Mundo Taubateano

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Por Jeronymo de Souza

Em Taubaté no final do século, membro da família Guisard da inicio a pequeno fabrico de meias, em que o casal-proprietário seriam os tecelões; na ascenção dos negócios, monta-se fabrica de tecidos. Incendiada, recebe o pioneiro o amparo de D. José Pereira da Silva Barros (religioso reconhecidamente pobre) numa recomendação de credito ao Banco da Providencia, para reconstrução. Felix Guisard, mais tarde, em sinal de gratidão, fez erguer a herma de seu amigo na Praça principal da cidade.

No distrito de Quiririm, colonos italianos dão inicio a cultura de arroz, que seria ampliada, em 1910, com o estabelecimento dos frades trapistas, na Fazenda Maristela, e teria impulso comercial com o aperfeiçoamento em máquina de beneficiar o produto, introduzidos pelos colonos franceses Franchon (José Franchon Thomasson e seu irmão Carlos).

Construções da antiga Companhia Taubaté Industrial recuperada depois de incêndio

Surgem os primeiros anarquistas, como eram chamados, no começo do século, os socialistas, e iniciam a publicação de O Operário.

Coronel Marcondes de Mattos, quem recebeu os presidentes dos Estados do Rio, Minas e São Paulo para assinarem o convênio do café

Em setembro de 1905, a extraordinária floração dos cafezais prenunciou crise de superprodução, com novas baixas. São Paulo, Minas e Estado do Rio de Janeiro firmaram acordo de amparo aos fazendeiros de café, em 26 de fevereiro de 1906, – o Convenio de Taubaté – “a boa corda de canane de quatro ramais” em que se enforcariam muitos dos beneficiários. A cidade fora escolhida, nesta altura dos acontecimentos, pela posição geográfica e histórica. Ribeirão Preto já se preparava para coroar rei do café ao Cel. Schmidt, ex-colono de procedência alemã. Realizou-se o Convenio no solar do Cel. José Benedito Marconde de Matos, hoje Palace Hotel; daí a troca do nome Largo do Pilar por Praça do Convenio – no logradouro fronteiro ao prédio.

Um fazendeiro de café – o Visconde de Tremembé – sofre processo criminal, e vai ao Tribunal do Júri. Por deferência, trocam o banco dos réus por cadeira condigna.

O Banco do Custeio Agrícola da o primeiro tombo nas restantes economias do município.

“Sus-cristo! “San-cristo!” ainda saudavam, humildemente, aos brancos os negros. (Stein registra no Vale do Paraíba, zona fluminense, as formas “Kist!” e “Vas-cristo!”). Ao que parece, restos da saudação cristã a que eram obrigados os escravos diante do amo: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”

Os suaves nhôs, nhonhôs, nhás, nhãnhãs, nhô, pai, nhá mãe, nhô padre acochegavam relações sociais. E os jongos e companhias de moçambique, deixando os terreiros das fazendas, apresentam suas funções nos arredores e nas festas da cidade.

A qualquer hora, a procisão de “Nosso Pai” percorrida as ruas: campainha, irmãos do Santíssimo e cânticos religiosos em que se fazia ouvir, sempre, a voz de Chico Bendito, na assistências enfermos em estado agônico. E certos maridos justificavam seus retardamentos ao lar, nas noites, pela necessidade de acompanhar o Nosso Pai. Velhos, cientes de sua fragilidade, provocados em casos amorosos, retorquiam resignadamente: “Quem sou eu para acompanhar Nosso Pai fora de hora?”

Percorriam fazendas e, aos domingos, iam ao mercado, com banda de música e acompanhamento, as bandeiras do Divino,preparando festas soleníssimas para coroação do imperador. E, em oposição, ouviam-se, a horas perdidas da noite, soturnos rufos de caixas, com a bandeira preta das almas penadas.

A Procisão do Fogaréu, do Fogo, ou da Prisão atraía muitas pessoas das redondezas. Irmãos, em passos apressados, com tochas, acompanhavam a imagem do Primeiro Passo, de roca; a imagem está de pé, de mãos amarradas, precedida do sacerdote, sem pálio, cantando a ladainha de Todos os Santos, que era respondida pelo povo. Reza tradição que a Rua Marquês do Herval, chamada Rua do Fogo, devia o seu nome ao intinerário costumeiro desta procissão.

Os atos da Semana Santa eram revestidos de pompas e os fazendeiros traziam suas famílias e famulagem para assistirem a eles, redobrando o movimento urbano.

O advento primeiro bispo (1909), Dom Epaminondas de Ávila e Silva, natural se Serro, cidade mineira fundada por um taubateano, elimina grande numero de usanças religiosas, reduzidas que foram a cerimônias litúrgicas, dentro do pontifical.

Dom Epaminondas

Duas diversões empolgam: o cinema e o futebol.

O “Cinema Rio” escandaliza a população religiosa exibindo, com grandes propagandas, o filme “Notre Dame do Paris”, com repulsa de clero em boletim espalhado pela cidade. Não obstante, encheu-se o salão. E o bispo recebeu agradecimentos pela propaganda negativa, em carta apócrifa. O proprietário, cidadão lusitano Joaquim de Carvalho Freita, homem probo, honesto, religioso, não se arrolaria entre “os irreverentes e irônicos” que o bispo censurava em palestra com amigos.

Alem de filmes mudos, a projeção era tremida, salões improvisados (pavilhão) com bancos compridos, coletivos.

