Ensaio sobre a Cegueira

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Paulo Ernesto Marques Silva explica como surgiu o movimento que luta pela preservação do que resta dos patrimônios históricos de Taubaté

Texto de Paulo Ernesto Marques Silva ( Movimento Preserva Taubaté)

Fui concebido em Campos do Jordão e nasci em Bragança Paulista em 1953. Morei em Campos do Jordão até 56 e daí vim para Taubaté. Hoje sou cidadão taubateano, por escolha e por direito, além de fato por Título conferido pela Câmara Municipal em 2008. Quando aqui cheguei fui morar na Praça Santa Teresinha atrás da Igreja,do Santuário. A praça era do mesmo formato de hoje, porém sem pavimentação alguma, tudo terra batida com um cheiro característico maravilhoso, realçado com o cair da chuva. Era cortada ao meio pela Rua Engenheiro Fernando de Mattos que desde a sua criação a atravessava. Esta rua, que homenageia nosso criador dos sistemas de abastecimento de água e redes de esgotos, começava na Praça do Rosário(naverdade Praça Barão do Rio Branco) e ia até a Av. dos Bandeirantes na junção com Via Dutra, ali no hoje Restaurante Bom Boi. Por obra de uma Câmara Municipal servil ao governo ditatorial teve seu nome alterado em 1971 no trecho desde a Praça Santa Teresinha até o seu final e passou a homenagear um dos mais cruéis próceres do negro período ditatorial iniciado em 1964, o Maurechal Costa e Silva. Na metade oposta ao Santuário ficava a Cadeia Pública, um prédio imponente, mas graças aos bons tempos sem movimento algum. Sobrava ainda espaços para parques e circos.  Sempre andei muito a pé por Taubaté desde o final dos anos 50. Gostava muito de andar por minha cidade. Por meus pensamentos, naquela aurora de minha vida, jamais passou a ideia de que tudo aquilo que presenciava a meu redor um dia poderia não mais estar ali. Não conhecia ainda o progresso, as mudanças, o desvario que viria.poderia

De uma hora para outra dei-me conta de que muito daquilo que tanto apreciava, sumiu. Foi demolido ou está em estado de lastimável e completo abandono. Agonizando. Como pode isto ter acontecido sem que tivéssemos notado? Pelo amor de Deus, ninguém fez nada? Ocorreu, meus concidadãos, foi que lamentavelmente fomos pouco a pouco nos acostumando com a falta de carinho com a nossa cidade, com o total descaso para com nossos patrimônios. Na verdade, eram tão nossos aqueles prédios, aquelas praças, aquelas ruas, aqueles caminhos, aquela gente que eu nem sabia que se chamavam “patrimônio”. Eram tão íntimos e queridos que o chamávamos de o nosso Convento, a nossa Dom Epaminondas, o nosso Pilar, o nosso Rosário, a nossa Santo Aleixo, o nosso Lopes Chaves, a nossa Escola Anchieta, a nossa Barganha, com o Mercadão junto, a nossa Santa Teresinha, o nosso Bom Conselho, o nosso Relógio da CTI, o nosso Solar da Viscondessa, a nossa Casa da Agricultura(antigo DEC), o nosso Tesourinho, o nosso TCC, o nosso Seminário e Ginásio Diocesano, o nosso Adolfo Lutz, o nosso Chaminé da Embaré, a nossa Câmara Municipal na Rua Marques do Herval, a nossa Corozita, a nossa Sacramentina, o nosso Asilo São Francisco, o nosso Hospital Santa Isabel, a nossa Estação Ferroviária com aquele maravilhoso  nosso Jardim que até lago e chafariz tinha,  as nossas Casas do Félix e a do Raul Guisard, as nossas Ruas América(Armando Salles), Cavarucanguera(Faria Lima) e Avenida Brasil(John Kennedy,) o nosso Cristo, os nossos Rios Saguiru, Judeu, Convento Velho e Correia.

patrimonio

Pequei muito em não enxergar o quanto todos os nossos queridos e íntimos companheiros de passeios do dia a dia de nossa cidade foram sofrendo e se desmanchando ao longo do tempo. Curto tempo e um estrago tão grande! Tenho certeza de que a maioria de nós se viu presa desta cegueira, de certo uma epidemia que nos abateu. Aprendemos a conviver com o descaso público e privado. Pior, nos acostumamos.

cegueira

Há cerca de dez anos nos unimos num grupo que denominamos Movimento Preserva Taubaté com a finalidade precípua de fazer com que todos voltemos a enxergar e possamos dar a dignidade aos nossos queridos e íntimos que estiveram à mercê dessa cegueira. A partir de agora escreverei aqui um pouco do que aprendi nestes anos e que possam esclarecer, ou melhor, abrir os olhos dos interessados.

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Paulo Ernesto Marques Silva reside em Taubaté desde 1957. É mestre em Ciências Ambientais e co-fundador do Movimento Preserva Taubaté.

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