Taubaté em 1932

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Texto de  Camila Alves

Pelo município taubateano passaram os sustentáculos da nação e não é exagero proferir palavras de exaltação pelo tamanho de sua importância para a construção da História do Vale do Paraíba e do Estado de São Paulo. Cabe a esse breve artigo levantar dados relevantes sobre a História da cidade de Taubaté e a sua conjuntura política, social e econômica no ano de 1932, sendo que este representativo ano foi o de fundação do Ginásio do Estado de Taubaté, uma das primeiras instalações escolares públicas do município. Recordando a turbulenta crise econômica cafeeira e a transição política pela qual passava o governo no Brasil, que teve o poder de agitar toda uma estrutura consolidada no seio das oligarquias absolutas, como já proclamava Machado de Assis nos primórdios da velha República; passando também pelo importante processo principiado pelos “mentais da educação” e a luta por uma escola nova, com o notório Manifesto dos pioneiros da educação nova, mostrando que existia um projeto que visava o desenvolvimento nacional por meio da educação, sendo esse o caminho para o progresso econômico e social.

Produção de café pelos padres Cirsteciences, na fazenda Maristella. Anos 1920

O advento da República permitiu que os poderes locais dominantes e donos de grandes privilégios fortalecessem seus poderios políticos. O município de Taubaté figurava entre o bastião desta sociedade hierarquizada dominada por uma antiga herança senhorial. Com a crise econômica arrasadora o maior produto de exportação nacional, o café, foi diretamente afetado. Mesmo jazendo em uma deficiência econômica progressiva nos anos anteriores à crise de 29 e à grande depressão de 30, aprodução cafeeira ainda era o órgão vital de uma sociedade dependente do capital estrangeiro.

Batalhão acampado. Acervo DMPAH

 Nem mesmo a politica de 1906 de valorização do café, que abarrotou os cofres brasileiros com sacas e mais sacas do produto, não pode salvar a menina dos olhos das oligarquias cafeeiras. Muitos estudiosos apontam esse processo de crise econômica e de fragmentação política como o motivador da revolução constitucionalista de 1932. Assim, em 1932 havia duas frentes no município: a primeira, que mobilizou a imprensa e os órgãos burocráticos em prol da arrecadação de recursos, alistamento voluntário e esforços bélicos, e a segunda linha, que representava o visível descontentamento com o governo que parecia ter esquecido-se da importância do município para a República. Obviamente era notável a inclinação do município pela ordem constitucionalista, pois era de interesse dos grandes latifundiários reconquistarem o centro do poderio nacional, cujo pensamento federalista ainda colocava São Paulo como núcleo do Brasil. Justamente nessa crença que a escritora Maria Cristina Martinez Soto, em seu livro Pobreza e conflito: Taubaté, 1860-1935, aponta para a coesão desses sentimentos conflitantes de saudosismo, abandono e adesão à causa paulistana que uniu a sociedade taubateana. Essa sociedade que apoiava eram os fazendeiros e industriais, sejam ainda democratas ou republicanos, em toda sua convergência com a causa constitucionalista. A cidade foi colocada na situação de cidade sitiada e todos os mecanismos de controle do Estado, fossem as forças policias ou os hospitais uniram-se nos esforços de guerra, de modo que houve exageros como o aumento injustificável dos preços ou até mesmo o medo generalizado de um ataque do exército brasileiro.. Belicamente houve o alinhamento dos taubateanos com a criação do batalhão “Jacques Felix” ou integrando a linha de frente em outros batalhões como “Batalhão arquidiocesano” ou “Batalhão Auxiliar Major Paranhos Bello”, que era até então prefeito da cidade. No entanto, a sociedade em sua maioria era apática aos acontecimentos, pois as divulgações de notícias eram todas parciais e iludiam boa parte da população com matérias sobre um cotidiano que não era exatamente o seu. Nessa conjuntura especifica de Taubaté encontramos uma sociedade polarizada entre os interesses de uma oligárquica tradicional agrária que perdia o seu espaço nos campos dos negócios nacionais e a ala industrial nascente que vivia da exploração da força de trabalho livre. O choque entre os dois mundos foi inevitável, pois as visões modernas dos industriais se chocavam de frente com os ideais de dominação e manutenção de privilégios de um ala social estagnada no tempo. Mesmo alienados com o conflito de 32, que se prestou para a criação de heróis imaginários na cabeça dos taubateanos, percebemos que após esse período transitório a sociedade desenvolveu até em “conformidade” com o crescimento industrial, mesmo que esse carregado de modernidade ainda tenha concentrado em si uma verdadeira carga de tradicionalismo e manutenção de um sistema que subjugou os direitos civis da população.

