Texto de Renato Teixeira
Publicado no Jornal Contato nº 683
Da última vez que estive com seu Luiz Gonzaga, ele já andava querendo recolher a sanfona e amoitar-se na terra onde nasceu. Nas poucas vezes em que nos vimos, sempre foi muito gentil comigo.
Quando minha música “Romaria” ficou conhecida, ele me chamou num canto e me aconselhou a agradecer pra Deus ter feito essa canção e que um dia eu saberia o significado do que havia feito. E arrematou me aconselhando que todas as vezes que fosse cantá-la eu o fizesse como se aquela fosse a primeira vez.
Até hoje, quando canto “Romaria”, me lembro de seu Luiz e canto como se fosse a primeira vez… e tudo fica mais bonito. Uma outra vez ele me fez um pedido: queria conhecer o Vale do Paraiba “por dentro”. Queria conhecer o que sobrou de bonito das nossas fazendas centenárias, queria olhar nossas igrejas e conhecer nossas paisagens. Em troca, ele faria o mesmo comigo na região de Exu, onde ele nasceu e depois foi morrer.
De repente esses acontecimentos todos reacendem na minha memória, quando vejo se aproximar o dia em que poderemos caminhar pelo Vale, na Trilha da Imaculada. Eu, como um dos que conceberam esse projeto, me ative em alguns detalhes importantes. Primeiro que se chamasse Trilha da Imaculada e que passasse pelo Morro da Imaculada, um lindo espaço impregnado pelo perfume da arte popular em nossa cidade e que anda mal cuidado. Sonho com o dia em que todos os artistas, músicos, escultores, arquitetos, artistas plásticos, promotores de eventos, etc., mudem para lá e transformem aquilo num espaço produtivo da nossa indústria cultural; uma ocupação comprometida com as obras de dona Edwirges, Viola, Demétrius, Toninho Mendes, Justino e mais uma grande quantidade de outros artistas significativos para as artes da nossa terra.
Minha canção Romaria tem uma sutil ligação estética com a Imaculada e é a canção dos romeiros. Ela hoje representa um pouco o espírito de peregrinação dos brasileiros. Sempre que alguma tropa sai em direção a Aparecida, cantam Romaria. Foram o tempo e o sentimento das pessoas que fizeram Romaria virar uma companheira de viagem para aqueles que correm atrás das benesses da espiritualidade. Talvez tenha sido isso que seu Luiz tenha me dito com aquele ar profético que os nordestinos do sertão possuem, quando alertou para o futuro da minha música. Muita coisa aconteceu desde então.
Como numa sequência, eis que um dia me vejo envolvido com o projeto da Trilha da Imaculada, uma possibilidade real de melhorar culturalmente a vida das pessoas. A trilha será um caminho cultural, ecológico, de turismo e lazer, seguro e confortável, um caminho real, não virtual, construído especialmente para essa finalidade. E por ela passarão também os romeiros que se dirigem a Aparecida e a outros pontos religiosos do Vale! Pedestres, bicicletas, cavalos, carros elétricos e outros veículos não poluentes num trajeto que começa em Caçapava e vai até Guará. Vai ser bonito ver as pessoas com suas bicicletas visitando as cidades da região nos finais de semana. Os municípios que quiserem se integrar à trilha, constroem seus trechos.
A Unitau está desenvolvendo um projeto magnífico que envolve muitas áreas da universidade. O que mais me encantou foi a possibilidade de replantarmos no entorno da trilha toda a vegetação que ali existia no século dezoito quando Nossa Senhora foi encontrada. Pousadas, bases de apoio e a possibilidade de, seguindo as indicações, visitar nosso acervo cultural e nossas riquezas naturais. Depois o viajante volta pra trilha e segue seu destino. Além de caminhadas e passeios, a Trilha tira milhares de romeiros das margens das rodovias perigosas e possibilita a todos que caminhem em paz com seus pensamentos.
Um caminho seguro e tranquilo é bom para as reflexões profundas de um peregrino. As coisas caminham muito bem na Trilha: os projetos necessários estão sendo desenvolvidos e a Prefeitura de Taubaté vê uma grande identidade entre a Trilha e a política cultural do município.
Gonzagão, sem dúvida, sabia muito sobre o poder das canções.