Farmacinha

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Texto de Dafne Araceli Román 

Chá de camomila, de cavalinha e de erva cidreira. Chá de boldo, de erva doce, de funcho. Chá de barba-timão, de juca, de anis-estrelado. Chá de verbasco, de são caetano, de são joão. Chá de hortelã, de cominho, de folha de graviola. Chá de melissa, de poejo, de griffonia. Chá de folha de amora, de cipó mil homens, de jatobá, de carqueja.

Chás, infusões, compressas.

Não importa como seja consumida a erva, o que importa são os resultados de consumir esta erva. Virou moda. Eu não tomo mais remédios para a ansiedade, agora só fitoterápicos, Passiflora. Diz a madame. Que quando lhe perguntam se já foi em curandeira se recusa a responder de forma agradável e diz que essas coisas de índios não funcionam, que de bruxa, já basta sua sogra e que no máximo ela foi na taróloga e errou o seu futuro. Coitada. Mal sabe ela, que de bruxa nada tem o curandeirismo e que o que ela consome, essas gotinhas fitoterápicas, quem descobriu e começou a usar, foram eles, os índios.  Mal sabe ela que passiflora é o nome científico que se dá à flor do maracujá.

Como esta, temos muitas outras pessoas. Alguns acreditam fortemente, outros ainda duvidam ou descreem, mas tomam passiflora ou chazinho de boldo quando o fígado não vai bem. Minha avó sempre disse que chá de boldo era o melhor para quando estava de ressaca. Comentou um outro rapaz em meio a uma conversa descontraída. Sua avó era índia. Daquelas, que viviam na oca. Você sabe o que é uma oca, sabe? Ele contou-me a história da sua avó e eu conto a vocês.

A índia falava, “tem que pedir” toda vez que algum curioso se aproximava das suas plantas para arrancar algum galho. Reza a lenda que quando vamos pegar uma planta para consumi-la como forma de medicamento precisamos pedir à natureza. Segundo os sábios e curandeiros, planta roubada não funciona.

Mas, o que a índia fazia com essas ervas?  Por que ela era tão conhecida pelas pessoas da cidade? Toda vez que aparecia alguém com algum incômodo ela lavava suas mãos, pegava umas ervas em seu jardim, fazia um chá e dava para a pessoa beber. Depois com um crucifixo de madeira, feito por ela mesma, enrolado em sua mão direita e em voz baixa começava, uma reza que ninguém entendia.

Lembram-se, os que foram até ela, que ela parecia em transe. De olhos fechados, rezava em pé na frente da pessoa enquanto fazia o sinal da cruz em sua cabeça repetidamente. Às vezes pegava uns galhos e dava uma “espanada” com arruda, alecrim ou espada de são Jorge. Outras vezes, lhe indicava um banho de cheiro ou de água corrente, rio, cachoeira ou mar. Ela morava perto do mar. Era uma índia do mar.

Mas o que a índia fazia? Quais eram suas bases? Quais eram seus argumentos?  Isso ninguém sabe, mas todo mundo sabe que as pessoas melhoravam e voltavam, às vezes trazendo outras pessoas. Nessa época, e não faz muito tempo, eram benzedeiras e curandeiras. Uma mulher que nem à escola foi sabia do poder das plantas e fazia uso delas com precisão e respeito. Hoje muitos cientistas confirmam tais benefícios.

E por confirmarem hoje estes benefícios eis que a UFMT insere dentro do sistema do SUS a benzedeiras, curandeiros, raizeiros, parteiras. As benzedeiras não sumiram. Muitos destes curandeiros e benzedeiros ainda estão por aí. Talvez numa outra forma um pouco mais formal de ser tratadas, são as “massagistas” com um toque de mão “diferente”. As fitoterapeutas, que conhecem bem o poder de cura das plantas. A medicina alternativa. A terapia das vibrações, o reiki. Nós ainda recorremos a estas curandeiras. E quem nunca foi a uma tradicional curandeira ou benzedeira? Quem nunca tomou aquele chazinho de camomila porque estava nervoso? Quem nunca passou uma arnica pois havia torcido o pé ou batido a cabeça no armário?

Assim como a índia, hoje ainda há muitas que continuam na sua prática de cura. Preservar o olhar para o poder da natureza é primordial.  A índia já não está mais neste plano, mas até hoje, é lembrada, ou melhor, venerada como um anjo de bondade, candura e caridade. Dizia com orgulho para os filhos e netos, que nunca havia recebido um tostão sequer pelos seus serviços, entretanto confessava que, com os adjutórios ofertados, mantinha a si e aqueles a quem ela ajudava por amor.

Respeitar esses saberes é a nossa obrigação. É uma forma de curar, que vem da alma, que se renova, que muda de nome, mas que jamais se extingue.

Permanece e cura. Pela prece. Pelas plantas. Pela Fé.

 

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Dafne Araceli Román é argentina, escritora, professora de Espanhol e Português com formação em Letras. [/colored_box]

 

 

 

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