No que se refere à educação percebemos que com o surgimento da República começou a existir a discussão sobre um sistema educacional para todos. Mesmo nascendo fragmentado entre os diversos Estados o pressuposto era dar uma normativa que permitisse a coesão ao sistema. No entanto, a constituição de 1891 descentralizava a educação, colocando o encargo da educação básica para os municípios que julgariam de acordo com as necessidades de sua oligarquia dominante o grau de investimento nessa área. Se a educação devia ser laica e para todos, essa não foi a prioridade a principio, pois feria os interesses da elite. O pressuposto que o ato de educar a massa não é saudável para manutenção de uma sociedade em que o voto de cabresto era uma realidade que devia ser preservada. Porém, existiram grupos que contestaram esse sistema e, à luz dos ideais republicanos, se esforçaram para promover a educação laica e para todos. Nesse contexto surgiu o chamado “entusiasmo pela educação”, alinhado com o ideal escola novista oriundo dos Estados Unidos. O que seria exatamente essa educação nova? Muito foi discutido e vários intelectuais se uniram contra aquilo que chamavam de mazelas de uma sociedade inculta, pois apenas a politica educacional coesa que propunha a alfabetização em massa, a disseminação das escolas primarias e a educação laica e gratuita para todos sem distinção de classe seriam capazes de transformar os homens brasileiros preguiçosos e ociosos em cidadãos disciplinados e modernos. Monteiro Lobato, o ícone taubateano que cedeu seu nome à escola, ao lado de seu grande amigo Anísio Teixeira, trocaram cartas inspiradoras sobre o papel “revolucionário” da educação. Em uma dessas cartas, Anísio aponta a importância da nutrição intelectual da população. O literato, Monteiro Lobato, era o elo que ligava vários intelectuais politizados na causa de um único sistema educacional para atender toda população. Todavia os grandes problemas da Escola Nova foram a fragmentação do próprio grupo em linhas teóricas distintas, e a falta de um modelo pensado diretamente para as especificidades educacionais do povo brasileiro. Transpor um modelo europeu ou americano, cuja sociedade tinha graus de desenvolvimento bem diferentes dos nossos e implantar como medida que apagaria as manchas educacionais da nação, por mais que representasse uma evolução sistema de ensino, dificilmente teria resultados proveitosos em um sistema viciado. A partir de 1930, o Estado tomou a dianteira no que se trata de um sistema educacional, com a criação do Ministério da Educação e Saúde, ou seja, tomou a frente para criar uma orientação que unificasse um conjunto de procedimentos educacionais que fossem colocados em prática em todo o país. Surgia a necessidade criar um sistema nacional voltado para uniformização da educação. O manifesto da educação nova escrito em 1932 foi a junção de vários intelectuais e não apenas a reivindicação de dois, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, foi o grito por uma educação não fragmentada, pública, laica e gratuita. Obviamente esbarrou nos interesses da Igreja, a grande empresa privada da educação no país, que interveio diretamente na discussão constitucional por três vezes – 1891,1934 e 1937 – para que seus direitos e privilégios fossem mantidos. Essa era a politica que confrontava com os interesses de uma educação para todos ao lado de uma pratica difamatória contra esses intelectuais. Afinal a educação é uma arma politica que mesmo agindo progressivamente ou lentamente pelo sistema ela no futuro surtiria resultados que provavelmente não seriam interessantes para os setores privados.

Prédio da antiga Associação Artística e Literária de Taubaté, onde funcionou o Estadão em seus primeiros anos. Atualmente abriga do Departamento de Ciências Sociais e Letras da Unitau

Foi nesse contexto explosivo que o Ginásio do Estado de Taubaté foi criado, passando a ser denominado posteriormente, em 1957 de Colégio Estadual Monteiro Lobato. Em sua criação em 1932, pode ter representado o esforço de um grupo de professores para a educação gratuita e apaixonada. Esses professores que chegaram a assinar um documento que previa que passariam dois anos sem receber para que as atividades do colégio pudessem ser mantidas foram os principais responsáveis pelo início das atividades da escola. A EE Monteiro Lobato deve ser lembrada, não apenas pelo lado de que foi a maior escola da região e pioneira no ensino, mas como baluarte, pois a historia educacional do Vale passou pelos seus corredores. O amor pela educação e a riqueza social esteve presente em suas paredes, para tal nesses oitenta anos de existência ela deve ser preservada como ícone que sempre foi.

 Camila Alves da Silva é formada em História pela Universidade de Taubaté.

Veja também:

– Guerra Paulista. Notas sobre o conflito de 1932

– Taubaté em 1932

– A Revolução de 32: Somando Tristezas

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