A Praça: espaço urbano por excelência

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Texto de Rachel Abdalla

As cidades são compostas pela articulação dos espaços públicos e dos espaços privados. No primeiro grupo, o do espaço que é compartilhado, estão as ruas e as praças, os mercados, os largos, os passeios, os parques. No segundo, as residências, majoritariamente. A articulação da qual eu me refiro entre esses dois tipos de espaços urbanos não é apenas a física, pois todas as residências se voltam para as ruas, é a da frequentação que torna real uma cidade.

Os espaços públicos formaram-se, ao longo da história, pela necessidade de existência de locais nos quais fossem realizadas atividades coletivas, como o comércio, o lazer e a devoção. Esses espaços surgiam de acordo com a demanda, e foram compondo o tecido urbano.

Hoje escolhi tratar das praças, mas voltarei ao assunto para escrever sobre as ruas, já cantadas em prosa e verso, mas tão pouco refletidas pelos homens, mulheres e crianças que as utilizam diariamente.

Voltando às praças, desde o início da formação das cidades, consolidando-se no período da antiguidade clássica, a praça tem sido o palco dos principais acontecimentos públicos. Ocupada por manifestações políticas e artísticas, pelo consumo e pelas relações sociais, é a referência histórico-social dos habitantes da cidade.

Praça D. Epaminondas. Foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês
Praça D. Epaminondas. Foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês

Como toda cidade fundada no período colonial brasileiro, Taubaté desenvolveu-se a partir do núcleo urbano formado pela igreja, a câmara e a cadeia. Invariavelmente, ao lado da igreja, ou tendo-a como centro, reservava-se o local da praça, que em alguns casos, também era chamada de largo. Em Taubaté, a praça mais freqüentada, devido à sua localização no centro e à sua história, é justamente a Praça Dom Epaminondas, que abriga a Igreja Matriz. Sua origem está associada à fundação da cidade, por volta de 1640, quando foi erigida a igreja de São Francisco das Chagas. Denominada de Rocio da Vila de São Francisco das Chagas de Taubaté, Largo da Igreja, Largo da Matriz e Praça da Catedral, em 1936 recebeu o nome atual, em homenagem ao primeiro Bispo Diocesano de Taubaté.

Com relação à funcionalidade e à dinâmica histórica, a Praça Dom Epaminondas, embora ainda receba munícipes dispostos a viver a cidade, a conversar, a estar, principalmente durante a semana, caracteriza-se atualmente como uma praça comercial, pois para ela se voltam diversas lojas e suas localização central a torna referência e espaço de passagem.

Praça Santa Terezinha. Foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês
Praça Santa Terezinha. Foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês

Evocando a presença de igrejas ou a sua História, muitas praças são denominadas ou conhecidas pelo nome da igreja que abriga, como por exemplo, a Praça Santa Terezinha, na qual se encontra localizada a igreja dedicada a essa santa. Para essa praça atualmente convergem muitos taubateanos para praticar o lazer e a sociabilidade.

O medievalista Jacques Le Goff se dedicou a pensar sobre a criação e a composição das cidades desde o período antigo, focando no medieval, em diversos textos e dedicou uma obra especificamente a essa temática: Por amor às cidades. Para ele, “é a sociabilidade, o prazer de estar com o outro, que estabelece em definitivo a diferença urbana, a urbanidade”. O espaço urbano é fundamentalmente o espaço da troca.

Monumento ao Centenário da Independência, no Parque Dr. Barbosa de Oliveira. Foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês
Monumento ao Centenário da Independência, no Parque Dr. Barbosa de Oliveira. Foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês

Outra praça que ocupa o cotidiano e a memória dos taubateanos há muito tempo é a Praça Dr. Barbosa de Oliveira, ou Praça da Estação ou Jardim Público, que surgiu a partir da construção da Estação Ferroviária, no final do século XIX. Localizada entre duas estações: a ferroviária e a rodoviária, hoje denominada como velha em referência à nova construída nos limites da cidade com a rodovia Dutra. O Parque Dr. Barbosa de Oliveira recebeu, desde os anos finais do século, atenção do poder público no intuito de ser complementado comum jardim. Em 1896, já havia notícias de investimentos em complementá-lo com ajardinamento e bancos, para o descanso de seus freqüentadores. Entre 1900 e 1901, foi construído o coreto, de autoria de Luiz Daniel Camargo e, em 24 de janeiro de 1901, foi inaugurado o jardim. Em 1922, as comemorações de Taubaté pelo Centenário da Independência, incluíram a inauguração do obelisco na Praça Dr. Barbosa e do jardim, remodelado pelo notório jornalista Praxedes de Abreu.

