Peraí …

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*imagem: www.abcdpedia.com.br

Texto de Renato Teixeira publicado no Jornal Contato edição 701

Quando, em plena juventude, meu cérebro e meu emocional funcionavam por impulsão apenas, o mundo era diferente e minhas necessidades nem de longe avaliavam questões mais complexas.

Depois a vida foi colocando informações na minha cabeça e eu não era mais um ser intelectualmente puro. Aprendi malícias e estabeleci limites para que meus impulsos ganhassem mais coerência social; limites são bons companheiros.

Aprendi que a política é a arma do entendimento coletivo e, portanto, mutável. Lembro de meu pai chocado com noticias dando conta de que Adhemar de Barros havia “embolsado” vinte Chevrolet zero quilômetro. Deixou de ser adhemarista.

Adhemar era um homem carismático, um direitista assumido que, de tão rico e poderoso, se transformou numa espécie de xamã do povo pobre a quem ele acariciava com palavras e auxiliava com bondades banais. Seu slogan era “Fé em Deus e pé na tábua”. A decisão política do Adhemar se deu quando numa noite de chuva o pneu de seu carro furou em frente ao Palácio dos Campos Elíseos, então sede do governo de Estado. Enquanto ele fazia a troca, Nossa Senhora de Aparecida apareceu na sua frente e apontando para o palácio disse:

– Seu lugar é aqui, dr Ademar, governando o povo.

E foi assim, segundo uma biografia que ganhei quando fui visitar seu escritório, que até pouco tempo ainda estava como ele o havia deixado, quando entrou para a política.

Fez muita coisa como governante, mas inaugurou o conceito “rouba mas faz”. Eu, quando menino, morava em Ubatuba onde dr. Adhemar tinha uma casa. Era um grande alvoroço quando o povo todo começava a comentar que o avião, prestes a pousar, era o do “homem”. Os adeptos do adhemarismo e a molecada miúda corria, literalmente, para vê-lo pousar no aeroporto Gastão Madeira. Linda figura, robusto e bonitão, desembarcava e íamos, em comitiva, até sua casa. Eu gostava de caminhar ao seu lado e muitas vezes fiquei sentado no portão esperando ele sair.

Certa ocasião ele saiu e conversamos; o governador me mostrou um lindo relógio de bolso dentro de uma cápsula dourada que reluzia ao sol. Outra vez, durante a “caminhada quase cívica” do aeroporto até a Rua da Praia, dr. Adhemar me pediu que voltasse e trouxesse a carteira que ele havia esquecido dentro do avião. – Corre lá moleque; fala com o piloto que eu mandei buscar.

E lá fui correndo cumprir a honrosa missão. Impressionou-me a quantidade de dinheiro que havia dentro daquela carteira estufada. Mas aquilo não era da minha conta e eu fiz tudo certinho. Ele pegou a carteira, colocou-a no bolso e ainda deu tempo de caminharmos os metros finais, juntos. Foi no ateliê de arquitetura do Romeuzinho Simi que eu comecei a entender direito o caráter da política com suas tresloucadas contradições.

(continua na próxima coluna)

 

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