1886: o último espetáculo do Imperador

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Capítulo 13 sobre a passagem de D. Pedro II pelo Vale do Paraíba

Texto de Glauco Santos 

A questão da abolição aliada à crescente força que os republicanos tinham adquirido no cenário político reforçava a necessidade do Imperador e da Imperatriz sair da Corte e tentar mais uma vez usar todo o aparato simbólico da monarquia para evitar que mais nobres da região valeparaibana deixassem a base de sustentação do Império. Seria não só a última viagem de d. Pedro II pelo Vale do Paraíba, mas também a que o Imperador mais se empenhara para agradar a todos nas cidades pelas quais passava. Era o tiro de misericórdia.

D. Pedro II e a Imperatriz Thereza Cristina

            O jornal Tribuna do Norte (10 de outubro de 1886, p. 2) já noticiava o itinerário da longa viagem do Imperador. O casal Imperial e larga comitiva partiriam da Corte no dia 18 do mesmo mês, pernoitando em Lorena na casa do Visconde de Moreira Lima, chegando no dia 19 em São Paulo. Dois dias depois, chegariam a Caldas, onde a Imperatriz deixaria a comitiva para se tratar nas águas medicinais. D. Pedro II seguiria viagem rumo a Ribeirão Preto e Batatais, no oeste da província e aonde o café já levava o progresso. De lá regressariam, passando novamente pelo Vale do Paraíba. O jornal Correio Paulistano (15 de outubro de 1886, p. 3) descrevia que “SS. MM. o Imperador partindo da corte, em trem especial, a 18 do corrente, chegarão nesse mesmo dia, as 12h20 da tarde, a estação da Cachoeira, e virão imediatamente para Lorena, onde pernoitarão, chegando no dia imediato, 19, a esta capital”.

            Logo no dia seguinte, os jornais divulgavam a informação do Jornal do Commercio, informando um ajuste no roteiro da viagem da família Imperial, incluindo Taubaté como parada para almoço antes de chegarem à capital: “temos que acrescentar que SS. MM. o Imperador e a Imperatriz partirão de Lorena, parando em Taubaté, onde demorar-se-ão duas horas” (Correio Paulistano, 16 de outubro de 1886, p. 2). Nota-se que a parada em Taubaté era de suma importância, uma vez que nem o objetivo de ficar apenas duas horas foi obedecido, estendendo-se a estada em solo taubateano para um dia inteiro de visita.

            O esplêndido avanço tecnológico da segunda metade do século XIX auxiliou os jornalistas a publicarem com apenas um dia de diferença os detalhes minuciosos dessa última viagem de d. Pedro II pelo Vale do Paraíba. Por telegrama, o correspondente do jornal Correio Paulistano (19 de outubro de 1886, p. 2) relata a chegada do Imperador em solo valeparaibano: “estação da Cachoeira, 18 de Outubro, 12.30 da tarde. Há dez minutos chegou a esta estação o trem Imperial, que saíra da corte as 6 da manhã, sendo a viagem feita nas melhores condições”. A extensa comitiva contava com cerca de trinta pessoas, onde estavam a família Imperial, além de nomes importantes onde se destacam, dentre outros, o pintor Almeida Júnior, o Barão de Parnaíba, então presidente da província de São Paulo, o conselheiro Antônio Prado, o dr. Cochrane, além de ministros da Bolívia e da Argentina. (Correio Paulistano, 20 de outubro de 1886, p. 2).

            Após entusiástica recepção, a comitiva Imperial seguiu para Lorena.

            Algumas semanas antes, em 1º de outubro, o presidente da província de São Paulo, Barão de Parnaíba, enviou carta para o Visconde de Moreira Lima informando que o Imperador e sua família pernoitariam em Lorena e que tinham aceitado se hospedar na residência do titular lorenense (SOBRINHO, 1978, p. 105). Antes mesmo dessa confirmação, o Visconde orientou todos os esforços para transformar a rápida passagem do Imperador em um evento grandioso.

Estação de trem de Lorena

            Desta forma atingiria três objetivos básicos: conquistaria ainda mais a simpatia da família Imperial, reforçaria seu poder político na cidade e na região e abafaria os liberais extremados e republicanos que poderiam aproveitar da situação para manifestarem-se contra a monarquia. A ata da Câmara Municipal de Lorena de 19 de setembro de 1886 já determinava que “fique autorizado o sr. Presidente da Câmara a fazer as despesas precisas com concertos de ruas e praças e outros serviços, a fim de se preparar a Cidade para receber Sua Majestade, o Imperador”, porém colocava uma ressalva que até então não tinha aparecido nas demais visitas de membros da família Imperial: “devendo observar a maior economia possível nesses dispêndios” (Ata da Câmara de Lorena, 19 de setembro de 1886). Os tempos eram outros e a pompa de que tanto a monarquia necessitava já era vista como gasto que onerava os cofres públicos e não traziam tantos benefícios palpáveis para as decadentes finanças de Lorena. Uma prova de que a cidade passava por apuros financeiros foi o empréstimo de 2 contos de réis tomados do Tesouro Provincial, conforme Ata da Câmara de Lorena, 24 de agosto de 1886.

            A comissão de membros da Câmara responsável pelas “decorações das principais ruas e praças da Cidade” (Ata da Câmara de Lorena, 5 de outubro de 1886) foi formada e começaram os preparativos. “Os pontos principais de visitação, o palacete Moreira Lima, a igreja de São Benedito, foram iluminados a gás, especialmente, instalado para o acontecimento” (SOBRINHO, 1978, p. 105). Além disso, a Câmara Municipal solicitou à Companhia da Estrada de Ferro do Norte que pintasse e preparasse a estação de trem da cidade para a recepção do Imperador (Ata da Câmara de Lorena, 29 de setembro de 1886). Lorena estava pronta para encenar o último espetáculo da monarquia em terras valeparaibanas.

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Referências bibliográficas

SOBRINHO, A. M. A civilização do café, 1820 – 1920. (Cap. XIII: Imperadores e príncipes no Vale). Ed. Brasiliense, 1978.

Correio Paulistano, São Paulo, 15 de outubro de 1886.

Correio Paulistano, São Paulo, 16 de outubro de 1886.

Correio Paulistano, São Paulo, 19 de outubro de 1886.

Correio Paulistano, São Paulo, 20 de outubro de 1886.

Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, 10 de outubro de 1886.

Ata da Câmara de Lorena, 24 de agosto de 1886.

Ata da Câmara de Lorena, 19 de setembro de 1886.

Ata da Câmara de Lorena, 29 de setembro de 1886.

Ata da Câmara de Lorena, 5 de outubro de 1886

[box style=’info’] Glauco de Souza Santos

glauco
É graduado pela Universidade de Taubaté, Mestrando em História Social pela Universidade de Campinas. Trabalha como Professor de História em São José dos Campos – SP.

 

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