Cinema sincronizado

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Janeiro de 1946

Esta, não há negar, foi uma crônica perdida no turbilhão dos anos, pois data de 1946. Vamos a ela, portanto.

Um dos mais extraordinários feitos do início do século vinte, foi, sem dúvida, o cinema sincronizado ou falado, como queiram. Muitas foram as experiências feitas sem que se tivesse chegado a um resultado satisfatório.

Foi com o evento da célula fotoelétrica, a fina flor da Eletrônica, que se tornou possível gravar e reproduzir o som nos filmes cinematográficos, antes feitos pela sincronização de discos, o que nem sempre corria normalmente.

De conquista em conquista, chegou-se à perfeição atual.

A despeito de tudo, entretanto, o cinema sincronizado tem sua história pitoresca, justamente em Taubaté.

Corria o ano de 1910. O Cinema-Rio, instalado naquele recuado tempo num galpão erguido na Rua Visconde do Rio Branco, número 67, mais ou menos nas imediações do local onde funcionou há bem pouco a Escola Normal, prédio ocupado atualmente pelo Clubinho Social, era o ponto preferido pelos amantes da cena muda.

O seu corpo de funcionários, seleto, tinha ainda a cooperação dêsse taubateano inesquecível, um sábio, por assim dizer, o velho Juca de Mattos, que tanto contribuiu, com suas notáveis experiências, para a perfeição da projeção cinematográfica, com o invento de alcance técnico que foi a Cruz de Malta, conhecida na época por “obturador”.

Antes, a projeção era imperfeita, oscilante, trepidante, incômoda. Depois tornou-se mais perfeita, mais firme, afastando aquelas sombras que se faziam sentir 24 vêzes por segundo, sempre que um quadro do filme se sobrepunha ou sucedia a outro.

Além dêsse técnico de escol, o Cinema-Rio tinha ainda bons e dedicados cooperadores, em tôdas as modalidades de atividade humana. Dentre êles, um se destacou com notabilidade: Jacques Cardoso. Observador, curioso, homem prático, desejou um dia acrescentar uma nova facêta ao nosso cinema. Tornou possível, mercê de uma acuidade sempre presente, sincronizar os filmes considerados shorts. Foi essa, sem dúvida alguma, a primeira manifestação do engenho humano, nesse sentido. Não há registro de outra na mesma época. Verificou-se, então, que no modesto cinema do interior, além do invento de Juca Mattos, um outro fato houve que contribuiu para um avanço considerável da ciência.

Jacques Cardoso, antes da exibição normal dos filmes, obtinha que o velho Chico Mendes, encarregado da parte técnica do Cinema-Rio, exibisse para êle um ou dois filmes de uma só parte, cômicos por excelência ou preferência, muito em voga naquele tempo. Jacques Cardoso tomava nota de tudo e arrumava cuidadosamente seus apetrechos – cacos de garrafas, de vasilhame, de tôda espécie, ferragens, campainhas, buzinas, enfim, uma série de quinquilharias. E quando o filme estava sendo exibido, acompanhava as diabruras dos artistas com aquêles sons por êle provocados, dando aos assistentes a impressão de que estavam assistindo a uma cena real.

Acontecia, por vêzes, que por um descuido qualquer atrapalhava a qualidade do som ou êste vinha muito depois da cena. A hilaridade, então, completava a balbúrdia, acompanhada de assobios e vaias.

Seja como fôr, o velho e querido Cinema-Rio conheceu êsses dois fatos notáveis.

Sòmente por volta de 1929, portanto quase vinte anos depois, é que se começou a falar em cinema sincronizado. Jacques Cardoso havia antecipado o evento do nôvo cinema com suas experiências de capricho.

Quando hoje assistimos aos magníficos celulóides modernos, com sua sincronização perfeita e projeção de clareza absoluta, não podemos, de forma alguma, esquecer os muitos Juca Mattos e Jacques Cardoso que, em todas as partes do mundo, ousaram desvendar os mistérios da ciência e da técnica, ou antecipar seus feitos, hoje sobejamente conhecidos e utilizados.

Foram homens como êsses, amigos, gravados nesta série de “Crônicas da Saudade”, que, com sua inspiração e imaginação férteis e uma paciência desmedida, conseguiram galgar, degrau por degrau, a escada interminável do progresso, cujo cimo ninguém conseguiu ainda vislumbrar, porque está, como sempre, envolto na névoa impenetrável do possível.

A História tem sido pródiga em aventuras extraordinárias de homens que, embora não tenham cursado escolas de aperfeiçoamento, raras no início do século, têm conseguido notáveis empreendimentos que a humanidade tôda consagra e aproveita.

Dizem os sábios e com muita razão que o primeiro passo de um empreendimento qualquer é a idéia. E se assim é, de fato, coube a Taubaté e ao velho Cinema-Rio uma parcela na prioridade de suas idéias hoje tornadas cintilantes realidades.

Quanta saudade daqueles tempos em que os homens se entendiam e buscavam, apaixonadamente, desvendar mistérios e aplicar suas idéias para que a humanidade pudesse, um dia, usufruir melhores condições de vida.

 

[box style=’info’] Emílio Amadei Beringhs
emilioDesde menino foi funcionário da CTI.

Atuou por mais de 50 anos no jornalismo taubateano, descreveu com maestria o cotidiano taubateano. Integrou o Instituto Geográfico de São Paulo. Foi um dos pioneiros do rádio amadorismo no Vale.
Na radiodifusão convencional, foi responsável, junto com Alberto Guisard, pela pioneira Rádio Bandeirantes.
Em 1941, foi co-fundador da Rádio Difusora de Taubaté. Foi sócio fundador do Aero-Clube de Taubaté.
Em 1967, escreve o primeiro volume do obrigatório livro Conversando com a Saudade, descrito por muitos como pedaços da alma de Taubaté. É, também, de sua autoria, a bandeira de Taubaté.

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