Capítulo 10 sobre a passagem de D. Pedro II pelo Vale do Paraíba
Texto de Glauco Santos
A década de 1880 foi composta por anos bem difíceis para a monarquia brasileira. Pressões de vários lados surgiam dia após dia. O Exército que ganhou corpo após a Guerra do Paraguai, se organizava como instituição e desaprovava a falta de importância dada pelo Imperador d. Pedro II às suas demandas. Os abolicionistas, já em grande número, almejavam uma posição firme da família Imperial contra a questão da escravidão. Por outro lado, os cafeicultores do sudeste, principalmente os conservadores da região do Vale do Paraíba fluminense e paulista já estavam há tempos arrepiados com a ideia da monarquia cortar sua fonte de mão-de-obra. Este último grupo já sofria na pele a escassez de mão de obra para a produção do café, endividando-se e impossibilitando qualquer tipo de melhoramento em suas lavouras. “Em 1883, calculava-se que a dívida total da lavoura cafeeira no Império montava a trezentos mil contos; a maior parte recaía sobre as fazendas do Vale do Paraíba” (VIOTTI, 1997, p. 263). Grande parte desses fazendeiros tinham em seus escravos a única fonte de riqueza. “Numa relação de hipotecas de 1883, observa-se que o valor do escravo chega a representar 80% e até 90% do valor da fazenda, havendo regiões em que supera o valor das terras, como, por exemplo, em Sapucaia, Barra de São João e Taubaté” (VIOTTI, 1997, p. 263). Como esperar que esses cafeicultores escravocratas fossem simpáticos às causas abolicionistas defendidas pela legítima representante do Império brasileiro?
Dessa forma, a última década do Império é a que mais contou com viagens da família Imperial. Para tentar apaziguar os ânimos dos liberais exaltados, dos republicanos que ganhavam espaço e principalmente dos cafeicultores descontentes é que a Princesa Isabel e d. Pedro II dedicaram duas viagens oficiais (1884 e 1886, respectivamente) à região do Vale do Paraíba paulista.
Em 1884, a princesa e o Conde d’Eu organizaram uma estratégica visita às “províncias do Sul”, como eram chamadas São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande. Em São Paulo visitariam Lorena e fariam rápidas paradas nas demais cidades do Vale paulista, dirigindo-se à capital e à região de Campinas.
Por Lorena ser das cidades valeparaibanas a que a Princesa Isabel e o Conde d’Eu dedicariam mais tempo de hospedagem, os preparativos foram extensos. Em sessão extraordinária de 22 de setembro de 1884, os vereadores lorenenses aprovaram uma série de medidas para o embelezamento da cidade, visando à inauguração do Engenho Central, que oportunamente ocorreria na presença dos príncipes Imperiais (Ata da Câmara de Lorena, 22 de setembro de 1884). O famoso Engenho Central era considerado um dos empreendimentos fabris mais modernos da província de São Paulo, sendo elogiado pela própria Princesa Isabel (DAUNT, 1957, p. 57). O responsável pelo negócio era o então Visconde de Moreira Lima, irmão do comendador e depois Barão de Castro Lima que hospedou os príncipes em sua visita de 1868.
