O motim do mercado – Conflito: o cacete em ação

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Por Fabiana Pazzine

Em 12 de junho de 1905 Taubaté estava em festa. Comemorava-se a véspera de Santo Antonio o dia São Benedito. Isso mesmo, nada de 05 de outubro ou abril mas junto com os santos juninos. Segundo o Jornal de Taubaté, a cidade se encontrava em fervor religioso e se preparava para a festa enfeitando e organizando os mastros necessários para as comemorações. O grande problema, segundo o jornal, era ser véspera de santo Antonio, conhecido dia de camoecas.

Imagem de São Benedito, em exposição no museu de Arte Sacra de Taubaté.
Imagem de São Benedito, em exposição no museu de Arte Sacra de Taubaté.

         Comemoração, ânimos exaltados e muita bebedeira. Como disse o noticioso, o resultado não poderia ser outro: o caldo entornou! O jornal descrevia a confusão:

“O carroceiro Leopoldo de tal passava hontem á tarde com seu vehiculo carregado de mastros, dos que se costumam plantar em honra aos tres santos de junho, quando na rua do Patricio foi abordado pelo negociante syrio Felippe de tal, que lhe propoz a troca de um mastro que havia comprado por um dos que Leopoldo levara na carroça.

Leopoldo fez-lhe vêr que não podia fazer a troca, porque os mastros pertenciam a João Vianna, que não consentiria a transação. Felippe então indignou-se e depois de dirigir uns insultos ao carroceiro deu neste uma valente bofetada. […]

Leopoldo não reagiu, preferindo prosseguir em seu serviço.

Á noite, um irmão de Felippe, encontrando-se com o carroceiro Benedicto Ricardo, deu-lhe sem mais aquellas algumas taponas.[…]

Quando chegou a policia já perto de mil pessoas enchiam o largo do Mercado e a rua do Patricio, em attitude hostil aos syrios, que se achavam retirados em sua casa de negócios e de onde, segundo dizem, […] munido de uma carabina de tiro rapido, queria fazer frente ao povo […].

Estava assim o povo amotinado, quando appareceu no largo outro syrio discursando contra a policia e dizendo que aqui não havia justiça. Foi quanto bastou para que cahissem sobre suas costas algumas pauladas, sendo o pobre homem salvo, a custo, por diversas pessoas que se condoeram de seu estado.

Assim ferido, ia o syrio, amparado por José Hilario Cassiano, receber curativos na pharmacia mais proxima, quando o povo, desconhecendo José Hilário e pensando ser elle parte do offendido, descarregou nelle sua ira, espancando-o a cacetadas, sendo subtrahido das mãos dos populares pelo Americo Mascate e recolhido á sua residencia, á rua dr Emilio Winther.

Os animos, na rua do Patricio continuavam exaltados, parecendo mesmo a intenção de um assalto á casa de Felippe, afim de tiral o dali.

Fernando de Mattos. Acervo ACIT

Fernando de Mattos. Acervo ACIT

A presença e os conselhos do dr. Fernando de Mattos, delegado de policia, impediram, porém, que tal se realisasse, o que seria lamentavel […].

Por volta as 10 ½ da noite, depois dos pedidos da autoridade, pareceu que os amotinados socegassem, e as praças dispersaram pelo largo do mercado.

Reinou silencio por algum tempo; quando, ás 11 horas, alguns mais irasciveis apedrejaram a porta do negocio de Felippe.

Então o sargento Americo pediu diversas vezes que cessassem esses actos vandálicos e, não sendo attendido pelos amotinados, viu-se abrigado a fazel-os dispersar a poder de sabre, chamando a patrulha de ronda.

Só á meia noite ficou o local em socego, sendo feitas diversas intimações para comparecimento, hoje, á policia.”

Jornal de Taubaté
Largo do Mercado em 1913. Acervo DMPAH
Largo do Mercado em 1913. Acervo DMPAH

 O motim do mercado não ocorreu por causas políticas, mas, talvez… ou melhor, provavelmente, por preconceito. Por xenofobia ou por intolerância cultural. Note a proporção que o evento tomou.

Como a História, não é feita de “talvez” e, apesar do irresistível exercício mental, apenas um documento sobre este motim foi analisado e, portanto, a versão dos sírios não pôde ser verificada, suprimindo uma parcela dos fatos. Exagero ou não, os números impressionam. Cerca de mil pessoas revoltadas no largo do mercado é um número significativo para a Taubaté de 1905, mostrando que apesar de subestimado, o povo pode promover verdadeiras mudanças na sociedade. Para o bem ou para o mal.

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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.

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