Eleições do passado e eleições de hoje

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Por Rachel Duarte Abdala

 

Emílio Amadei Beringhs, escreveu, em 1963, um texto intitulado: Eleições do passado, que posteriormente foi publicado em 1968 no volume Conversando com a saudade… 1968. Em véspera de eleição, somos chamados a refletir sobre a dimensão do passado no presente. O que, em 1963, Beringhs estava chamando de passado? Quais as permanências do passado naquele período? Quais as permanências do passado hoje? Qual a relação das eleições em Taubaté e as eleições no Brasil?

Fragmento da capa do livro Conversando com a Saudade, de Emílio Amadei Beringhs
Fragmento da capa do livro Conversando com a Saudade, de Emílio Amadei Beringhs

Em 1963, o autor se debruçou sobre o passado, o “tempo do voto descoberto”, e o mote de sua reflexão foi a eleição municipal. Nesse texto ele se referiu a “uma era de exceção, um regime discricionário”. Se o texto tivesse sido escrito hoje a referência teria sido o regime de ditadura militar iniciado em 1964, mas naquela época ele estava se referindo à Era Vargas.

Conhecer a História das eleições e, principalmente das eleições em nossa cidade, nos ajuda a participar de modo crítico. O que acontece em âmbito local é reflexo, muitas vezes, do nacional. Para estudar a relação entre a história nacional e a história da cidade de Taubaté deve-se considerar os reflexos, impactos e especificidades.

A expressão “partido político” só passou a constar nos textos legais a partir da Segunda República. Até então, só se falava em “grupos”. O Brasil teve sete fases partidárias: monárquica, republicana (Primeira República – partidos estaduais), partidos ideológicos na Segunda República, a exclusividade da apresentação dos candidatos pelos partidos políticos, bipartidarismo (com base no sistema alemão) e pluripartidarismo.

Em 1881, a Lei Saraiva estabeleceu pela primeira vez eleições diretas. Ruy Barbosa redigiu o projeto dessa lei. As eleições durante o Império eram controladas pelo Imperador, por meio da Secretaria do Estado dos Negócios do Brasil, dos presidentes das províncias e da oligarquia rural. As reformas eleitorais eram feitas às vésperas das eleições, para garantir maioria ao governo.

Ruy Barbosa
Ruy Barbosa

No que se refere à influência religiosa, a relação entre Estado e Religião, até fins do Império, era tanta que algumas eleições foram realizadas dentro das igrejas. As cerimônias religiosas obrigatórias que precediam os trabalhos eleitorais só foram dispensadas em 1881, com a Lei Saraiva. Essa ligação entre política e religião, que no caso do período colonial brasileiro se restringia à religião católica, somente acabou com a vigência da Constituição de 1891, que determinou a separação entre a Igreja e o Estado.

Durante a República Velha, prevaleceu a chamada “política dos governadores”, na qual o presidente da República apoiava os candidatos indicados pelos governadores nas eleições estaduais e estes davam suporte ao indicado pelo presidente nas eleições presidenciais. Esse sistema dependia da ação dos coronéis, que controlavam o eleitorado regional. Chegava-se assim, quase sempre, a um resultado previsível. O poder de intervenção do governo nas eleições era grande.

Emilio Amadei Beringhs descreveu da seguinte forma essa política dos coronéis que também foi retratada no filme de Mazzaropi

[…] providências eram tomadas, com um vasto programa cuidadosamente preparado: a casa da “bóia”, como era chamada a casa que fornecia alimentação aos eleitores de fora, que consistia, quase sempre num “afogado”, que causava mais prejuízos que benefícios para a saúde. Depois os eleitores iam até a casa do Coronel ou do Doutor Fulano, onde recebia “ordem” para comprar um par de borzeguins ringidores, que causavam verdadeiras destruições em pés desacostumados com seu uso. Um chapéu de palha e alguns níqueis completavam a “compra” do voto, cujo dono nunca se preocupava em saber quem pagaria aquilo tudo. Era o tempo do Coronelismo. O “Coronel” disse. Estava acabado.

A Independência do Brasil obrigou o país a aperfeiçoar sua legislação eleitoral, que durante todo o Império foi copiada do modelo francês. Na última eleição da Monarquia realizada em Taubaté, em 31 de agosto de 1889, para Deputados Gerais, o Conselheiro Moreira de Barros foi eleito derrotando o Dr. Lopes Chaves. O Conselheiro alcançou grande prestígio na corte.