Com a cidade preparada, a Princesa Isabel chegou a Lorena com o Conde d’Eu e seus filhos no dia 5 de novembro, às 2h30 da tarde (Correio Paulistano, 6 de novembro de 1884, p. 2). Nas cartas que enviou para seu pai (reunidas em forma de diário pelo escritor Ricardo Daunt) a princesa reclama ao chegar na estação de Lorena: “chegada a Lorena, às 2 horas e meia, com meus olhos ardendo desesperadamente, por causa do carvão” (DAUNT, 1957, p. 26). O desconforto era causado não só pela fumaça emitida pela locomotiva, mas também pela poeira que a estrada de ferro levantava devido ao fato de ainda não estar empedrada (DAUNT, 1957, p. 51). Ainda na estação, o Visconde de Moreira Lima os aguardava com duas carruagens prontas para levá-los ao seu palacete, onde seriam hospedados. O palacete dos Moreira Lima era uma obra de arte à parte, que “só teria similar na fidalga mansão dos Viscondes da Palmeira em Pindamonhangaba, sabendo ser nobre, sem afetação” (SOBRINHO, 1978, p. 101). A própria Princesa Isabel relatou em suas cartas o deslumbramento com a residência: “Muito bonita a casa do Visconde de Moreira Lima, excelente hospedagem. (…) A situação da casa é lindíssima, e dela se goza de uma vista extensa e magnífica” (DAUNT, 1957, p. 26). O palacete constituía-se de uma construção sólida de 1832, reformada em 1876, adornada de jardins e estátuas de mármore branco, abastecido com água encanada abundante e iluminação própria à gás de hulha, com salões atapetados por “Aubusson” especialmente encomendados, e com reposteiros de seda amarela, espelhos de cristal com moldura dourada e mobília de jacarandá e bronze, além de dois pianos “Preyel” (DAUNT, 1957, p. 52).
Ali no palacete do Visconde de Moreira Lima, os príncipes puderam descansar por um breve período. Em frente à residência, o titular havia mandado construir um belíssimo arco, onde de cima tocava a banda Mammede por todo o dia.
Às 7 horas da noite foi servido um jantar para todos os convidados. Baixelas de prata, porcelana e cristais finíssimos eram trazidas por cerca de 16 empregados, entre cozinheiros, copeiros, mucamas e demais serviçais (SOBRINHO, 1978, p. 102). Poucos titulares da região fizeram-se presentes no evento; dentre eles estavam os Viscondes da Palmeira, a Baronesa de Paraibuna, o Barão de Romeiro, a Viscondessa de Guaratinguetá, a Viscondessa de Pindamonhangaba e o chefe do Partido Liberal, dr. Manoel Marcondes de Moura e Costa (DAUNT, 1957, p. 52). A Viscondessa de Moreira Lima ficou responsável pela organização tanto do jantar, quanto do evento musical preparado após o banquete (BARRETO, 1998, p. 138). Em suas cartas, a Princesa Isabel relatou sobre o evento: “concerto depois organizado pela Viscondessa e dirigido pelo Maestro Rodenas do Chile. Algumas senhoras não se saíram mal, no piano” (DAUNT, 1957, p. 26). Pela fraca saúde que já apresentava, dois números que estavam destinados à Viscondessa de Moreira Lima foram “substituídos pela ‘A Sertaneja’, do compositor Brasílio Itiberê da Cunha, publicada em 1869 e pelo Hino Nacional, de Gottschalk, interpretados, respectivamente, por Dona Escolástica de Freitas Braga (…) e Dona Clotilde Braga de Oliveira César” (DAUNT, 1957, p. 54). A performance do Hino Nacional ao piano por Dona Clotilde foi entusiasticamente bem recebida pelos presentes. Abaixo é possível ouvir a composição tocada naquele jantar.
Hino Nacional de Gottschalk
Até aquela noite, a recepção organizada pela família Moreira Lima parecia agradar a todos os presentes, incluindo a Princesa Isabel. No próximo artigo, traremos os dias que se seguiram na cidade, quando o então Visconde de Moreira Lima passou por cima dos descontentes e não poupou esforços para mostrar ao casal de príncipes seu empenho em modernizar Lorena.
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Referências bibliográficas
DAUNT, R. G. Diário da Princesa Isabel: excursão dos Condes D’Eu à Província de São Paulo em 1884. São Paulo: Anhembi, 1957.
SOBRINHO, A. M. A civilização do café, 1820 – 1920. (Cap. XIII: Imperadores e príncipes no Vale). Ed. Brasiliense, 1978.
VIOTII, E. Da senzala a colônia. São Paulo: Unesp, 1997.
Correio Paulistano, São Paulo, 6 de novembro de 1884.
Ata da Câmara de Lorena, 22 de setembro de 1884.
[box style=’info’] Glauco de Souza Santos
É graduado pela Universidade de Taubaté, Mestrando em História Social pela Universidade de Campinas. Trabalha como Professor de História em São José dos Campos – SP.
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