Assim como o Parque Dr. Barbosa de Oliveira, muitas praças ostentaram e ostentam até hoje coretos. O coreto, pavilhão situado nas praças, foi um dos maiores símbolos da vida pública e da sociabilidade das cidades no século XIX. Nos coretos ocorriam as apresentações de concertos, ou retretas. Em Taubaté, havia dois coretos, um no Parque Doutor Barbosa de Oliveira e outro em frente ao palácio episcopal. As retretas proporcionavam divertimento a todos que circulavam por esses locais públicos. Em Taubaté havia diversas e concorridas bandas, e as mais citadas nos jornais do fim do século XIX e início do XX são: Sociedade Musical Malhado Rosa, Philarmonica Taubateense, Club Carlos Gomes e Corporação Musical João do Carmo. As corporações musicais não se apresentavam somente nos coretos; também eram palco de suas apresentações as praças, ruas e eventos públicos diversos. Mais tarde, mesmo com a ação do tempo, como lembraria Emílio Amadei Beringhs, duas bandas musicais resistiram, a “Philarmonica” e a Corporação “João do Carmo”, que continuavam, então, abrilhantando as festas e também as partidas de futebol e os músicos divididos nas orquestras dos cinemas!

Praça Doutor Monteiro. Foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês.
Praça Doutor Monteiro. Foto: Angelo Rubim/Almanaque Urupês.

Em Taubaté merece destaque ainda o antigo Largo da Liberdade, atual Praça Doutor Monteiro, que abrigava o prédio de taipa do Teatro São João, fundado na década de 1870. Esse teatro serviu de palco para diversas peças teatrais, concertos musicais, e, até mesmo, para espetáculos ilusionistas. Recebeu artistas reconhecidos, como: Giulietta Dionesi, violinista que chegou a se apresentar para D. Pedro II; Pattapio Silva, flautista; e, Banobelab, telepático. Podemos citar, ainda, Augusta Candiani, cantora lírica de fama nacional. O Teatro São João surgiu em um tempo em que o cinema ainda não existia e as possibilidades de entretenimento não eram tão diversas quanto na atualidade. Mesmo que não tenha estendido a diversão para todos os grupos da sociedade, o Teatro São João, em seu tempo, marcou a história da região como um importante centro cultural.

Esse texto foi motivado pela reflexão sobre o nome de uma das praças de nossa cidade. Passando pelo bairro de minha infância, Jardim Maria Augusta, reparei que colocaram uma placa na pracinha. Sim, as praças carinhosamente são muitas vezes simplesmente chamadas de pracinhas, principalmente as de bairro como essa. Para mim e para as crianças que durante décadas a freqüentaram brincando sob suas árvores e fazendo-a seu quintal, era pracinha e pronto. Pois bem, a pracinha de minha infância se chama Esperanto. Não sei dizer se na época em que eu brincava lá ela já tinha esse nome ou se o recebeu posteriormente, o fato é que hoje ostenta uma placa com esse nome. Suspeito que para as crianças que me sucederam ainda continua sendo chamada como pracinha.

Viver em um centro urbano não é, de modo algum, uma novidade, como vimos e como sabemos intuitivamente desde que começamos a circular pela cidade onde moramos ainda pequeninos, no entanto, viver essa experiência urbana depende da disposição em buscar compreendê-la.

Dúvida, questão, crise? A dúvida é escolher para qual praça ir e a crise repousa no descaso político com esses espaços públicos tão caros aos munícipes.

Referências

BERINGHS, Emílio Amadei. Conversando com saudade… (crônicas). São Paulo: Bisardi, 1967.

LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. Tradução Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Fundação Ed. da UNESP, 1998.

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Rachel Duarte Abdala é professora de Teoria da História na Universidade de Taubaté

 

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