1868: uma Princesa devota, uma Santa e um ex-escravo

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Texto de Glauco Santos

Em Guaratinguetá a expectativa era grande pela primeira visita dos príncipes à cidade, principalmente por parte de Francisco de Assis e Oliveira Borges, o Visconde de Guaratinguetá. Um dos homens mais poderosos do Vale do Paraíba à época anunciou a chegada da Princesa Isabel e do Conde d’Eu em sessão da Câmara Municipal de 3 de novembro de 1868, além de ordenar “ao vigário e Mestre da capela para (…) afixar edital convidando o povo deste município para fazerem as festas que quiserem por tão fausto acontecimento”.

Visconde de Guaratinguetá


O esforço do Visconde não era em vão. A Guerra do Paraguai gerara rusgas entre a Coroa e as elites locais, fomentando manifestações de vários grupos liberais na província que punham em risco a empreitada da Princesa e do Conde à região. Temendo possíveis manifestações contrárias, o jornal O Parahyba se adiantou em uma tentativa de defesa do regime monárquico, utilizando-se dos argumentos oficiais pró-Império:

[…] nem uma só vez descremos do elemento monárquico, que nos pareceu sempre, o santelmo da paz, da prosperidade, e da futura grandeza da pátria; que se nos aligurou (sic), constantemente, e elo mais forte e infrangível para manter unido e compacto este todo maravilhoso, colossal, que se chama – império do Cruzeiro, não podemos ter mudado de opinião, quando os fatos, sucessivamente, se tem inconcussa das opiniões da mocidade, que, então, talvez não fossem bem vistas, e as lições da experiência, a reflexão e o critério, que aduz a idade mais avançada, mais tem avigorado e esclarecido a nossa razão, cujos frutos devem ser mais sazonados (O Parahyba, 29 de novembro de 1868, p. 2).

Desta forma, com a cidade devidamente preparada, ao adentrarem, a Princesa Isabel e seu marido, acompanhados pelos cavaleiros que vieram desde Lorena, devem ter se deparado com esse espetáculo descrito pelo hiperbólico articulista do jornal O Parahyba:

Quando se aproximaram SS.AA.II., estrondaram nos ares inúmeros foguetes, que se despendiam rápido, e quase sucessivamente de diversas e grandes girandolas, e atroaram o espaço ferventes e entusiásticas aclamações do povo sem distinção de partidos políticos. Ao passarem por sob o arco do centro da cidade duas encantadoras e bem adornadas meninas, simulando dois anjos, derramaram sobre a cabeça dos augustos viajantes como que a sua cornucópia de jasmins e rosas.

A família do Visconde não mediu esforços para transformar a longa estadia do casal de príncipes no momento mais faustoso de sua viagem. A casa do Visconde fora totalmente reformada e ornamentada para a ocasião. “Da Europa o titular encomendou um serviço de porcelana francesa dourada a fogo e, para uso da princesa imperial, foi adquirido rico serviço de toalete, de prata, e um arreio completo, de couro da Rússia” (MOURA, 2002, p. 108).

Residência da família do Visconde de Guaratinguetá, ilustração de Tom Maia


Muitos lugares públicos foram visitados e a elite política a econômica da cidade foi recebida pelo casal Imperial. Vale destacar neste artigo o encontro da Princesa com Nossa Senhora Aparecida.

Cerca de cinco contos e duzentos mil réis havia sido gastos para refazer a pintura da capela dedicada à santa, para a recepção da Princesa Isabel. No dia 8 de dezembro, às seis horas da manhã, pela primeira vez a Princesa adentrou ao templo. Para ela o momento também era aguardado com grande expectativa, pois além de devota da santa, tinha por objetivo pedir intercessão a Nossa Senhora por dois motivos: que engravidasse dos herdeiros do Império (pois estava em tentativas fracassadas desde seu casamento em 1864) e também que a futura missão de seu esposo no Paraguai terminasse o mais breve possível e em sucesso (EVANGELISTA, 1978, p. 131).