As bandas de musica, em anuncio da função, circulavam a praça e tocavam em frente a porta do “Taubaté Cinema” (1909). A Banda dos Ursos dirigida pelo maestro Penzo rivalizava com a Banda dos Paraguaios, também conhecida como Banda de João do Carmo, dirigida pelo maestro José Vicente de Barros. As orquestras só viriam tocar, dentro do cinema, mais tarde com o maestro Fego Camargo, no “Cine Politeama” (hoje “Metrópole”), inaugurado em 1919, segundo uma lápide alusiva, com a Cia. de Aura Abranches, portuguesa. Obra do construtor Parodi, apresenta-se com amarração externa de cabos de aço. Foi o suficiente para que o boato previsse a próxima ruína do teatro.

Cine-teatro Politheama, depois transformado em Metrópole

O Teatro São João, que assistiu a várias companhias estrangeiras famosas, esta transformado em “cinematógrafo” esporádico. Êste teatro guardou fama por sua acústica: tinha sob seu palco cinco cistermas. O pano de boca, com bela alegoria ao Descobrimento do Brasil, esta desaparecido. Formato de ferradura, além da platéia, duas ordens de camarotes. Decorados por artistas franceses.

Nos baixos do “Café Ideal”, instalou-se (1910) um cancã, nas vizinhanças da catedral, que o povo ainda chamava de matriz. Seu proprietário, o “Capitão Cancã”, recebeu muitas pragas e conjuros por desviar maridos bons, numa cidade sem movimento noturno.

E o futebol apareceu, já, com esses “referees” culpados pelas derrotas e marmeladas. Em 1916, o Sport Club Taubaté ostentava o titulo de Campeão do Norte e Campeão do Interior (1919). O campo de futebol (o “ground”) suplantou ao Velódromo, que teve suas atividades rareadas e extintas. Os ex-colonos distraiam-se bulhentamente nas mesas de truco ou nas canchas de bochas.

Na iluminação das ruas e das residências, o gás, que, desde 1884, fazia o taubateano orgulhar-se que fôra a sua cidade a primeira do interior e a terceira do país a ter estes serviços. Havia mais um orgulho: era a única empresa que contava com material próprio – o xisto de Tremembé, transportado até o gasômetro em um trenzinho. Foi adaptado um carro de passageiros a que o povo chamou de Bondinho de Tremembé, animador das festas do Senhor Bom Jesus, no vizinho lugar, em que os fazendeiros mantinham uma terceira residência, especialmente para o novenário e festa do Padroeiro.

A luz elétrica veio em 1913. Em cada residência recém-iluminada, havia bailecos, comilanças – e, conforme o caso, música e discurso.

Os primeiros automóveis de aluguel (1913/1914) chegavam já com as caronas.

Um jornal (1913) censurava meninas por “pularem corda” na rua Marquês do Herval.

Há, até, quem afirme que os mexericos intensificados tenham tido desenvoltura no Vale, após a queda do café. O pai de família fazendeiro, geralmente enfilharado, exercia a seu modo um patriarcalismo. E desaprovava mexericos, para que sua própria vida não viesse a servir aos comentários das ruas.

Daí, na decadência deste prestigio patriarcal, o aparecimento de pequenos jornais, como “O Lyrio”, “O Riso”, “O Neco”, “O Ataque”, “A Sanfona” e outros, verdadeiros pasquinzinhos, preocupados em escandalizar e, sem mais nem menos, dar nomes e endereços. Até as famílias de antigos fazendeiros estão vexadas, agora, por este novo tipo de censura.

Em 1880, surgiu, em Taubaté, “A Zorra” – jornal critico-humoristico, que tem o cuidado de avisar: “Não desceremos a falar individualmente, mas sim na generalidade. Serão banidas das colunas de “A Zorra” as criticas pessoais e respeitaremos a vida individual”.

Muito diferente, agora, quando “O Caixeiro” ridicularizava com “cemitério gaiato” e seus epitáfios, a maneira de Adolfo Araújo, em “A Vida de Hoje”, na capital. “O Neco” tinha o seu “cemitério risonho”. E quando “A Gazeta” (1914) verberava “esse modo infame” – o escândalo – dos jornais pequenos, “O Lyrio” (nº 29), arrogantemente, responde que assim o faz para que as moças “se corrijam”, e explica: “umas doudivanas que só servem para desmoralizar uma sociedade e implantar a corrupção num povo – estes escândalos abomináveis que tanto nos desmoralizam no conceito dos povos” (sic). Eram os namoros fugases nos jardins públicos… Adiante, lamenta-se que as moças taubateanas queiram imitar “o amor asqueroso de normalistas cariocas”.

O Caixeiro, um dos mais longevos pasquins que Taubaté conheceu

Os cronistas sociais (1917) criticam os cabelos oxigenados, os cabelos pintados; e a senhorita que tentou usar o “jupe-cullote” recebeu vaias e não pode entrar num templo, com semelhante trajo.

O gosto pelas polemicas, entre jornais se acentuou; quase sempre iniciadas por questões de linguagem, gramatiquices, plágios e descambavam para os doestos.

“Isto cheira-me bem a Miguel Carneiro ou Cesídio Ambrogi, que, como gatos, costumam dar os tapas e esconder a mão” – encerrava uma discussão “O Lyrio, pregando um cemitério nos dois:

 “MIGUEL CARNEIRO e CESIDIO AMBROGI”

 Com a ida destes poetas,  Para a região celestial,   Taubaté, vai ganhar muito   Principalmente em… Moral.   Morreram os intrigantes   Que “andavam” com rancores   Escrevendo artiguetes por detrás dos bastidores”.

[box style=’info’] Jeronymo de Sousa é autor de “Mestre Cesídio”, obra dedicada ao poeta Cesídio Ambrogi. Esse texto, intitulado originalmente de “A mudança”, foi extraído do capítulo “O mundo que o filho do imigrante encontrou”. [/box]

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