao ar livre, serenatas, passeios marítimos e pescarias.

No dia 30 de junho a viagem de volta havia começado e os 5 caminhões voltaram a trabalhar, terminando o serviço em 3 de julho. Dois dias depois, o som do apito da torre da CTI, esquecido durante alguns dias, voltava a organizar a vida destas pessoas.

Para o ano de 1938, novas promessas: construções de novos abrigos em Ubatuba (para alojar um número maior de operários) e também um conjunto Diesel para o fornecimento de luz elétrica, já que a cidade de Ubatuba não possuía infraestrutura para receber um número tão grande de turistas. Para se certificar que a construção dos alojamentos seria possível, a CTI, em 1937, dava início à construção de uma olaria na cidade que trabalharia para o fornecimento de tijolos e telhas.

Entre os tantos divertimentos citados, a compra do peixe é ressaltada, pois, os turistas, logo cedo, procuravam os pescadores interessados no fruto do seu trabalho da noite anterior. Devido à alta procura por peixes, os preços subiam extraordinariamente e com isso, os ubatubanos ficavam, por vezes, sem este alimento em suas mesas.

Diversos peixes eram consumidos e entre as preferências estavam: a tainha, a espada, garoupa, badejo, pescada, guete, roncador, corvina e robalos. As tão famosas tainhas atraíam animais de grande porte como o tubarão, a toninha e o mero.

No dia 24 de junho, das férias de 1937, por volta das 11 horas da manhã, quando todos os banhistas iam embora da praia do Perequê, um resolveu verificar um movimento estranho no mar, próximo a área de arrebentação. Lá encontrou um mero de dois metros de comprimento e 103 quilos. À noite, muita festa e carne de peixe de graça na festa de São João.

O pescador Albino Alexandrino dos Santos, fotografado por Paulo Camilher Florençano. Acervo DMPAH.

O Jornal da CTI também informava os seus leitores a respeito das utilidades e benefícios do banho de mar, e segundo o artigo, o melhor horário para se banhar era entre o período da manhã e da tarde e, depois das refeições, recomendava-se um intervalo de no mínimo três horas para banhar-se novamente. Os banhos deveriam durar entre 15 e 30 minutos e após este tempo o remédio virava veneno causando resfriados e câimbras.

Seguidos do banho deveriam ser feitos exercícios físicos. O mar era recomendadíssimo para anêmicos e crianças. O ar livre e os exercícios também eram recomendados para quem sofria de insônia.

Durante a temporada, indicava-se a ingestão de frutas e legumes, pois, esta alimentação somada às condições físicas do ambiente seriam capazes de restabelecer o organismo cansado do trabalho. As bebidas alcoólicas, porém, eram condenadas, pois, dizia-se que:com a ação deprimente dos tais aperitivos, neutralizam completamente os benéficos efeitos e resultados dos banhos de mar.

Era dada ênfase a algumas restrições, pois, cardíacos, tuberculosos, asmáticos em estado grave, reumáticos em tempo frio não deveriam banhar-se no mar.

Quanto aos banhos de sol, recomendava-se muitos cuidados, pois, em caso de abuso do mesmo, este poderia ocasionar a morte em um curto tempo. Vou explicar melhor: acreditava-se que a pele era responsável por eliminar as toxinas do corpo, sendo assim, a pele queimada não possibilitaria a eliminação dessas toxinas, com o passar do tempo a pessoa desenvolveria nefrite, devido à sobrecarga dos rins e em pouco tempo morreria. Não se recomendava ainda o uso de óleo na pele para se expor ao sol e aconselhavam o uso de cobertas como forma de se proteger das radiações solares.

Pois bem, mesmo que as orientações médicas ou científicas, como prefere denominar o jornal, tenham mudado, tenho certeza que o fascínio pela cidade de Ubatuba que os taubateanos têm não mudaram. Ler estes relatos mais antigos de quem passou pela cidade nos faz imaginar como tudo seria e, por vezes, causam-nos uma saudade daquilo que nem ao menos chegamos a conhecer. Saber por relatos e fotos o passado entre as pessoas de Taubaté e Ubatuba só nos fazem entender melhor essa ligação quase congênita entre ambas as cidades.

*OBS: Os textos transcritos dos jornais tiveram o português atualizado.

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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.

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