Como foi a 1ª Semana Monteiro Lobato

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Realizada em 14 de abril de 1953, a 1ª edição da Semana Monteiro Lobato contou com participações do governador do Estado e da viúva de Monteiro Lobato, Purezinha, e sua filha Ruth. O evento foi aberto em uma sessão na Câmara e teve discurso de Rubens do Amaral.

Confira a matéria publicada pelo jornal Estado de São Paulo em 14/4/1953

 

Comemorações da 1º Semana Monteiro Lobato, em Taubaté

Sessão solene na Câmara Municipal – Os oradores – O discurso do senhor Rubens do Amaral – O programa das festividades

Taubaté, 12 de abril – Tiveram início, ontem, as solenidades da 1ª Semana Monteiro Lobato, que a terra natal do escritor de “Urupês” celebrará anualmente,assim cultuando a sua memória e mantendo-a viva no coração dos taubateanos e de todos os brasileiros.

A cerimonial inaugural realizou-se em sessão solene na Câmara Municipal, efetuada à 20h30. Á mesa tomaram assento os senhores presidente da edilidade José Geraldo de Oliveira Costa, prefeito municipal Felix Guisard Filho, vice-prefeito Antonio de Moura Abud, juiz de direito Benedito Julio de Oliveira Braga, promotor público Aurélio da Rocha Lima, delegado regional Itálo Ferrigno, deputado Jaurés Guisard e o jornalista Rubens do Amaral, que representava oficialmente a Academia Paulista de Letras e a Câmara Municipal da Capital.

Estavam também presentes os senhores Diomar Pereira da Rocha, presidente da Câmara Municipal de Guaratinguetá; José Patto, presidente da secção local da Associação Paulista de Medicina, a oficialidade do 5º B.C. e do regimento Ipiranga, vereadores e a comissão organizadora composta pelos senhores Antonio de Mello Junior, Oswaldo Barbosa Guisard e Gentil de Camargo. A sala enchia-se ainda com o que há de representativo na intelectualidade taubateana.

O primeiro orador foi o vereador José Luís de Almeida Soares, que falou em nome da edilidade, historiando a vida de Monteiro Lobato e traçando a vida de Monteiro Lobato e do escritor, com suas batalhas e suas glórias.

A seguir foi dada a palavra ao senhor Rubens do Amaral, que disse:

“Não falarei da glória literária de Monteiro Lobato, que se ilumina como a luz solar em todo o Brasil e onde quer que se fale a língua portuguesa. Seria repisar o que todos sentem, pensam e dizem, como se comprova ainda hoje, nesta festa da inteligência com que Taubaté, honrando o seu imortal filho, a si mesmo se honra. E seria uma antecipação ao monumento de admiração que se erguerá nos séculos para consagração do pensador e do artista que escreveu as páginas mais belas e das mais sentidas das letras brasileiras.

Prefiro dizer algumas rápidas palavras sobre as feições que fizeram de Lobato um bandeirante, desbravando caminhos e povoando desertos, como seus avós paulistas, ou, como seus avós portugueses, rasgando mares nunca dantes navegados. De início, cite-se a sua empresa editorial, lançada numa era em que no Brasil só se editavam livros didáticos ou raros autores consagrados já nos píncaros da fama. Lobato foi aí um inovador, ou melhor, foi um criador, semeando terrenos bravios  em que hoje viça a indústria editoria nacional numa afirmação de progresso cultural cuja ausência atestaria estágios retrógrados. Se os nossos autores hoje escrevem e se o nosso público hoje lê, agradecemo-los todos a Lobato.

Mesmo nas letras, Lobato foi sempre um pioneiro. Quando a nossa literatura de ficção também arranhava a costa como caranguejos, ele, numa réplica a Euclides da cunha, mergulhava terra a dentro para de lá nos trazer Jeca Tatu, com as suas angústias e a sua humildade, com a sua vida que não é vida, exibindo-o ao Brasil como retrato do Brasil in natura, não nas contra facções litorâneas, de fachadas suntuárias e encobrir latifúndios miserandos.

Narizinho e o seu mundo encantado! Nem cópias de Perrault, de Andersen e dos irmãos Grimm, nem a tentativa malograda de folcloristas sem arte que tentaram criar um mundo de fantasia com o pobre material ameríndio. Mas, genialmente, num sonho fiat lux, um universo de sonho que é a maravilha das nossas crianças e a seria das crianças do mundo inteiro se a língua portuguesa não fosse, como disse Medeiros e Albuquerque, um cochicho entre “dois povinhos”.