Ao chegarem ao alto da colina, onde a capela estava erguida, os príncipes foram recebidos por uma chuva de pétalas de rosa jogadas por meninas das principais famílias do lugar. Adentraram na igreja e rezaram uma novena em louvor à santa. Camargo (1970, p. 291) relata, a partir do testemunho ocular do alferes Antônio José dos Santos, que nesse momento “dona Isabel doou a Nossa Senhora um riquíssimo manto com brilhantes, no valor de 18 contos de réis”.

Manto doado pela Princesa Isabel em 1868

Ao saírem da capela, ocorreu mais um momento de êxtase para os ali presentes, principalmente para encanto dos príncipes, como descreve Moura (2002, p. 108):

Saindo à praça, foi o casal homenageado por Antônio Joaquim da Silva Ramos, com um solo de trombone de vara. O músico de Aparecida era dono de um talento inesperado: executava solos com os dedos do pé! Foi grande o sucesso de Antônio Ramos: o príncipe o abraçou, a princesa ofereceu-lhe um lenço de seda e o trombonista foi convidado para tocar nessa mesma noite no baile que, em seu solar da Rua da Figueira, em Guaratinguetá, o visconde ofereceria aos Condes d’Eu.

Antônio trombonista, como era conhecido, era ex-escravo e costumava tocar nas festas da capela. Por possuir um dom especial para a música, emocionou os príncipes, que o levaram a deixar sua condição de anônimo para tornar-se músico profissional. “Dizem que Antônio seguiu para Vila Rica, Ouro Preto e seus estudos foram a expensas da Princesa e até consta que foi para a Europa” (CAMARGO, 1970, p. 293).

Antes de voltarem à Guaratinguetá, a Princesa Isabel e o Conde d’Eu foram escolhidos pela Mesa Administrativa da festa de Nossa Senhora Aparecida como os festeiros responsáveis pela organização do evento para o ano de 1869, como consta no jornal O Parahyba (13 de dezembro de 1868, p. 3): “foram eleitos para festejarem a mesma senhora no ano de 1869 SS. AA. II”.

Os dias que se seguiram à visita dos príncipes Imperiais à Guaratinguetá foram repletos de compromissos particulares envolvendo a elite e as autoridades locais. Vale destacar o jantar oferecido pelo Visconde de Guaratinguetá no mesmo dia 8, quando os convidados ficaram encantados com os sorvetes servidos após o banquete, novidade naquele meio e motivo de sensação absoluta. Ou ainda o aplaudido discurso proferido no dia 9, no intervalo de uma peça dramática prestigiada pelos príncipes, do então jovem bacharel Francisco de Paula Rodrigues Alves, futuro presidente da República.

A longa estadia da Princesa Isabel e do Conde d’Eu seguiria por mais alguns dias nas terras do Visconde de Guaratinguetá, garantindo ainda mais um folclórico encontro entre a Princesa e a santa, que será relatado no próximo artigo.

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Referências bibliográficas

CAMARGO, C. B. R. Passagem da Princesa Isabel em Guaratinguetá e Aparecida. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paulista, vol. LXVII, São Paulo, 1970.

EVANGELISTA, J. G. Lorena no século XIX. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978.

MOURA, C. E. M. O Visconde de Guaratinguetá: Um Titular do Café no Vale do Paraíba. São Paulo: Studio Nobel, 2002.

O Parahyba, 29 de novembro de 1868.

O Parahyba, 13 de dezembro de 1868.

Ata da Câmara de Guaratinguetá, 3 de novembro de 1868.

Veja também:

– As viagens de d. Pedro II ao Vale do Paraíba

– 1868: uma Princesa devota – chegada ao Vale

[box style=’info’] Glauco de Souza Santos

glauco
É graduado pela Universidade de Taubaté, Mestrando em História Social pela Universidade de Campinas. Trabalha como Professor de História em São José dos Campos – SP.

 

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