Casa do Figureiro 20 anos: Da arte de persistir.

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Por Décio de Carvalho Junior

Tentarei ser simples, mas não me peçam para ser imparcial, pois esta também é um pouco da minha história. Um pouco daquilo que pode ser feito com a reunião de pessoas…

Exatamente no dia 13 de setembro de 1993, portanto há vinte anos, o prefeito da época – Bernardo Ortiz entregava a chave da Casa do Figureiro as irmãs Edith, Luiza e Cândida. A história dos figureiros no entanto não começava aí. A memória resgata nomes do início do sec. XIX como herança da tradição católica de se armar presépios. Tendo como matéria prima a argila, de fácil localização nas margens do Rio Itaim, a arte se manifestou naturalmente, havendo historiadores que afirmam terem sidos os freis do Convento Santa Clara os introdutores desta prática, mas não há nem por parte deles tal posição.

De azul D.Candida criadora do pavão-simbolo do artesanato paulista, de rosa D. Luiza 1ª presidente da casa, criadora da festa do folclore.
De azul D.Candida criadora do pavão-simbolo do artesanato paulista, de rosa D. Luiza 1ª presidente da casa, criadora da festa do folclore. (Arquivo pessoal)

A partir dos anos de 1930, ressurge no Brasil e em nosso estado, por parte de Mário de Andrade, um gosto pelas tradições populares. Os figureiros conhecem importantes pesquisadores. Entre eles – Rossine Tavares de Lima. Estes passaram a frequentar as casas dos artistas na Rua Imaculada com inúmeros estudantes e turistas. Assim um local que pudesse abrigar todos os figureiros em oficina e loja não foi iniciativa do Estado e sim das artesãs Luiza e Anita, tendo como principal argumento a possibilidade de receber um público de maneira confortável.

Há vinte anos instalava-se a associação Casa do Figureiro Maria da Conçeição Frutuoso Barbosa. A patrona foi um consenso entre os figureiros. Esta senhora, que veio do Rio Grande do Norte ainda menina com a família, passou a morar no então bairro  Itapecirica. Muito religiosa, vestia hábito que também disfarçava a deformidade das mãos. Frequentando o Convento de Santa Clara  deparou-se certa vez com uma santa quebrada de terracota, tratava-se de uma antiga imagem de N.Sra Imaculada da Conçeição. Esta foi trazida ao bairro e restaurada pacientemente por esta senhora. Além de dar novo nome à região, a imagem e a capela agiram como polo irradiador da identidade popular, artística e religiosa desta população.

Chuva de divinos d a figureira Téca. (Arquivo pessoal)
Chuva de divinos d a figureira Téca. (Arquivo pessoal)

Outro fato importante da história dos figureiros, tem como tema o pavão. A ave exótica era encontrada no Jardim da Estação, local de encontro da elite da cidade nos fins do Sec .XIX. Na Paris da época,  que ditava moda ao mundo todo, havia uma atração pelo exótico Oriente, que influenciou muitos artistas. Assim, os pavões que adornavam a Taubaté da época, tinham motivações francesas biên sur. Com o passar do tempo a figureira Cândida, que frequentava o parque na infância, passou a representar o pavão em argila. Em 1979 o órgão do governo do estado responsável pelo artesanato (SUTACO) instituiu um concurso. Ela ganhou com esta peça. Eis assim o pavão de Taubaté como símbolo do artesanato paulista.

Sônia, atual presidente  da Casa do Figureiro, recebendo estudantes. (Arquivo pessoal)
Sônia, atual presidente da Casa do Figureiro, recebendo estudantes. (Arquivo pessoal)

Eventualmente a comunidade dos figureiros é comparada à dos ceramistas de Caruaru em Pernambuco, bairrismo à parte, qualquer análise sobre o trabalho artesanal merece um embasamento teórico fortemente alicerçado na Sociologia, Antropologia e Geografia Humana. O Brasil é múltiplo, a arte popular também. Indevidamente pesa sobre ela uma responsabilidade de ser autêntica, relegando os artesãos a uma situação subserviente como reflexo de um colonialismo ainda presente veladamente em alguns discursos, inclusive  acadêmicos. Felizmente não em todos. Há uma vasta produção científica séria sobre o tema.

Décio Carvalho, autor dessas linhas, no mostruário da Casa do Figureiro.
Décio Carvalho, autor dessas linhas, no mostruário da Casa do Figureiro.

A Casa do Figureiro é em certa medida uma Odisséia, um longo caminho mar á dentro. A Avaliação  não é alegórica ainda que pretensiosa. Somos frutos do que aceitamos e daquilo que renegamos (o índio, o negro). Somos síntese das idiossincrasias taubateanas, mas possivelmente neste vinte anos conseguimos ser artistas com todas as especificidades que isto implica.

 

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Decio de Carvalho Junior é figureiro e pedagogo.

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