Menina dos olhos azuis

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Renatinho Barbosa Lima foi um dos amigos mais queridos. Depois que mudei para São Paulo, Rra com ele que eu mais me relacionava, em Taubaté. Havia entre nós uma grande identidade e seu humor me fazia bem. Ele sempre gostou muito das minhas músicas e me dava muita força.

O xará tocava violão e compunha. Desconfio que para ele o violão era a mesma coisa que para o Azzoline: um instrumento de sedução.

Certa vez, voltávamos de Ubatuba no seu jipe candango quando decidimos parar em São Luiz do Paraitinga para a tradicional linguicinha.

Naquela época novidade era a moçada deixar crescer os cabelos, costume que começava a chegar ao interior. Estávamos todos cabeludos dentro daquele jipe. E muito molhados, pois chovia. Com certeza nossa aparência fugia radicalmente dos padrões que a gente da  cidade presépio estava acostumada.

São Luiz do Paraitinga em 1967. Foto: Alceu Maynard Araujo
São Luiz do Paraitinga em 1967. Foto: Alceu Maynard Araujo

Havia ali muitos lavradores vindos da roça para tratar de seus trens no mercado e no comércio em geral e que ficaram muito mal impressionados com aqueles forasteiros encharcados e cabeludos. Surgiu uma hostilidade básica que com certeza evoluiria para algo mais Contundente se não tivéssemos pulado pra dentro do jipe e partido à toda velocidade para a rodovia.

Uma vez Renatinho me ligou feliz, pois fora convidado pelo Iado (Carlos Eduardo Barbosa Lima), seu irmão, que acabara de ser eleito presidente do TCC, para assumir a função de diretor social do nosso clube. Até aí, nada demais. Acontece que, numa manhã de sol, supervisionando os acontecimentos sociais daquele dia, o Xará ficou chocado com a quantidade de celulite que as nossas meninas exibiam na piscina. Resolveu, então, contratar uma esteticista para cuidar desse surto que feria sua aguçada sensibilidade clubística. Sem dúvida, um diretor competente.

Ele havia composto uma música com o mesmo nome de uma outra, que eu havia feito: “Menina dos Olhos Azuis”.Havia muitas meninas lindas de olhos azuis na nossa geração. Não vou nominá-las para não correr o risco de omitir o nome de alguma delas. Uma canção com esse título com certeza agradaria a muitas meninas bonitas.

Eu e Renatinho tínhamos mais coisas em comum: além de compor músicas com o mesmo titulo, éramos dois varapaus assumidos, magros como caniços, tanto que nos tratávamos por Mandruvás, que é um bicho bem fininho.

Meu amigo foi embora bem cedo, infelizmente. Deixou uma enorme saudade e agora, quando finalmente eu começo a gravar minhas músicas taubateanas, sinto a falta dele. Com certeza estaríamos falando sem parar desse projeto, como se fosse uma coisa de nós dois. Ele conheceu a maioria das canções que estou gravando e gostava muito de “As garotas do TCC”, logicamente.

Quando compus “Menina dos Olhos Azuis” eu tinha uns quinze/dezesseis anos de idade e minha referência era sem dúvida alguma o grande ídolo da cidade e do Brasil, naquela época: Celinha Campello, ou Celly para os menos íntimos. Digo isso porque por várias vezes eu me deparava com a figura da nossa maior cantora sentada nas escadarias do Estadão estudando alguma coisa. O legal era que, na noite anterior, eu a vira ganhando um troféu Roquete Pinto, ou participando de um daqueles programas da antiga Record.

Cely Campelo. Foto: Mistau
Cely Campelo. Foto: Mistau

Aquelas baladas da Celly mostravam para mim, de maneira simples, a lógica da composição. Me lembro perfeitamente que naquela ocasião eu começava a compor uma melodia e depois ia embora por ela num improviso que nunca acabava. Assim eu ia me familiarizando com a arte de criar músicas.

Em Taubaté eu tinha tudo que precisava para ser um compositor. Referências, situações e histórias para contar.

“Menina dos Olhos Azuis”, a minha, é uma canção simples e encharcada de influências da Celly. Por tudo que ela representa e pelo fato de ser homônima da outra canção de um amigo, que também era irmão, resolvi gravá-la.

Como já deixei claro, não vou revelar jamais quem é a “Menina”. Quem se identificar, que vista a carapuça.

Menina dos olhos azuis

Ao cair da tarde eu te espero
Com um buquê de flor a mão
Junto dele te darei meu coração
Bela menina dos olhos azuis

Mas eu te peço
Não me deixe nunca
Jamais
Pois meu amor e sincero
…e sincero demais!
Não me faça sofrer…

 

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Publicado originalmente na edição 570 do Jornal Contato

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