Texto de Amanda Oliveira
Durante o regime escravocrata no Brasil, sabemos que os escravos sofreram com a violência praticada por seus senhores. Mas eles nunca estiveram dispostos a se submeter e, por isso, resistir contra esta condição foi a resposta encontrada contra a opressão sofrida, que se dava nas oposições ao trabalho, fugas, assassinatos, suicídios e rebeliões.
A fuga era o mais freqüente mecanismo de protesto. Os escravos não se conformavam com os maus tratos que recebiam e queriam a liberdade que lhes foram arrancadas. Refugiavam-se muitas vezes em Quilombos, que eram comunidades erguidas nas matas, de difícil acesso. Na maioria das vezes, não eram tão grandiosas e conhecidas como foi a de Palmares, mas sim pequenos aldeamentos coletivos. Na cidade, tentavam se passar por livres e trabalhavam para outros proprietários ou alugavam seus serviços. Nos jornais do século XIX, no Brasil e particularmente em Taubaté, encontram-se anúncios de fugas de escravos. O senhor o descrevia minuciosamente e até registrava o que levava consigo quando fugiu. Não desistiam facilmente, procuravam por um bom tempo.
Assassinatos foram também formas de resistência. Notícias sobre crimes cometidos pelos escravos contra seus senhores, feitores e administradores ocorreram em todo o período escravista. Os motivos eram diversos, como por exemplo, protesto a açoites injustificáveis, revolta contra os castigos sistemáticos e opressões familiares. O assassinato acontecia também, pelo interesse que o escravo tinha em adquirir a liberdade, que seria dada somente após a morte de seu senhor, descrita em testamento.
No limite de sua resistência física e moral, o escravo cometia o suicídio. Além de gesto de libertação, de acabar com sua condição de cativo, ele fazia com que seu senhor tivesse prejuízo do investimento que fez nele. As causas poderiam ser um atentado que não deu certo, o medo de ser castigado, ser vendido, o descumprimento da alforria, etc. O suicídio do escravo não era simplesmente um ato de fraqueza, mas sim um gesto de revolta. Muitas escravas também, quando grávidas, preferiam cometer o aborto, para não terem seus filhos vivendo na mesma realidade.
Inconformados com o regime escravista, ocorreram também muitas manifestações coletivas, como a Revolta dos Malês. Existiram muitos levantes negros em São Paulo, mas não se efetivaram, porque antes de acontecessem, eram denunciados. Nas áreas em que a população escrava era numerosa, havia um temor muito grande de um levante e por isso ficavam atentos a qualquer boato.
Encontramos em diversos documentos do Arquivo Histórico Felix Guisard Filho manifestações dessas resistências relativas à condição de escravo.
Temos como exemplo o caso do escravo Carlos, crioulo de vinte e tantos anos que cometeu suicídio com uma faca. O caso é relatado no Auto de Corpo de Delito de 1871 em Taubaté. Carlos pertencia a Luiz José da Silva Guimarães, fazendeiro residente na cidade, e durante a leitura do processo nota-se os motivos que levaram o escravo a tomar essa atitude.
Segundo o proprietário, testemunhas e outro escravo chamado Pedro, da Costa, foi relatado o seguinte:
No dia 05 de agosto de 1871, um sábado, na hora dos escravos irem para roça, Luiz José da Silva Guimarães, senhor de Carlos, mandou que o mesmo acompanhasse o feitor Militão Correa Marcondes para trabalhar, mas no caminho fugiu. Sendo capturado mais tarde, seu senhor o mandou para o feitor amarrado, contudo novamente tentou fugir, mas desta vez não conseguiu. Ao ser entregue ao feitor, este o açoitou e logo depois mandou que fosse encher balaios de milho para outros escravos carregarem um carro, ao que, segundo relato das testemunhas, Carlos se mostrou com má vontade ao serviço (talvez devido aos ferimentos), tendo então o feitor ameaçado castigá-lo novamente. Quando o feitor mandou buscar um bacalhau[1] para açoitá-lo, Carlos tirou uma faca da cintura de seu parceiro Pedro, que se achava carregando o carro, e feriu-se com ela no ventre. Faleceu poucos dias depois.
[1] chicote de couro cru, trançado ou retorcido, usado para castigar escravos.
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Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.
2 Comments
esta pagina da historia é muito triste a sociedade Taubateana até hoje ainda segrega os negros, quem tem descendencia afros sabe disso. Gostaria fosse trazido à publico o enforcamento de um assassino passional negro na praça de Santa Terezinha onde hoje está o cruzeiro , seria uma lenda ou não? tenho como fato real. até a pouco tempo familias de Taubaté ainda mantinham decendentes de escravo trabalhando à preço barato dizendo ele não tem para onde ir acolho em casa. a verdade é que dispunham desta mão de obra diuturnamente.
Pedro, não acredito que essa história do enforcamento seja verdadeira. Nunca vi nenhum registro sobre ela, são apenas histórias narradas na tradição oral e em algumas crônicas (nesse caso, tida como lenda).
Aconteceram muitas outras histórias de atrocidades contra os escravos, era um tipo de violência muitas vezes desmedida, passava muito longe daquela que era permitida institucionalmente.
O que esperar de um sistema que tem na violência a sua base de sustentação? É claro que não havia passividade, mas é igualmente óbvio que só acabaria em ruína.
Hoje assistimos um tipo de violência muito parecida, o diferencial é que somos todos supostamente livres.