O incrível Cornélio Pires

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Texto de Renato Teixeira publicado na edição 714 do Jornal Contato

(imagem: www.tiete.sp.gov.br)

Nascido em Tietê, Cornélio Pires tinha um destino dinâmico e criativo esperando por ele.

Culto, inteligente e estrategista raro, foi quem deu cara e som à musica caipira.

Como um rastilho de pólvora aceso nos anos 30, sua visão do interior paulista atravessou a história, dando voz ao povo da roça.

Pelas portas que abriu, passaram Tonico e Tinoco, Mazzaropi, Anacleto Rosas, Raul Torres, Tedy Vieira, João Pacífico, Sérgio Reis, Chitão e Xororó, entre tantos.

Até o chamado sertanejo universitário tem alguma coisa de Cornélio em seu DNA.Ele está no princípio de tudo desde quando violão e viola começaram a tocar juntos.

Jornalista, compositor, humorista e agitador cultural, Cornélio era filho do dono de uma olaria que empregava os caipiras, gente muito simples acostumada a lidar com a terra de todas as maneiras. Eram tímidos e retraídos, mas gostavam de cantar, dançar e se divertir. Cornélio começou a reparar melhor no comportamento do seu povo, seu jeito de falar, de andar e festar. Religião, estética, filosofia, tudo isso o povo da roça tinha. Faltava afirmá- -los como um todo e nada melhor do que as particularidades que ele se propunha organizar num tipo de linguagem inusitada para aquele Brasil de comunicações primárias.

E assim fez: organizou tudo e veiopara São Paulo com o propósito de fazer com que o Brasil tomasse conhecimento da cultura caipira através das ondas do rádio. E também das gravações fonomecânicas, a grande novidade de então, que abria as portas do tempo para uma nova história que começava: a indústria do disco. Primeiro, Cornélio juntou os músicos e criou vários espetá- culos radiofônicos, onde ele se apresentava, contava piadas e cantava a música dos caipiras. No Brasil já existia uma gravadora atuante e cheia de moral, a Columbia, dirigida por americanos.

Cornélio foi falar com o boss da companhia e propôs que ele gravasse discos com o gênero que ele trazia da roça, a música caipira.

O americano tentou convencê-lo de que esse tipo de “arte” não tinha espaço e nunca teria, na nova indústria que surgia. Nem quis conversar e para não ter que ficar dando maiores explica- ções, encaminhou Cornélio para o diretor comercial que também tentou dissuadi-lo da idéia, argumentando que o prejuízo seria inevitável. Cornélio perguntou quanto custaria imprimir mil discos 78 rotações.

Byington, o diretor comercial, diante da insistência, não teve outro jeito: custa tanto e precisa ser em dinheiro vivo. Cornélio foi ao centro da cidade de São Paulo e tomou dinheiro vivo emprestado com um amigo comerciante e, à tarde, voltou à Columbia com um pacote de jornal debaixo do braço e colocou sobre a mesa de Byington, o diretor comercial.

– Quero imprimir cinco mil discos! Assim, mesmo com a opinião contrária dos diretores da Columbia, Cornélio Pires iniciou uma história inovadora que é hoje patrimônio imaterial do povo brasileiro.

Mas a surpresa do diretor ainda seria maior quando, no dia seguinte, Cornélio voltou à gravadora com um pacote maior e mandou fabricar mais vinte mil discos. Depois colocou tudo dentro de um furgão com um alto falante em cima e rodou pelo interior fazendo shows e vendendo discos. O projeto de Cornélio vendeu, naquela época, 250 mil cópias, praticamente a soma de todos os outros artistas da companhia. O sucesso foi tanto que a Columbia criou um selo chamado Chantecler, só para cuidar da nova tendência. E entregou a direção artística para Cornélio.

Quando deixou a cena artística, Cornélio legou a condução de seus ideais a um sobrinho neto de nome Capitão Furtado, que lançou, entre outros tantos, a dupla Tonico e Tinoco.Mais do que um gênero, ele criou um conceito. Vejo que essas epopéias musicais bem-sucedidas vão caindo no esquecimento. Mas quando uma dupla caipira, seja ela de qualquer tendência, ataca a pleno pulmões, Corné- lio está presente. Compreender a trajetória desse artista e segui-lo pela história da música caipira é fundamental para aqueles que querem andar nessa estrada. Os fatos não se apagam, simplesmente. E as canções a gente colhe na energia do tempo passando.

 

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