Lobato, filho da terra, com raízes profundas na terra, não se alçou à torre de marfim da arte pela arte. Foi um homem que se sentiu, a sua gente, que meditou os seus problemas e que procurou as suas soluções. Preocupou-o a siderurgia, na convicção tão sabia de que o ferro e o aço são o esqueleto, a estrutura das economias nacionais. Lutou pelo petróleo, quando era proibida a existência do petróleo brasileiros, tendo-se ido sem ver completamente quebrado o infame tabu nos poços que justamente se chamam de Lobato na Bahia. E se Jeca Tatu simbolizou o caboclo que vegeta e pena nos sertões, o homem da cidade não foi esquecido. Nos seus últimos anos, Lobato era um apaixonado nas questões sociais, ao ponto de lhe atribuírem coloridos vermelhos. Na verdade, aí está a sua profissão de fé, em que para jubilo e orgulho meu, como eu se define georgista,numa doutrina que só a ignorância ou a velhaçaria confunde com qualquer forma de socialismo.

A glória literária de Lobato, repito, projeta-se luminosa aos olhos de todos. E é por isso que eu de preferência contemplo, comovido, a feição humana do homem, que depois de haver criado Jeca Tatu, se voltou, com o heroísmo de Dom Quixote, para a dor e para a miséria de todos os irmãos de Jeca Tatu, alapardados nas bibocas sertanejas ou nas favelas urbanas. E o riso do humorista relampejou em anatemas que soaram como a voz dos profetas, clamando justiça, em rebus que não se apagarão jamais do coração dos destituídos.

A Semana Monteiro Lobato, com que se mantém viva a chama do culto a brasiliada, deve ser permanente certame literário. Eu vos peço, porém, que não olvideis as demais face da grande figra, que pôs o seu talento e a sua arte também a serviço dos brasileiros. O mestre do romance, do conto e das histórias foi também o mestre da bondade e o apóstolo da justiça, em páginas de estuante beleza artística e de nobre beleza moral. A civilização brasileira expressão em que incluo progresso e cultura, só se completará quando não mais houver, no sentido intelectual e no sentido econômico, mártires como Jeca Tatu, que Monteiro Lobato pintou para mostrar como é e para mostrar como não deve ser o Brasil.”

Falaram ainda o senhor Diomar Rocha, em nome da Câmara e da cidade de Guaratinguetá, e o senhor Barbosa Guisard, expondo os trabalhos da Comissão Organizadora e ressaltando o concurso que tinha recebido, em Taubaté, no Vale do Paraíba e em todo o Estado.

Encerrou a sessão o senhor Oliveira Costa, num rápido discurso em que solientou principalmente o comparecimento de tão numerosas crianças, que lá foram render o seu preito de homenagem ao autor da mais linda literatura infantil.

A Semana prosseguirá amanhã com o seguinte programa:

– Às 10h –  inauguração da Biblioteca Monteiro Lobato, no edifício do Sesc;

– Às 16h –  tarde esportiva no TCC. Jogarão estudantes do Colégio Estadual Monteiro Lobato versus estudantes da Escola do Comércio de Taubaté.

– Às 20h  – palestra literária do prof. Breno di Grado, no TCC, em sessão solene presidida por Felix Guisard Filho.

Dia 15 às 11h – Chegada do governador Lucas Nogueira Garcês no campo de aviação, onde será aguardado pelo secretário de Estado Antonio de Oliveira Costa, comissão da Semana Monteiro Lobato e autoridades. Dirigir-se-à, em seguida, para o largo da Catedral, onde assistirá a um desfile. Daí rumará para o local onde lançará a pedra fundamental do edifício do Colégio Estadual e a Escola Normal Monteiro Lobato, e onde já se entrarão concentrados os alunos das escolas primárias e secundárias. No ato, falarão o senhor governador do Estado e o senhor secretário da Educação. A seguir, a cidade de Taubaté lhe irá oferecer um almoço, do qual participarão como convidadas de honra a viúva de Monteiro Lobato, e sua digna filha, Ruth. Também, estarão presentes membros da comissão organizadora da Semana Monteiro Lobato. O senhor governado regressará para a Capital, ficando em Taubaté, como seu representante. o dr. Antonio de Oliveira Costa, que presidirá a sessão literária à noite no TCC.

 

Imagem: jornal Estado de São Paulo
Imagem: jornal Estado de São Paulo

 

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