A Proclamação da República inaugurou um novo período da legislação eleitoral brasileira, que passou a inspirar-se em modelos norte-americanos. A principal inovação eleitoral trazida pela República foi a eliminação do “censo pecuniário” ou “voto censitário”.

A Revolução de 1930 tinha como um dos princípios a moralização do sistema eleitoral. Um dos primeiros atos do governo provisório foi a criação de uma comissão de reforma da legislação eleitoral, cujo trabalho resultou no primeiro Código Eleitoral do Brasil. O Código Eleitoral de 1932 criou a Justiça Eleitoral, e regulou em todo o país as eleições federais, estaduais e municipais. Beringhs em seu texto também indica 1930 como um momento decisivo no processo de composição do sistema eleitoral brasileiro.

Emilio Amadei Beringhs termina seu texto de modo bastante otimista:

[…] A diferença existente hoje peca apenas por uma circunstância: antigamente o partido oficial escolhia a dedo os que seriam candidatos. Foi quando o Brasil alcançou maior projeção internacional, com homens como Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Júlio Prestes, Washington Luis, só para citar alguns. Hoje tudo é diferente: qualquer cidadão, mesmo que despreparado, pode disputar um cargo eletivo, tendo igual chance de vencer. Este é, sem dúvida, um comentário visando a uma época que, francamente, não deixou saudades. As velhas eleições continham, em si mesmas, erros gravíssimos que sugeriram a Revolução de 30, que foi conseqüência de outras. Uma velha experiência que, felizmente, foi banida da vida cívica do Brasil.

Será que foi mesmo banida? Questiono sinceramente. Mutatis mutantis, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, como disse Camões, mas algumas práticas resistem ao tempo. Bem, de fato, ao longo do tempo houvera algumas mudanças, mas houveram também permanências mesmo que com outra roupagem.

Jornal O Vale
Jornal O Vale

A nossa Velinha de Taubaté, criada por Luís Fernando Veríssimo, representa uma ferrenha crítica à apatia do eleitorado e à crença de que os políticos de plantão dizem verdades. A Velhinha de Taubaté acreditava nos políticos. Ainda hoje me pergunto por que Taubaté. Por que Veríssimo escolheu nossa cidade para representar a resistência tradicionalista e acrítica. Esse pode ser um mistério da literatura brasileira, mas desconfio que Veríssimo tenha lá suas razões.

Acervo Estadão
Acervo Estadão

 

Dúvida, questão, crise? Em época de eleição temos dúvidas a quem dedicar nosso voto e, por conseguinte nossa confiança. Temos questões que não são respondidas e a crise está instalada no Brasil há algum tempo. A nossa crise particular é continuar sobrevivendo. A tábua de salvação, do meu ponto de vista, é a análise crítica calcada no estudo da História. Devemos lembrar que ninguém dá consciência para ninguém, e, principalmente, que não basta ter consciência, não basta saber e não agir. Torço para que os brasileiros votem no próximo domingo considerando a História do Brasil e das nossas eleições e que as urnas mostrem que os brasileiros são ou estão ficando de fato conscientes de seu papel na transformação do país.

Referências

Fontes documentais

Pasta “Proclamação da República em Taubaté”. Acervo da Biblioteca da Divisão de Museus, Patrimônio e Arquivo Histórico de Taubaté – D.M.P.A.H.

Atas da Câmara, Atas do Conselho de Intendência. 2002. Acervo da Biblioteca da D.M.P.A.H.

Atas do Poder Executivo. Lei nº. 1038 de 19/12/1906, dispõe sobre a organização municipal. Acervo do Arquivo da D.M.P.A.H.

Jornal Semana Oficial. 1906. Acervo do Arquivo da D.M.P.A.H.

Jornal de Taubaté, 20/01/1907, “Organização municipal”, p. 2. Acervo do Arquivo da D.M.P.A.H.

Referência bibliográfica

BERINGHS, Emílio Amadei. Conversando com a saudade….  1968.

Endereços eletrônicos

História das eleições no Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. http://www.tse.gov.br/institucional/biblioteca/site_novo/historia_das_eleicoes/index.html Acessado em 13/07/2008.

Museu virtual do Tribunal Superior Eleitoral. http://www.tse.gov.br/institucional/biblioteca/cobli/museuvirtual/museuvirtual.html Acessado em: 19/07/2008.

 

 

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Rachel Duarte Abdala é professora de Teoria da História na Universidade de Taubaté

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